Suspeito nega na PF ser mandante dos assassinatos de Bruno e Dom
Conhecido como “Colômbia”, ele também é suspeito de envolvimento com o narcotráfico, que banca as atividades de pescadores de comunidades ribeirinhas nos municípios de Benjamin Constant e Atalaia do Norte, na região do Alto Solimões, no Amazonas, fronteira com Colômbia e Peru
Publicado 09/07/2022 11:00 | Editado 09/07/2022 12:07
A Polícia Federal prendeu nesta quarta-feira (07) o comerciante conhecido como “Colômbia”, suspeito de financiar pesca ilegal na Terra Indígena Vale do Javari e apontado como suspeito de ser o mandante do assassinato do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips no dia 5 de junho. Ele também é suspeito de envolvimento com o narcotráfico, que banca as atividades de pescadores de comunidades ribeirinhas nos municípios de Benjamin Constant e Atalaia do Norte, na região do Alto Solimões, no Amazonas, fronteira com Colômbia e Peru.
“Ontem prendemos em flagrante a pessoa conhecida como ‘Colômbia’. Vinha sendo muito citado pela imprensa, inclusive. Comparece a PF para prestar esclarecimento. Ele nega participação nesse duplo homicídio, nega ser o mandante”, disse o superintendente da Polícia Federal no Amazonas, Eduardo Fontes, em coletiva nesta sexta-feira (08). “Mas durante sua apresentação, ele apresenta documento falso”, completou o delegado.
Em depoimento dado na delegacia da PF em Tabatinga, também no Alto Solimões, “Colômbia” confessou fazer negócio com Amarildo da Costa Oliveira, o Pelado, mas negou que sejam atividades ilícitas, segundo Eduardo Fontes.
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Pelado é assassino confesso de Bruno e Dom. Ele está preso com outras duas pessoas, Oseney da Costa Oliveira, o “Dos Santos”, e Jefferson da Silva Lima, o “Pelado da Dinha”. A prisão temporária dos três venceu nesta sexta-feira (8) e a PF aguarda decisão da Justiça Federal se concorda em assumir o processo e se aceita a conversão em prisão preventiva. O Ministério Público Federal já se manifestou favoravelmente ao acolhimento do declínio de competência do caso.
Para a União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), “Colômbia” é “o maior comprador e financiador atual das invasões na Terra Indígena Vale do Javari”, conforme ofício enviado às autoridades em março deste ano. Outras cinco pessoas foram indiciadas por ocultação de cadáveres, mas estão em liberdade.
A prisão de “Colômbia”, porém, não se deu por um possível envolvimento nos homicídios, mas por ele ter apresentado documentos falsos quando foi espontaneamente à sede da PF em Tabatinga.
Em um dos documentos, ele se identifica como Rubens Villar Coelho, de nacionalidade brasileira, nascido no município de Benjamin Constant, vizinha de Atalaia do Norte. Em outro, ele tem o nome de Rubem Dario da Silva Vilbar, nascido em Letícia, na Colômbia, fronteira com o Amazonas. Um terceiro documento, de nacionalidade peruana, também foi apresentado por ele e está em investigação pela PF.
“Colômbia”, segundo o superintendente da PF, se apresentou por recomendação de seus advogados, após ter seu nome vinculado ao caso.
“Ele compareceu espontaneamente. Entrou em contato dizendo que queria prestar alguns esclarecimentos, tendo em vista que o nome dele era citado constantemente pela mídia como narcotraficante, como mandante desse duplo homicídio. Disse que estava muito preocupado. Sabia que em algum momento seria chamado para esclarecer. Então, ele antecipou e durante a oitiva apresentou documentação falsa”, disse o delegado.
Conforme o delegado, “Colômbia” iria para audiência de custódia ainda nesta sexta-feira e havia expectativa da justiça mantê-lo preso “até que se possa esclarecer qual realmente é a sua identidade”. O crime de documentação falsa é inafiançável.
Segundo o superintendente, em seu depoimento à PF, “Colômbia” informou que mantém relações comerciais com pessoas “da região” e citou alguns pescadores, entre eles Amarildo da Costa Oliveira.
“O que a gente está apurando é se essa pessoa conhecida como ‘Colômbia’ trabalha com pesca. Segundo ele, compra pescado ali, que são lícitos. Estamos apurando se existe ali ou não a participação na pesca ilegal. Existe uma relação com alguns pescadores da região, uma relação comercial, segundo ele. Então, estamos investigando se é apenas uma relação comercial ou se existe uma pesca ilegal onde ele efetivamente participa e financia”.
Indagado sobre as conexões de “Colômbia” com o narcotráfico e se ele pode ser o mandante dos crimes, o superintendente da PF disse apenas que o assunto “está em investigação”. A reportagem também perguntou se a polícia pretende fazer perícia ou buscas em uma das casas de “Colômbia”, em Benjamin Constant, mas o delegado informou que não podia adiantar os próximos passos.
Na coletiva, o superintendente da PF também disse que, nesta semana, a Polícia Federal e a Polícia Civil finalizaram a reconstituição do crime no local onde foram encontrados os pertences e os restos mortais de Bruno e Dom. O delegado Eduardo Fontes não deu detalhes sobre o trabalho de reconstituição. Disse apenas que “aguarda o laudo” e que, paralelo a isso, a PF está aprofundando as investigações para ver se existem mais pessoas que participaram desse evento criminoso e se existe ou não mandante do crime.
Financiador de pesca ilegal
O nome de “Colômbia” como mandante ou ao menos como envolvido nos homicídios ocupa a lista de suspeitos desde o desaparecimento de Bruno e Dom. O comerciante é conhecido na região por seu alto poder econômico e por sua influência entre políticos locais, especialmente em Benjamin Constant. Ele financia candidaturas às eleições municipais, apoiando pessoas ligadas à atividade pesqueira.
A Amazônia Real apurou que ele tem uma casa no município, localizada na beira do rio Solimões e que, se houver necessidade, uma possível fuga é fácil de acontecer. Na mesma residência ele armazena carnes de caça e de pescado capturados ilegalmente. De acordo com uma fonte ouvida pela reportagem, é pouco provável que, depois da repercussão do caso e de seu nome ter se tornado público, ser possível encontrar essas cargas na casa. “A família dele já deve ter limpado tudo”, disse.
A prisão de Colômbia por documentação falsa não é o desfecho que muitos esperavam. Fontes ouvidas pela reportagem analisam que a PF ainda não tem uma linha de atuação firme. “Me parece que eles (policiais) estão a depender dos ventos”, comentou uma liderança indígena à reportagem. “Todos sabem que ele é quem financia e coordena a pesca ilegal. Nem precisa de investigação”, comentou.
Nos últimos meses, especialmente depois que a Equipe de Vigilância da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (EVU- Univaja) começou a fiscalizar e apreender produtos de pesca e caça ilegal, uma série de ofícios foi envida à PF de Tabatinga. Nos documentos da Univaja, “Colômbia” é reiteradamente mencionado. A organização indígena apresenta vários indícios do envolvimento dele com pesca e caça ilegal.
Em ofício de 8 de março de 2022 assinado pelo coordenador geral da Univaja, Paulo Dollis, o Paulo Marubo, enviado às autoridades federais, a Univaja relata uma apreensão de carga ilegal da fauna e a detenção de pessoas que confessaram trabalhar para um homem chamado “Jane”, que teria pago alguns jovens para transportar os produtos em seu bote até Atalaia do Norte.
De acordo com Univaja, o bote e o motor, posteriormente, estariam com “Colômbia”, descrito no ofício “como o maior comprador e financiador atual das invasões da TI Vale do Javari”. Segundo o documento da Univaja, “Colômbia” recepta esses produtos ilegais em sua balsa de compra de pescado na cidade de Islândia, no Peru, vizinha de Benjamin Constant. Em seguida, transporta para Santa Rosa, no Peru, e para Letícia, na Colômbia.
Questionado sobre as denúncias da Univaja, Eduardo Fontes disse que as informações repassadas “não têm nenhum elemento concreto de prova”. “Se a senhora tiver informações concretas, provas, de qualquer pessoa que participou deste ato criminoso, pode trazer pra nós”, disse ele à repórter da Amazônia Real, quando novamente questionado.
No dia 06 de junho, já havia informação que “Colômbia” tinha envolvimento com pesca ilegal e, inclusive, também teria ameaçado Bruno Pereira. Na ocasião, dois homens, identificados apenas como Churrasco e Jânio, chegaram a ser considerados suspeitos, e levados para depoimento, mas foram liberados.
Jânio é um nome recorrente nos relatórios de denúncias feitas pela Univaja e enviados às autoridades policiais por pesca ilegal na terra indígena. “Churrasco”, como se soube depois, é Manoel Vitor Sabino da Costa, pescador com quem Bruno Pereira teria marcado um encontro no dia 5 de junho para conversar sobre projeto de manejo de pesca. No dia, Churrasco não estava presente. Bruno tomou uma bebida (nescau) oferecida pela esposa de Churrasco e seguiu caminho acompanhado de Dom, quando foram vítimas de emboscada e ambos assassinados.
A outra premissa é que ele também estaria cobrando uma atitude dos pescadores para impedir a atuação de Bruno Pereira à frente das operações de fiscalização e apreensões pela EVU. O indigenista estaria atrapalhando os “negócios” dos pescadores e de “Colômbia”. Amarildo, o Pelado, estaria devendo ao menos R$ 80 mil ao comerciante.
O próprio “Pelado” também é frequentemente mencionado nos ofícios da Univaja. Segundo a organização, ele teria participado dos ataques a tiros à Base de Proteção da Funai, ocorridos nos anos de 2018 e 2019. Em outros períodos, ele também teria invadido a terra indígena, se aproximando das áreas onde vivem os isolados Korubo.
A Amazônia Real tentou contato com o advogado Hurygell Bruno de Araújo, que representa Rubens Villar ( o Colômbia), para saber detalhes sobre a prisão e ouvir a defesa do acusado, mas até o fechamento desta reportagem não teve resposta.
A agência também tentou contato com Edilson Tananta, advogado de Amarildo da Costa Oliveira (o Pelado), mas também não obteve resposta.
Fonte: Amazônia Real