Países ricos têm dívida moral de US$ 500 bi anuais com pobres

Convidada pelo Brasil para falar sobre o tema no G20, Esther Duflo, ganhadora do Nobel de Economia, defende pagamento do valor por bilionários e multinacionais

Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

Tema incômodo para a ponta mais exclusiva da pirâmide social planetária, a taxação dos super-ricos e de multinacionais vem, pouco a pouco, vencendo resistências. O assunto converge com as prioridades do Brasil à frente do G20, e voltou a ser tratada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em evento internacional nesta quarta-feira (17). Ao mesmo tempo, tem sido uma das principais teses defendidas pela economista Esther Duflo, ganhadora do Nobel de Economia em 2021 e convidada pelo Brasil a falar sobre o tema no G20. 

Em reunião para debater a Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, em Washington, Haddad salientou a urgência da taxação dos super-ricos, disse que a proposta está ganhando força global e agregou: “Se a gente conseguir consenso até o final do ano em torno disso, será um coisa extraordinária, histórica”, enfatizou. 

Para o ministro, “a erradicação da fome em todo o mundo teria um enorme impacto econômico. Quebraria o ciclo vicioso da pobreza e geraria dinamismo econômico através da inclusão de uma parte considerável da sociedade que não tem acesso a condições de vida básicas”. Vale salientar que essa luta tem sido a tônica das ações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva tanto dentro quanto fora do Brasil.

Neste mesmo sentido, Esther Duflo afirma que há uma “dívida moral” dos países ricos perante os cidadãos pobres que gira em torno de US$ 500 bilhões por ano, resultantes das mortes decorrentes da crise climática, cuja responsabilidade é, sobretudo, das nações mais desenvolvidas.

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Segundo explicou ao jornal Valor Econômico, o montante é calculado tendo como base a estimativa de que até o ano de 2100, seis milhões de pessoas morrerão a mais, por ano, devido apenas ao aumento da temperatura nos países mais pobres. 

“O que eu faço na minha proposta é considerar isso: cada tonelada de carbono que enviamos para a atmosfera causa essas mortes. O dano de um tonelada de carbono pode ser estimado em cerca de US$ 37, multiplicado por quanto é emitido nos EUA e na Europa a cada ano, o que dá esse valor [de US$ 518 bilhões]”, argumenta. 

Taxação de quem mais tem

Para obter os recursos capazes de cobrir essa dívida, Duflo defende o aumento dos impostos pagos pelos ricaços e mega-empresas. Uma das fontes seria a taxação de grandes fortunas em 2%, conforme tem sido defendido pelo economista francês Gabriel Zucman, o que levantaria cerca de US$ 200 bilhões. 

Além disso, acrescenta, “há outra fonte que poderíamos explorar, que é a taxação mínima das corporações internacionais, que foi fixada em um valor muito baixo, de 15%. Se aumentasse para 18%, seria um adicional de US$ 300 bilhões, levando aos US$ 500 bilhões”. O valor arrecadado, diz, deveria ser destinado diretamente às pessoas mais vulneráveis ou ajudar governos das nações mais impactadas. 

Ela pondera que o momento atual está mais propício a esse tipo de proposta, assim como apontou o ministro brasileiro. “Parece haver um consenso político se formando por trás disso”, salienta. 

Entre as razões que aponta está o fato de que na pandemia,  quando todo mundo estava sofrendo, “o bilionário se tornou ainda mais rico” e “as pessoas acharam isso bastante revoltante”. Soma-se a isso a percepção, cada vez mais óbvia, de que os ricaços não são tratados como as demais pessoas, “no sentido de que eles nem pagam impostos sobre sua renda”. 

Em outra entrevista concedida há poucos dias ao jornal Folha de S.Paulo, Esther Duflo salientou que suas propostas vão no sentido de agilizar a tomada de decisão global sobre o tema, considerando a rapidez com que a crise climática vem caminhando e o rastro de destruição que tem deixado. 

“Precisamos agir hoje. Até agora, temos demonstrado uma total incapacidade de lidar com esse problema. Não basta fazer declarações ou criar um fundo sem investir dinheiro algum nele”, declarou, sem meias-palavras.

Papel do Brasil do debate

Considerando esse cenário, a economista elogiou governo brasileiro por colocar o tema me pauta. Para ela, o “Brasil fez muito” para colocar a questão do imposto sobre os super-ricos no “espírito do tempo”. Antes de fevereiro, pontuou, “estava menos que agora”. E completou: “O fato de ter sido encampado pela presidência brasileira do G20 faz uma grande diferença, mas há outros fatores que tornam esse imposto possível”.

Ela cita como elementos adicionais o aumento das desigualdades e das enormes fortunas. Conforme estudo da Oxfam divulgado no começo deste ano, os cinco homens mais ricos do mundo mais que dobraram suas fortunas desde 2020 – de US$ 405 bilhões para US$ 869 bilhões —, a uma taxa de US$ 14 milhões por hora, enquanto quase cinco bilhões de pessoas ficaram mais pobres. 

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No caso do Brasil, a pessoa mais rica possui uma fortuna equivalente à metade mais pobre do país (107 milhões de pessoas) e o 1% mais rico do Brasil tem 60% dos ativos financeiros do país. “Não se trata de tirar a fortuna deles, mas obrigá-los a pagar impostos como os que nós pagamos sobre nossos salários”, argumenta. 

Ela lembra, ainda, que “o retorno mínimo na Bolsa, para quem é muito rico, é de 5%. Hoje, essa renda não é tributada. Tributar o patrimônio em 2% equivale a tributar cerca de 40% da renda, o que equivale à alíquota superior do Imposto de Renda na maioria dos países. Isso mostra que é possível chegar a um entendimento internacional. Chegou o momento de introduzir o imposto sobre bilionários”.

Com agências

(PL)

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