Mortalidade de crianças indígenas excede em dobro a das não indígenas

Estudo revela taxas alarmantes de mortalidade entre crianças indígenas, apontando para disparidades acentuadas em saúde, nutrição e acesso a cuidados essenciais

“Apesar de este patamar já ter sido alcançado pelas crianças não indígenas, ele ainda é uma realidade distante da população indígena”, diz estudo | Foto: Fernando Frazão/ Agência Brasil

No Brasil, a mortalidade infantil entre os povos indígenas emerge como uma preocupante realidade que supera em mais do dobro os índices registrados na população infantil não indígena. O relatório final do estudo conduzido pelo Núcleo Ciência Pela Infância (NCPI) traz à luz estatísticas alarmantes que revelam a extensão dessa crise.

Divulgado nesta terça-feira (9), o documento abrange dados coletados entre 2018 e 2022, mostrando que, no último ano analisado, a taxa de mortalidade entre crianças indígenas de até 4 anos atingiu 34,7 para cada mil nascidos vivos. Esse número é 2,44 vezes maior que o registrado entre crianças não indígenas, para as quais a taxa ficou em 14,2 para cada mil. Este cenário não é isolado, mantendo-se consistentemente elevado ao longo dos anos estudados, com a menor diferença observada em 2020.

Essas taxas refletem um descumprimento das metas estabelecidas pela Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU), que visa reduzir a mortalidade de crianças menores de cinco anos para menos de 25 por mil nascidos vivos. “Apesar de este patamar já ter sido alcançado pelas crianças não indígenas brasileiras, ele ainda é uma realidade distante da população indígena do país”, registra o estudo.

A situação é igualmente preocupante quando é feito o recorte pelas mortes neonatais – ou seja, antes dos 27 dias de vida. Em 2018, a taxa de mortalidade neonatal entre os indígenas foi de 14,7 por mil nascidos vivos, significativamente superior à taxa de 7,9 por mil observada entre as crianças não indígenas. Apesar de uma leve queda até 2021, em 2022, a taxa volta a subir, mantendo-se em dois dígitos e representando um valor 55% superior ao das crianças não indígenas.

Conforme a Agenda 2030, espera-se diminuir a taxa de mortalidade neonatal para, no mínimo, 12 óbitos por mil nascidos vivos. Também nesse caso, a meta ainda não foi alcançada entre a população indígena.

As causas por trás dos números

Com base nas informações reunidas pelo estudo através do Sistema de Informações sobre Mortalidade do Departamento de Informática do SUS (DataSUS), as causas das mortes entre crianças indígenas até quatro anos apontam para uma combinação de fatores evitáveis, com doenças respiratórias e infecciosas liderando as estatísticas, representando 18% e 14% dos óbitos, respectivamente. Estes percentuais são consideravelmente superiores aos observados na população não indígena, que registrou 7% e 6% para as mesmas causas. A desnutrição também surge como um problema grave, influenciado por dificuldades de acesso a alimentos adequados e a degradação ambiental.

A pesquisa aponta para a desnutrição, o acesso limitado a cuidados de saúde adequados e a exposição a doenças decorrentes de agressões ambientais, como o desmatamento e a mineração ilegal, que não só destroem o habitat natural, mas também a fonte de sustento dessas comunidades. Na Terra Yanomami, por exemplo, a presença do garimpo ilegal e a consequente contaminação por mercúrio foram identificadas como fatores que contribuem para uma crise humanitária, afetando direta e indiretamente a saúde das crianças indígenas.

O estudo “Desigualdades em saúde de crianças indígenas”, realizado pelo NCPI, não apenas destaca as disparidades gritantes na saúde infantil entre populações indígenas e não indígenas, mas também serve como um chamado urgente para a adoção de medidas eficazes. A necessidade de estratégias que garantam acesso a serviços de saúde qualificados, proteção ambiental e segurança alimentar para essas comunidades nunca foi tão crítica.

À medida que nos aproximamos das metas estabelecidas pela Agenda 2030 da ONU, o Brasil se encontra em uma encruzilhada, com a possibilidade de avançar em direção a um futuro em que todas as crianças possam crescer saudáveis e seguras. No entanto, para que isso se torne realidade para as crianças indígenas, é essencial um comprometimento coletivo com ações concretas que abordem tanto as causas imediatas quanto as subjacentes desta crise de saúde pública.

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