Zema prega uma “guerra da secessão” para o Brasil

Direita de Bolsonaro e Zema quer dividir o País, assim como os escravagistas do Sul tentaram dividir os Estados Unidos no século 19

Candidato a líder e a porta-voz de uma direita órfã desde o declínio de Jair Bolsonaro (PL), Romeu Zema (Novo) já prega uma espécie “guerra da secessão” no Brasil. Para o governador de Minas Gerais, é hora de as regiões Sul e Sudeste se unirem contra o restante do País. Em sua entrevista ao Estadão publicada no sábado (5), as linhas gerais da guerra foram lançadas.

No lugar de parcerias ou integração, Zema quer uma clara divisão entre o Brasil rico e o Brasil pobre. Segundo ele, o ex-presidente preparou o terreno para uma manobra separatista. “A direita, na minha opinião, já está hoje muito mais organizada. Acho que a figura de Bolsonaro foi de fundamental importância para deixar essa ideia de direita formada”, diz o governador. “Porque parece que a direita não existia, que eram pessoas isoladas. Ele (Bolsonaro) conseguiu, de certa maneira, criar uma noção de direita.”

Agora, essa direita de Bolsonaro e Zema quer dividir o País, assim como os escravagistas do Sul tentaram dividir os Estados Unidos no século 19. Abraham Lincoln se elegeu presidente norte-americano em 1861 com a promessa de abolir a escravidão. Os escravagistas reagiram com a criação dos Estados Confederados do Sul – ou Estados Confederados da América.

A Confederação liderada por Zema atende pelo nome de Consórcio Sul-Sudeste (Cossud). “Na verdade, ele já existia, mas nós formalizamos o Consórcio Sul-Sudeste, que reúne os sete estados das duas regiões. A cada 90 dias, nós nos encontramos para trabalharmos de forma conjunta”, esclarece o governador. “Não é mais um grupo informal, tem CNPJ e vamos ter um escritório de representação em Brasília.”

Ele lembra que, na véspera da votação da reforma tributária, os 256 deputados federais do Sul e do Sudeste conseguiram se unificar. Mas, lamenta Zema, “os do Norte e Nordeste estão muito na nossa frente”. E, afinal, para que serve o Cossud? “Além do protagonismo econômico que temos, porque representamos 70% da economia brasileira, nós queremos – que é o que nunca tivemos – protagonismo político. Outras regiões do Brasil, com estados muito menores em termos de economia e população, se unem e conseguem votar e aprovar uma série de projetos em Brasília”, diz Zema.

A seu ver, o Brasil está sob domínio do Norte e do Nordeste. “Nós, que representamos 56% dos brasileiros, mas que sempre ficamos cada um por si, olhando só o seu quintal, perdemos. Ficou claro nessa reforma tributária”, diz Zema. “Eles queriam colocar um conselho federativo com um voto por estado. Nós falamos: ‘Não, senhor. Nós queremos proporcional à população’. Por que, (com) sete estados em 27, iríamos aprovar o quê? Nada. O Norte e Nordeste é que mandariam. Aí, nós falamos que não. Se temos 56% da população, nós queremos ter peso equivalente.”

Fraco em metáforas, Zema recorreu à pior possível para mostrar o que entende, marotamente, como injustiça: “Você vai cair naquela história do produtor rural que começa só a dar um tratamento bom para as vaquinhas que produzem pouco e deixa de lado as que estão produzindo muito”. Para Zema, o Norte e o Nordeste não passam de “vaquinhas que produzem pouco”.

É claro que essa agressão não passaria em branco. O ministro da Justiça, Flávio Dino, ex-governador do Maranhão, foi um dos primeiros a reagirem. “É absurdo que a extrema-direita esteja fomentando divisões regionais. Precisamos do Brasil unido e forte”, tuitou. “Está na Constituição, no art 19, que é proibido ‘criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si’. Traidor da Constituição é traidor da Pátria, disse Ulysses Guimarães.”

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), usou as raízes mineiras para dar um “chega-pra-lá” em Zema. “Não cultivamos em Minas a cultura da exclusão. JK, o mais ilustre dos mineiros, ao interiorizar e integrar o Brasil, promoveu a lógica da união nacional”, disse, em suas redes, o senador. “Fiquemos com seu exemplo. Ao valoroso povo do Norte e Nordeste, dedico meu apreço e respeito. Somos um só país.”

Presidente do Consórcio Nordeste, o governador João Azevêdo (PSB-PB) chamou a “guerra entre regiões” proposta por Zema de “um movimento de tensionamento com o Norte e o Nordeste”. De acordo Azevêdo , “qualquer tipo de lampejo separatista”, além de repulsivo, aprofunda “a lógica de um país subalterno, dividido e desigual”. Sua opinião foi seguida pela governadora de Pernambuco, Raquel Lyra (PSDB): “O Nordeste é parte da solução do país e deve receber atenção nas discussões federativas por tanto tempo de descaso e indiferença”.

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