Israel e Hamas acertam trégua e concordam em libertar reféns e presos palestinos

Conheça os termos frágeis do acordo, como foi mediado e como ambos os lados se beneficiam dele.

São Paulo (SP), 12/11/2023 – Ato em solidariedade ao povo palestino e pelo cessar fogo de Israel em Gaza, na Avenida Paulista. Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

Israel e o Hamas concordaram com uma pausa temporária na guerra que permitirá a libertação de cerca de 50 pessoas que foram mantidas em cativeiro em Gaza desde que o grupo armado Hamas invadiu o sul de Israel em 7 de outubro, em troca de palestinos detidos em prisões israelenses.

O gabinete israelense apoiou o acordo após negociações sobre um acordo mediado pelo Catar que continuaram até as primeiras horas da manhã desta quarta-feira (22), com a mídia israelense relatando discussões acaloradas entre ministros do governo do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu.

No final, apenas três dos 38 membros do gabinete votaram contra a trégua – o ministro da Segurança Nacional, Itamar Ben-Gvir , e dois outros membros do seu partido político de extrema direita. Para eles que são patronos dos colonos judeus na Cisjordânia, os “terroristas do Hamas” devem ser mortos, erradicados e expulsos da Faixa de Gaza, sendo os cativos libertados voluntariamente ou pela força, e consideram qualquer sugestão de negociação com o Hamas um insulto.

O gabinete do primeiro-ministro disse que o acordo exigiria que o Hamas libertasse pelo menos 50 mulheres e crianças durante uma trégua de quatro dias. Por cada 10 reféns adicionais libertados, a pausa seria prolongada por um dia, afirmou, sem mencionar em troca a libertação de prisioneiros palestinos.

“O governo de Israel está empenhado em devolver todos os reféns para casa. Esta noite, aprovou o acordo proposto como uma primeira etapa para atingir este objetivo”, afirmou no seu breve comunicado.

O Hamas, que controla Gaza, também divulgou um comunicado, confirmando que 50 mulheres e crianças detidas no território seriam libertadas em troca de Israel libertar 150 mulheres e crianças palestinas das prisões israelenses.

Afirmou que Israel também interromperia todas as ações militares em Gaza e que centenas de caminhões transportando ajuda humanitária, médica e de combustível seriam autorizados a entrar no território.

O acordo é a primeira trégua de uma guerra em que Israel arrasou vastas áreas de Gaza, onde vivem cerca de 2,3 milhões de pessoas. Autoridades palestinas dizem que pelo menos 14.100 pessoas foram mortas, enquanto as Nações Unidas afirmam que cerca de 1,7 milhão de pessoas foram forçadas a deixar suas casas. O Hamas matou pelo menos 1.200 pessoas no seu ataque a Israel.

Pressão dos EUA

Autoridades do Catar, dos Estados Unidos, de Israel e do Hamas vêm sugerindo há dias que um acordo era iminente .

Num comunicado divulgado posteriormente, o Qatar confirmou o “sucesso” dos esforços de mediação, que também envolveram o Egito e os Estados Unidos, e confirmou os parâmetros gerais do acordo.

“O horário de início da pausa será anunciado nas próximas 24 horas e terá duração de quatro dias, sujeito a prorrogação”, afirma o comunicado.

Agradecendo ao emir do Qatar, Xeque Tamim bin Hamad Al Thani, e ao presidente do Egito, Abdel Fattah el-Sisi, pela sua “liderança crítica e parceria”, o presidente dos EUA, Joe Biden, saudou o acordo.

Antes da reunião para discutir o acordo, Netanyahu agradeceu a Biden pelo seu trabalho para incluir mais cativos e menos concessões no acordo. Na realidade, foi necessária uma pressão significativa dos EUA para conseguir este acordo, o que significa que a pressão de Biden será fundamental para conseguir algo mais permanente. 

Analistas defendem que é preciso aproveitar este momento de trégua para encerrar o conflito definitivamente. Acredita-se também que a dificuldade para efetivar o acordo revela como está distante a possibilidade de encerrar o conflito, com muitos acordos necessários até lá.

Netanyahu sublinhou que Israel não tinha intenção de pôr fim ao conflito. “Estamos em guerra e continuaremos a guerra até alcançarmos todos os nossos objetivos”, disse ele numa mensagem gravada. “Para destruir o Hamas, devolver todos os nossos reféns e garantir que nenhuma entidade em Gaza possa ameaçar Israel.”

Acredita-se que cerca de 237 prisioneiros de Israel e de vários outros países estejam em Gaza, e Biden disse que alguns americanos seriam libertados durante a próxima pausa. Acredita-se que outros estrangeiros não façam parte do acordo.

O Hamas libertou apenas quatro prisioneiros desde que os raptos ocorreram, há mais de um mês – uma mãe americana e a sua filha e duas idosas israelenses. Alguns dos reféns foram mortos num bombardeio israelense, segundo o Hamas.

Benefício para o Hamas

O analista geopolítico e de segurança Zoran Kusovac avaliou, em artigo à Aljazira, que o ambíguo acordo de trégua é uma oportunidade da qual o Hamas pode beneficiar-se militarmente, caso saiba aproveitar-se dos seus efeitos diplomáticos e táticos oportunistas.

Tendo se tornado a parte que negocia com o Estado de Israel, mesmo que através de intermediários, o Hamas ganhou aceitação política na comunidade internacional. Em apenas seis semanas, desde 7 de outubro , o seu estatuto mudou de “terroristas com os quais quaisquer negociações são inaceitáveis” para “uma organização que tem controle no terreno”.

Embora Israel e os Estados Unidos continuem a chamar-lhe “terrorista”, um termo que normalmente conota “pessoas com quem não negociamos”, reconheceram a realidade e aceitaram a organização palestina como o seu lado oposto nas negociações.

É certo que o Hamas e Israel negociaram tréguas no passado, sempre através da mediação de terceiros, geralmente o Egito. Mas essas eram questões táticas do campo de batalha, e não acordos internacionais completos envolvendo vários Estados.

Kusovac salienta que o Hamas obteve uma importante vitória psicológica, política e estratégica: o gabinete israelense e o presidente dos EUA negociaram com o Hamas, chegaram a um acordo e afirmaram publicamente que pretendem honrá-lo. Há dois meses, a realidade de hoje teria sido inimaginável.

A designação do acordo é vaga, possivelmente deliberadamente: a declaração oficial do Qatar chama-o de “pausa humanitária”, mas os meios de comunicação social do mundo árabe e de Israel parecem preferir “trégua” ou “cessar-fogo”, tal como fazem os meios de comunicação mundiais. Para além da diferença de significado entre estes termos, isto reflete quão sensíveis devem ter sido as negociações indiretas que duraram semanas.

Há várias outras ambiguidades, como a duração da trégua é quando este difícil acordo entrará em vigor – isso será anunciado no final desta quarta.

Netanyahu ganhou alguns pontos com o público israelense ao apresentar o acordo ao gabinete, no qual ele provavelmente foi pressionado por Joe Biden. Ainda assim, a sua sobrevivência política após a cessação definitiva dos combates em Gaza está longe de estar garantida.

A trégua pode beneficiar Israel, pois os alarmes já soaram para as perdas significativas nos estoques de armas inteligentes. Desta forma, a trégua poderia ajudar a reabastecer a guerra. Nas últimas duas semanas, os transportes dos EUA têm pousado regularmente em Tel Aviv e no deserto de Negev, vindos de Ramstein, a base alemã, onde os EUA têm armazéns cheios de “estoque pré-posicionado”.

Mas, do lado militar, o Hamas tem pouco a ganhar com a pausa/cessar-fogo/trégua . Na opinião do analista, é militarmente muito conveniente para Israel, mas não faz nenhuma diferença real para o Hamas, apesar dos receios expressos pelo público israelense de que aproveitaria a oportunidade para se reagrupar.

Ao contrário de Israel, que tem um exército convencional que luta no terreno e cujo progresso pode ser facilmente acompanhado traçando as posições das suas formações blindadas em fotografias de satélite disponíveis comercialmente, as Brigadas Qassam são quase indetectáveis a partir do ar.

Eles se movem com leveza, a pé, acima do solo ou no subsolo, através da rede de túneis que cruzam a Faixa. Suas armas, além dos lançadores de múltiplos foguetes, são pequenas e portáteis, para que possam ser movidas através dos amplos túneis.

Permanecendo fora do alcance da maioria dos meios convencionais de detecção, porque o Hamas precisaria de uma pausa nos combates para se reagrupar?, indaga o analista de segurança. Tudo não passará de uma tática oportunista. As tréguas permitem descanso, mas não baixa no estado de alerta, pois, na maioria das vezes, são quebradas muito antes do tempo prometido. Apenas um soldado de cabeça quente pode estragar tudo.

Com informações da Aljazira

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