Ouvidoria aponta que 82% dos mortos na Operação Escudo eram homens negros

Cláudio Silva acusa o corte racial na letalidade de abordagens policiais e critica restrições à acesso a imagens de câmera e laudos periciais das vítimas

Entidades defensoras dos Direitos Humanos pedem fim da operação no litoral paulista Foto: Paulo Pinto ABr

Um relatório divulgado pela Ouvidoria da Polícia trouxe à tona dados alarmantes sobre a Operação Escudo em 2023. De acordo com o documento, apresentado na tarde desta segunda-feira (6) na sede da OAB, em São Paulo, pessoas negras representaram 82% dos 28 mortos em ações da Polícia Militar durante essa operação, ocorrida na Baixada Santista entre julho e setembro do ano passado.

Dos 28 mortos, 20 eram pardos e 3 eram pretos, indicando um alto índice de letalidade policial entre a população negra. Apenas quatro das vítimas eram brancas, destacando a desigualdade racial nos impactos das operações policiais. Esses dados de mortes em decorrência de intervenção policial (MDIP) foram levantados a partir de informações da SSP-SP (Secretaria da Segurança Pública de São Paulo).

“Existe um corte claramente racial nessas ocorrências e que precisa ser discutido a fundo por toda a sociedade”, disse o ouvidor Cláudio Aparecido da Silva. Por ser relativo ao ano de 2023, o relatório não inclui as 56 mortes de civis, em supostos confrontos com os agentes de segurança, deixados pela Operação Verão, uma fase de continuidade da Operação Escudo. Dois policiais também foram mortos por criminosos nesta operação do início de 2024.

O relatório também aponta que, no total, 58% das vítimas de intervenção policial no estado de São Paulo em 2023 eram negras, sendo que 46% delas tinham até 29 anos de idade. Além disso, quatro policiais tornaram-se réus após denúncias do Ministério Público por supostas irregularidades em duas ações com mortes na Operação Escudo, colocando em questão a legalidade e os protocolos seguidos nessas operações.

No que diz respeito à faixa etária, foi observado que tanto a faixa de 18 a 24 anos quanto a de 35 a 39 anos tiveram o mesmo número de vítimas, cada uma representando 17,86% do total. Destaca-se também a presença de um adolescente, um menino de 17 anos, entre as vítimas da operação.

Decorrente da Operação Escudo, a cidade de Guarujá e Santos concentram 7,14% e 3,70% respectivamente, elas são a segunda e a terceira cidade com maior índice de MDIP do ano de 2023. Nos anos anteriores, elas permaneceram entre as 11 cidades com maior índice de MDIP, mas somente em 2022 que Guarujá esteve em segundo com ao todo 12 mortes e 3,82% do total de MDIP do estado.

Embate com a Ouvidoria

São Paulo (SP), 25/03/2024 – Audiência Pública Operação Escudo/Verão, organizada pela Ouvidoria de Polícia de São Paulo e Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos, na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo – USP. Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

A Operação Escudo gerou fortes embates entre a Ouvidoria da Polícia e o governo do estado de São Paulo. O Secretário de Estado da Segurança Pública, em diversas ocasiões, negou qualquer ilegalidade nas ações da operação, chegando a desqualificar as denúncias recebidas pela Ouvidoria. No entanto, alguns resultados de investigações já demonstram o contrário, com policiais sendo indiciados por suas ações na Operação Escudo.

Segundo o relatório, a Ouvidoria está acompanhando as denúncias de MDIP e qualquer ação ou omissão ilegal que tenha ocorrido durante a Operação. No entanto, o acesso a imagens de câmeras e laudos periciais das vítimas foi negado, prejudicando o acompanhamento das investigações. Além disso, a dispensa de laudos periciais do local comprometeu ainda mais as apurações.

Durante a operação, a Ouvidoria recebeu ofícios da Defensoria Pública da União e do Ministério Público Federal, solicitando informações sobre as acusações de chacina. A Ouvidoria respondeu a esses ofícios fornecendo todas as informações solicitadas e encaminhando a lista dos órgãos acionados. A Corregedoria da Polícia Militar também solicitou documentos e encaminhou denúncias oriundas da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos.

Câmeras corporais

No cenário da segurança pública, o estado de São Paulo estava passando por um avanço na diminuição das mortes decorrentes de intervenção policial (MDIP). No ano de 2021 foram 578 vítimas e em 2022 foram 421 vítimas, segundo os dados divulgados pela Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP/SP). A implementação do programa Olho Vivo que trouxe as câmeras operacionais corporais (COPs) para o estado, foi bem-vista e atribuída a essa política a queda da MDIP no estado.

“A gente viveu o período que não tinha câmeras e vive o período que tem câmeras. E a gente também sabe que nas operações, quando as câmeras estão presentes, os policiais são menos violentos e restam menos pessoas mortas”, relatou Cláudio.

O primeiro ano de gestão, 2023, apresentou novos indícios e desafios para a segurança pública do estado, a redução progressiva dos índices de morte decorrentes de violência policial não se mostrou verdade para este ano, onde os números aumentaram. Do primeiro dia de janeiro ao último de dezembro de 2023, ocorreram 504 mortes, enquanto no ano de 2022, ocorreram 421 mortes (dados da SSP/SP). Neste cenário de pioras dos índices de MDIP, houve uma interrupção na aquisição de câmeras corporais (COPs) por parte do governo do estado e novas diretrizes de atuação da polícia militar – um exemplo é a Operação Escudo.

O ouvidor da Polícia, Cláudio Silva, ressaltou a importância da implantação das câmeras corporais em toda a tropa como uma medida para reduzir a letalidade policial. “O uso desses equipamentos pode garantir uma maior transparência e responsabilidade nas ações policiais, contribuindo para a proteção da sociedade e para a prevenção de abusos”, destacou o ouvidor.

Silva também lamentou a falta de diálogo com o governador do estado, Tarcísio de Freitas, e com o secretário de Segurança Pública, Guilherme Derrite, apontando a falta de interação como um obstáculo para o aprimoramento das políticas de segurança pública. Ele ressaltou a necessidade de um trabalho mais estruturado e eficiente por parte da ouvidoria para enfrentar os desafios e garantir a proteção dos direitos dos cidadãos.

“Os impactos objetivos são que infelizmente a gente não consegue perceber que dois olhares podem produzir uma política. Então um olhar produz a política, o outro olhar questiona e esses dois olhares acabam não dialogando entre si e acaba impactando a política pública como um todo”, explica ele.

Diante desses dados preocupantes, o relatório da Ouvidoria da Polícia destaca a urgência de medidas para combater a violência policial e garantir a segurança e o respeito aos direitos humanos de todos os cidadãos, independentemente de sua cor ou origem racial.

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