Movimento suspende construção que ameaçava o Rio Saracura, em São Paulo

Prédio era mais uma tentativa do setor imobiliário de expandir seus tentáculos e aproveitar as brechas abertas pelo Plano Diretor, que desconsiderou a existência de rios, encostas, vales, histórias e memórias

Grotão da Bela Vista visto da parte alta da rua Rocha. Foto: Abilio Guerra

No dia 7 de setembro, enquanto a nação celebrava a independência do Brasil e rememorava o “Grito do Ipiranga”, um movimento popular em São Paulo estava ocupado em uma batalha própria pela preservação de um importante recurso natural: o rio Saracura. Nesse mesmo dia, o Conselho Municipal de Proteção ao Patrimônio Cultural e Arquitetônico de São Paulo (Conpresp) tornou pública uma decisão crucial para a comunidade do Bixiga, um tradicional bairro da cidade.

O Conpresp suspendeu temporariamente a possibilidade de construção de um prédio de 16 andares e cinco subsolos na Rua Rocha, na Grota do Bixiga, em resposta a um recurso apresentado pelo movimento “Salve Saracura” e associações locais. A denúncia argumentava que a construção ameaçava comprometer uma das últimas áreas verdes remanescentes no bairro, que abriga mananciais e nascentes do rio Saracura, um afluente do Ribeirão Anhangabaú.

A arquiteta e urbanista Raquel Rolnik, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (USP), destacou na Rádio USP a importância dessa decisão, que representa um alívio em meio a preocupações relacionadas ao desenvolvimento urbano desenfreado e à falta de consideração pelos recursos naturais e culturais da cidade. Rolnik ressaltou que o Plano Diretor em vigor desconsiderou completamente a existência de rios, encostas, vales, histórias e memórias, promovendo um desenvolvimento homogêneo e verticalizado, principalmente nas proximidades de sistemas de transporte público, como metrôs, trens e corredores de ônibus.

A revisão do zoneamento da cidade de São Paulo está ocorrendo simultaneamente a essa suspensão da construção no Bixiga. Esse contexto coloca em pauta a necessidade de considerar questões ambientais e culturais em futuras decisões de planejamento urbano. O Bixiga, por exemplo, deixou de ser classificado como um eixo de estruturação urbana no Plano Diretor devido à pressão popular, tornando-se um território de interesse cultural.

O coração da Bela Vista é um pequeno vale que acolhe as águas de chuva que descem da encosta da Avenida Paulista e do Morro dos Ingleses e que irão desembocar na Avenida 9 de Julho, lugar de direito do pequeno rio Saracura. Encravada às margens imaginárias do riacho que corre hoje escondido embaixo do asfalto, a Escola de Samba Vai-Vai. Canta um de seus sambas-enredo:

Quem é Bixiga diz: Sou raiz
Sou tradição, o coração
Luz dessa cidade
Nasceu pra eternidade
Às belas margens do Rio Saracura…

“Eu só diria que ou os moradores dos bairros se organizam para participar, para colocar sobre a mesa outros valores que não apenas a rentabilidade imobiliária ou senão adeus rios, grotas, mananciais e história”, afirmou a urbanista. 

A decisão do Conpresp é vista como um lembrete de que a cidade precisa equilibrar o desenvolvimento urbano com a preservação de seus recursos naturais e culturais. Isso exige a participação ativa dos moradores locais na discussão do zoneamento e na defesa de valores que vão além da rentabilidade imobiliária. A luta pelo Saracura é um exemplo claro de como o ativismo e a mobilização podem contribuir para a construção de uma cidade mais sustentável e culturalmente rica.

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