Aquecimento global acelera e tem 11 meses de recorde

Segundo climatologista consultado pelo Vermelho, a fase de aceleração leva o planeta a um período de eventos climáticos extremos simultâneos, e não apenas isolados.

07/04/2024 PORTO ALEGRE, RS, BRASIL - Fotos gerais enchentes do centro de Porto Alegre e região, Av Loureiro da Silva, CAFF e região. Fotos: Gustavo Mansur/ Palácio Piratini

Um alerta contundente ecoa no cenário climático global, destacando um alarmante ritmo de aumento da temperatura que está desafiando as expectativas e acendendo sinais de urgência para ações imediatas. Em entrevista ao Portal Vermelho, o climatologista Alexandre Costa, compartilhou sua análise sobre os recentes dados que revelam uma preocupante sequência de 11 meses consecutivos de aumento da temperatura média do planeta.

A Terra registrou o abril mais quente da história. Dados do observatório europeu Copernicus, divulgados nesta quarta-feira (8), mostram que o mês teve uma temperatura média superficial de 15,03ºC, número 0,14ºC superior ao recorde anterior, em 2016. O valor também está 1,58°C acima em comparação ao período pré-industrial (1850-1900).

Este é o 11º mês consecutivo com recorde de calor. Desde junho do ano passado, o planeta vem quebrando recordes de temperatura, sobretudo devido à intensificação da crise climática. O El Niño também influenciou o aumento das temperaturas globais, já que o fenômeno meteorológico atingiu seu pico no início deste ano.

Em abril, a temperatura da superfície dos oceanos também ficou acima da média em grande parte do mundo: os termômetros atingiram média de 21,04°C – maior valor registrado para o mês. Segundo os dados europeus, este é o 13º mês consecutivo em que a temperatura da superfície do mar foi a mais quente para o período.

Quarta fase do aquecimento: aceleração

Alexandre Araújo Costa, climatologista

Costa explicou que, historicamente, as mudanças de temperatura são influenciadas por dois processos distintos: a variabilidade natural e a tendência geral de aquecimento global. Ele enfatizou que, ao longo dos anos, a influência da variabilidade natural tem diminuído, enquanto a tendência de aquecimento global se tornou dominante.

“Estamos vivenciando o que chamo de quarta fase”, explicou o climatologista. “Neste estágio, o sinal antrópico [humano] do aquecimento é tão amplamente dominante que estamos entrando em um processo de aceleração do aquecimento global.” Ele destacou que os recentes eventos climáticos, como o enfraquecimento do fenômeno La Niña e a ausência de seu efeito de resfriamento, indicam essa aceleração.

Costa também mencionou uma ferramenta disponível no site do Copernicus que avalia a proximidade do aumento da temperatura em relação ao limite de um grau e meio Celsius acima dos níveis pré-industriais. Ele alertou que, com base nos dados mais recentes, a projeção indica que esse limite crítico pode ser ultrapassado já na década de 2030, uma década antes do previsto anteriormente.

“Estamos falando de algo que estava 30 anos distante, agora está menos de 10 anos distante”, ressaltou Costa. “É uma aceleração preocupante e que requer uma ação imediata e decisiva para mitigar os impactos devastadores que o aquecimento global acelerado pode trazer para o nosso planeta.”

De eventos isolados a simultâneos

Costa compartilhou a natureza dos eventos climáticos extremos e a interconexão entre diferentes fenômenos que estão transformando o panorama climático do Brasil. O especialista em clima alertou para a emergência do chamado “aquecimento global perigoso”, caracterizado pela ocorrência de eventos climáticos extremos simultâneos e exacerbados. Ele explicou que o Brasil está entrando nesse cenário, onde eventos isolados não são mais a norma, mas sim uma combinação complexa de fatores climáticos que amplificam os impactos.

“Estamos testemunhando uma série de eventos climáticos extremos conectados”, disse Costa. “Desde ondas de calor no Brasil central e sudeste até secas recordes na Amazônia, além do branqueamento de corais no Nordeste, estamos vendo um quadro muito preocupante se desenrolar diante de nossos olhos.”

Ele explicou que a intensificação desses eventos está relacionada à interação entre diferentes massas de ar e sistemas climáticos, resultando em condições climáticas extremas em várias regiões do país. “Essa combinação de eventos está tornando o cenário muito mais perigoso”, alertou.

Ao abordar a diferença na percepção visual de eventos como inundações e secas, Costa ressaltou que ambos representam sérios desafios e consequências para o meio ambiente e as comunidades afetadas. Ele destacou que a seca, que também choca com imagens de rios secos e embarcações encalhadas na Amazônia, é igualmente devastadora, causando impactos na vida selvagem, na agricultura e no abastecimento de água.

“Estamos lidando com duas faces da mesma moeda”, afirmou Costa. “O aumento da temperatura global intensifica tanto as secas quanto os eventos de chuva extrema. Não há como negar a gravidade da situação e a necessidade urgente de ações para enfrentar a crise climática.”

Efeitos em todo o planeta

O climatologista ofereceu uma visão esclarecedora sobre os eventos climáticos extremos que assolam não apenas o Brasil, mas também diversas regiões do mundo, que historicamente não os experimentavam.

Costa destacou que os eventos extremos de frio não estão relacionados a uma diminuição na temperatura global, como muitos podem supor. Na verdade, ele explicou que temperaturas extremamente baixas têm se tornado menos frequentes, resultando em uma atmosfera mais seca que não consegue sustentar a formação de neve.

“Quando as temperaturas estão muito baixas, a atmosfera se torna tão seca que qualquer umidade presente se congela instantaneamente”, disse ele. “Por outro lado, temperaturas ligeiramente mais quentes permitem que a atmosfera retenha umidade suficiente para a formação de neve, resultando em tempestades de inverno mais intensas.”

Essa mudança nos padrões climáticos, explicou Costa, está relacionada ao aumento da temperatura global. Ele observou que eventos extremos de calor estão ocorrendo com uma frequência muito maior do que no passado, com um tempo de recorrência reduzido em até cinco vezes.

“O que estamos vendo é que eventos que costumavam ocorrer uma vez por década agora estão acontecendo com muito mais frequência”, explicou ele.

Ao discutir os eventos climáticos globais, Costa ressaltou a importância de reconhecer a interconexão entre diferentes regiões e fenômenos climáticos. Ele enfatizou que os eventos extremos não são isolados e que suas consequências podem se estender por todo o mundo.

“Estamos enfrentando uma crise climática global que requer uma resposta global”, disse Costa. “Precisamos reconhecer que estamos todos interligados e que as ações que tomamos em uma região podem ter impactos significativos em outras partes do mundo.”

Atraso na ação política de enfrentamento

Questionado sobre a possibilidade de os recordes climáticos atuais diminuírem, Costa destacou o papel do fenômeno climático El Niño, que contribui para a ocorrência de eventos extremos, como secas no norte e enchentes no sul.

“O El Niño tem influência significativa nos padrões climáticos globais”, explicou ele. “No entanto, mesmo após o término do El Niño, o ritmo do aquecimento global continuará acelerado. É possível que vejamos uma redução temporária na taxa de aquecimento, mas isso não indica uma reversão completa.”

Costa enfatizou que o planeta está enfrentando uma tendência preocupante de aumento da temperatura global, com consequências potencialmente catastróficas.

“O acordo de Paris estabelece metas claras para manter o aquecimento global abaixo de 2 graus Celsius, de preferência abaixo de 1,5 graus Celsius”, disse ele. “No entanto, estamos nos aproximando rapidamente desses limites, e os impactos das mudanças climáticas já estão sendo sentidos em todo o mundo.”

Ao discutir a situação no Brasil, Costa expressou preocupação com a falta de ação e ações inadequadas do governo em relação às mudanças climáticas.

“Estamos testemunhando uma série de projetos que potencializam o desmatamento e outras atividades prejudiciais ao meio ambiente”, disse ele. “É fundamental que adotemos uma abordagem mais abrangente e ecológica para lidar com esses desafios.”

Costa também destacou a importância de os cidadãos estarem cientes das interconexões entre diferentes questões ambientais e sociais.

“As ações que tomamos hoje terão um impacto duradouro no futuro do nosso planeta”, disse ele. “Precisamos agir com urgência e adotar medidas que promovam a sustentabilidade e a resiliência em todas as áreas da sociedade.”

A entrevista com Alexandre Costa oferece uma visão abrangente dos desafios climáticos enfrentados pelo Brasil e pelo mundo, destacando a necessidade de ação imediata para enfrentar a crise climática e proteger o nosso planeta para as gerações futuras.

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