Governo reforça medidas para enfrentar seca no Amazonas

Estiagem histórica e queimadas vêm provocando sérios problemas para a população e o meio ambiente. Para além do emergencial, governo quer novo modelo de desenvolvimento

Estiagem na região de Catalão (AM). Foto: Foto: Cadu Gomes/VPR

A severa estiagem e os incêndios na região Norte, sobretudo no Amazonas, têm resultado num quadro calamitoso para a população e o meio ambiente. Desde que a situação se agravou, medidas emergenciais vêm sendo tomadas para mitigar as dificuldades enfrentadas e novas ações foram anunciadas recentemente pelo Governo Federal, que também tem sinalizado para a necessidade de se estabelecer um modelo desenvolvimento que seja sustentável. 

De acordo com informações do Corpo de Bombeiros do Amazonas, de 12 de julho a 15 de outubro, 2.386 incêndios foram combatidos no estado, 1.691 no interior e 695 na capital. Segundo apontado pelo governador do Amazonas, Wilson Lima, nesta terça-feira (17), houve redução nos focos de incêndio na região metropolitana de Manaus. Entre os dias 8 e 10 de outubro, haviam sido registrados somente nesta área 415 focos de calor; já no período de 11 a 15 deste mês, as ocorrências caíram para 28.  

No entanto, a região ainda inspira muitos cuidados. Segundo a Defesa Civil do Amazonas, somente no estado, 59 dos 62 municípios tiveram de decretar situação emergência; aproximadamente 557 mil pessoas foram afetadas.

Nuvens resultantes dos incêndios, que se alastram mais facilmente com a seca, têm prejudicado a saúde dos moradores. “Os hospitais estão lotados de pessoas, principalmente crianças com problemas respiratórios. Porém, as queimadas criminosas que estão ocorrendo no estado afetam diretamente a saúde humana e animal, causam perda de biodiversidade e da floresta – e dos preciosos serviços ecossistêmicos que a floresta e sua biodiversidade provêm”, disse a médica veterinária e pesquisadora em Saúde Pública do Instituto Leônidas & Maria Deane (ILMD/Fiocruz Amazônia), Alessandra Nava.

Outro efeito direto da estiagem é a baixa no nível dos rios. O Rio Negro, por exemplo, baixou para 13,49 metros — o menor desde 1902, quando as medições do volume das águas tiveram início —, o que afeta diretamente a vida da população, da fauna e da flora locais. 

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“O volume de água fica menor, fazendo com que ela se aqueça rapidamente. O impacto desse fenômeno é particularmente sério para as populações ribeirinhas, que ficam isoladas, com dificuldade de obter serviços essenciais como abastecimento de água, comida, saúde e educação. Muitos municípios já estão sem acesso, pois os barcos não chegam”, explica ao WWF Brasil o pesquisador Jochen Schöngart, do Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia). 

A redução das chuvas na região e o aquecimento das águas também está resultando na morte de centenas de peixes e botos, muitos dos quais ameaçados de extinção. “A situação é grave. É um número muito expressivo de botos mortos e a gente fala com os moradores e os ribeirinhos da região e eles dizem que nunca viram algo parecido”, declarou, à BBC Brasil, o coordenador do grupo de pesquisas em geociências e pesquisador titular do Instituto Mamirauá, Ayan Fleischman. 

Medidas anunciadas 

Um conjunto de medidas emergenciais foram tomadas logo que a crise se agravou, a fim de enfrenar a situação. Num primeiro momento, os governos federal e do Amazonas formaram uma força-tarefa para o envio de cestas básicas e água, a intensificação das operações de combate a incêndios, apoio logístico, acesso a programas sociais federais e liberação de emendas parlamentares.

Segundo informado pelo governo federal há poucos dias, foram estabelecidas outras 40 ações, nas áreas ambientais, de defesa civil, prevenção e combate a incêndios, segurança pública, assistência social e infraestrutura para lidar com a seca e o fogo. 

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Helicópteros e mais de 3.500 brigadistas foram encaminhados para locais com mais focos de incêndio. Além disso, o Ibama intensificou a fiscalização para responsabilizar os causadores das queimadas.

Para atender a população afetada, o recursos federais vão ser destinados às prefeituras para garantir o abastecimento de comida, água e combustível. Os pagamentos do Bolsa Família e do BPC (Benefício de Prestação Continuada) estão sendo antecipados para moradores de municípios em situação de calamidade pública reconhecida.

Outra medida anunciada foi o repasse de R$ 850 a pequenos agricultores, extrativistas e pescadores com renda de até 1,5 salário mínimo que tiveram perda da produção por causa da estiagem. O governo disse, ainda, que será feito o repasse de R$ 8,12 milhões pelo Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), o que permitirá a compra de mais de 1,72 mil toneladas de produtos da agricultura familiar e a destinação de recursos para a rede de assistência social, envolvendo alojamentos provisórios e provisões materiais.

Outros R$ 140 milhões serão investidos na dragagem do Madeira e do Solimões, para recuperar a capacidade de navegação desses rios.

Também estão sendo realizadas iniciativas de resgate e reabilitação de animais vivos, recolhimento e necropsia de carcaças e coleta de amostras para investigar causas do incidente que causou a morte de mais de 100 botos. 

No que diz respeito à energia, foram tomadas medidas para garantir o suprimento de energia elétrica nas localidades afetadas, incluindo o desligamento da Usina Hidrelétrica de Santo Antônio, e assegurar o funcionamento de usinas termoelétricas e abastecimento de combustíveis.

Quanto ao atendimento à saúde, a ministra da área, Nísia Trindade, assinou portaria que destina R$ 225 milhões para auxílio à população do Amazonas. O valor é voltado ao co-financiamento das ações de média e alta complexidade nos serviços de saúde. 

Dias antes, o Ministério da Saúde enviou sete kits calamidade, com capacidade de atender 10,5 mil pessoas por até um mês, e mais 71,5 mil unidades de medicamentos para intubação orotraqueal (IOT).

Causas

Embora a região Amazônica possa ter períodos de seca, o fenômeno observado neste ano foi um dos mais intensos da história e, segundo especialistas, pode estar atrelado a ao menos três fatores.

Um deles é o El Niño, que aquece as águas do Oceano Pacífico e dificulta a formação de chuvas na Amazônia, enquanto favorece em outros locais, como o Sul do país. Soma-se a isso o aquecimento anormal das águas, resultante da crise climática. Desta forma, a estiagem na região, que em geral vai de abril a outubro, acabou sendo agravada. E incide sobre a crise, ainda, as queimadas propositais e criminosas na região.

“Nós temos duas frentes de incêndios: uma é o incêndio por desmatamento, que é mais no Sul do Amazonas. A outra é no entorno de Manaus, onde há incêndios urbanos, como queima e limpeza de quintais. Isso cria uma situação insustentável para a população, com prejuízos grandes, principalmente para crianças e idosos”, salientou a ministra Marina Silva, do Meio Ambiente e Mudança do Clima, em coletiva realizada na última sexta-feira (13).

Para além das medidas emergenciais, Marina também destacou a necessidade de atacar as causas do problema. “Desde o começo, nossa abordagem é enfrentar o desmatamento, mudar o modelo de desenvolvimento, porque as pessoas precisam continuar trabalhando, se alimentando, vivendo. Por isso o plano de transformação ecológica, por isso os investimentos em bioeconomia, por isso investimentos em agricultura regenerativa, por isso o plano safra já com base de transição para agricultura de baixo carbono”.