Governador de SP quer vender Sabesp, enquanto países reestatizam saneamento

Em recado ao governador de São Paulo, sindicato questiona: Por que EUA, França, Reino Unido e Alemanha reestatizaram os serviços de água e esgoto?

Foto: Sabesp

A luta contra a privatização da água segue como pauta permanente para o Sintaema (Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente do Estado de São Paulo). Mas, o que está em jogo caso o projeto de privatizações de serviços essenciais como saneamento e transporte do governador Tarcísio de Freitas seja vitorioso?

Por que o Brasil fala em privatização enquanto centenas de cidades pelo mundo reestatizam serviços como o de abastecimento de água e tratamento de esgoto?

O setor do saneamento no Brasil sempre foi visto pelo setor privado como um campo de exploração rentável. Essa concepção ganhou ainda mais força com a aprovação e sanção pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), em 15 de julho de 2020, da Lei 14.026/2020, que estabeleceu um novo marco regulatório para o saneamento básico do país. Medida vista como um erro por diversos especialistas e entidades da sociedade civil organizada do país.

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“Já está comprovado que não é a privatização do saneamento dos serviços que vai enfrentar os desafios da universalização do acesso ao serviço. Isso porque as áreas que mais sofrem com a falta de saneamento básico são as periferias, as áreas rurais e as comunidades. E são, justamente, nessas áreas que o setor privado não tem interesse em atuar pelo motivo de que essas populações não correspondem às expectativas de lucro que as empresas privadas de saneamento esperam ter ao ofertar o serviço”, explica Edson Aparecido da Silva, secretário-executivo do Ondas (Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento).

Aparecido destaca que “enquanto diversas cidades do mundo reestatizam, governos no Brasil aplicam o projeto inverso”. Segundo ele, a questão é bem simples: Por que cidades de 37 países reestatizaram seus serviços de tratamento de água e esgoto? A resposta é simples: tarifas abusivas e piora no atendimento da população. “Não dá para achar que no Brasil teremos algo diferente disso”.

A crítica do pesquisador está baseada em experiências internacionais negativas. Conforme aponta relatório produzido pelo Instituto Transnacional (TNI), centro de pesquisas com sede na Holanda, de 2000 a 2019, 312 cidades, em 37 países, reestatizaram seus serviços de tratamento de água e esgoto. Entre eles, Alemanha, França, Bolívia, Argentina, Equador, Venezuela, Honduras e Jamaica.

“A nossa base de dados mostra que as reestatizações são uma tendência e estão crescendo (…) a priorização de lucros das empresas privadas é, na maior parte das vezes, conflitante com a execução de serviços de que a sociedade depende (…). A gestão pública tem que prestar contas e ser cobrada, para garantir que haja um controle democrático efetivo”, pode-se ler no relatório.

Causas para a reestatização

De acordo com os dados divulgados pelo Instituto Transnacional (TNI), as quebras ou não renovações dos contratos ocorreram após os países constatarem o aumento abusivo das tarifas de água e o fator de que promessas de universalização não foram cumpridas. Também foi motivo para a reestatização o avanço de problemas com transparência e dificuldade de monitoramento do serviço pelo setor público.

A entidade elenca que, no período analisado, foram ao menos 835 remunicipalizações (quando os serviços são originalmente da prefeitura) e 49 nacionalizações (ligadas ao governo central), em um total de 884 processos, movidas geralmente por reclamações de preços altos e serviços ruins em serviços como água, esgoto, energia elétrica, coleta de lixo, transporte, educação, saúde e serviços sociais, somando um total de sete áreas diferentes. Os dados ainda mostram que, após 2009, houve uma tendência acelerada de reestatização de mais de 80%.

O estudo também identificou que o resgate ou a criação de novos sistemas geridos por municípios na área de energia liderou a lista, com 311 casos – 90% deles na Alemanha. Já quando olhamos para o setor de saneamento, a análise das informações coletadas mostra 235 casos de remunicipalização de sistemas de água, afetando mais de 100 milhões de pessoas.

Para o presidente do Sintaema, José Faggian, a privatização gera não só a piora na qualidade dos serviços, ela atinge em cheio a saúde e a vida da população, em especial a mais vulnerável. “Embora a Sabesp seja uma empresa que dê lucro, o principal objetivo dela ainda não é lucrar, é levar saneamento de qualidade para a população e cuidar da saúde. Não por acaso diversos estudos relacionam que quando há saneamento de qualidade o primeiro dado que reduz é o da mortalidade infantil. Como empresa privada, o foco não será o acesso e a saúde, mas isso o lucro”.

Faggian diz ainda que “a população mais vulnerável, moradora das periferias, é que vai sofrer com esse projeto de privatização. Tendo em vista que já é sabido que empresas privadas só investem em locais que dão lucro. Com a Sabesp essa população está salvaguardada pela tarifa social aplicada pela Sabesp. Por isso, nossa luta pela Sabesp. Uma luta que é pelo direito universal de acesso a saneamento de qualidade, de defesa da vida e defesa do nosso patrimônio, já que a Sabesp é a terceira maior empresa de saneamento no mundo”, completa.

Alguns exemplos de Reestatizações

ALEMANHA

Na Alemanha, o destaque para a reestatizações ficou no setor de energia: dos 348 serviços que voltaram das mãos privadas para a estatal nas décadas de 2000 e 2010, 284 envolviam abastecimento de eletricidade, gás ou aquecimento.

FRANÇA

Na França, tida como inspiração para várias reestatizações na Europa, 152 serviços voltaram para a mãos do Estado, incluindo o saneamento de 106 cidades e o transporte público de 20 delas.

O caso mais emblemático do de Paris que, em 2008, optou por não renovar a concessão dos serviços de água e esgoto da cidade. Eles eram desde 1985 administrados por duas companhias privadas (a Suez e a Veolia) e passaram para a responsabilidade da Eau de Paris, companhia municipal criada para assumir o negócio e até hoje a responsável pelo tratamento de água da capital francesa.

ESTADOS UNIDOS

Referência quando o assunto é privatização, os EUA tiveram, nos últimos anos 67 serviços reestatizados. Contratos de água e de energia são alguns dos que foram revertidos em cidades espalhadas por estados tão diversos quanto Flórida, Havaí, Minnesota, Texas, Nova York e Indiana.

REINO UNIDO

Um dos primeiros países do mundo a elaborar e testar o modelo de privatização dos serviços públicos, o Reino Unido – que realizou 65 reestatizações – foi também pioneiro em revisá-los: em 2010, a TfL (Transporte de Londres, em inglês), a agência pública de transportes, comprou de volta da iniciativa privada o contrato da expansão do metrô.

O Transporte por Trem passou pelo mesmo processo. Foram privatizados nos anos de 1990, tiveram uma parte tomada de volta pelo governo em 2002.

ESPANHA

Na Espanha ocorreram 56 reestatizações. O serviço de abastecimento de água é um destaque na Espanha, especialmente depois que, em 2015, o Tribunal Superior de Justiça da Catalunha anulou a mega concessão da rede de saneamento da região metropolitana de Barcelona feita três anos antes. Entre os motivos que levaram a reestatização estão: falta de transparência no processo de leilão, aumento abusivo das tarifas.

No levantamento do TNI, 27 cidades espanholas já haviam tomado de volta suas concessões de água em 2017. Energia, coleta de lixo e serviços que vão de habitação a funerárias são outros que também foram revistos por prefeituras do país.

*Com informações de Sintaema e agências

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