Confiança política e meio ambiente: por um G20 com a pauta central nas mudanças climáticas

Fórum é crucial para o Brasil debater mudanças climáticas, focando em prevenção, financiamento e políticas ambientais, especialmente após a tragédia no RS

Crédito: Arthur Fernandes

A chegada da Cúpula de Líderes do G20, agendada para os dias 18 e 19 de novembro, no Rio de Janeiro, é um daqueles momentos que podem se tornar históricos para as discussões sobre o futuro do país e do mundo. Isso ocorrerá, porém, apenas se houver pressão das organizações de esquerda, protestos dos movimentos sociais e as autoridades brasileiras souberem jogar as cartas corretas. Com a presença de lideranças dos 19 países membros, mais a União Africana e a União Europeia, é preciso pautar o debate das mudanças climáticas e o risco para a humanidade, ou teremos mais uma reunião esvaziada, sem acordos, marcada por divergências globais e unificada apenas nos interesses da burguesia financeira internacional.

O Brasil precisa usar o G20 para falar da maior tragédia ambiental da história do estado do Rio Grande do Sul. Em pouco mais de uma semana, as chuvas devastaram centenas de municípios gaúchos, desabrigaram dezenas de milhares de pessoas e deixaram, até agora, quase cento e cinquenta mortos. Mas é preciso compreender como pautar esse assunto. O desafio é que ao se falar em mudanças climáticas, em primeiro lugar é preciso combater os negacionistas de todas as partes, maldosos ou desinformados.

Reuniões internacionais, como o G20, o Acordo de Paris, ou as COPs, normalmente terminam em discussões entre as potências sobre quem emite mais carbono. Esse debate não propõe acordo nenhum. No fim, apesar dos apelos inócuos dos ambientalistas, cada nação faz o que quer para proteger os seus interesses. Mas isso não significa que a questão climática, para essas mesmas potências, seja assunto de pouca relevância. Países como China, EUA, Rússia, Alemanha, Dinamarca (e muitos outros) têm projetos concretos para as consequências das transformações climáticas. Muitos desses projetos, inclusive, são contrários aos interesses de ambientalistas de todo o mundo.

A colonização do Mar do Norte é um exemplo. Localizado geograficamente entre o Reino Unido e a Dinamarca, a região abriga imensos poços de petróleo que, nas últimas décadas, estavam escondidos durante a maior parte do ano sob uma espessa camada de gelo que impossibilitava a sua extração. Cientistas atestam que a região não está apenas aquecendo. Em alguns anos, será um polo de navegação (sem a necessidade dos navios quebra-gelo) fundamental para o futuro do petróleo. É um fato a corrida entre as potências para criar bases, mapear a região e extrair riquezas logo que o gelo derreter.

Os encontros internacionais como a COP, Acordo de Paris e G20 apresentam a questão climática de forma macro, abordando-a a partir das emissões de CO₂, e praticamente eximindo de culpa os países em desenvolvimento, como o Brasil, que não têm grandes parques industriais e não estão listados entre os maiores emissores de gás carbônico. Com razão, o governo federal sustenta, em diversos seminários sobre o clima, que as grandes potências deveriam ser financeiramente responsáveis pelo combate às mudanças climáticas. A premissa está correta e pressionar os países centrais é a prioridade, porém, vale lembrar, se o Brasil não está entre os grandes emissores de CO₂, é o país que tem a maior disponibilidade de recursos hídricos do mundo, com 12% das reservas de água doce do planeta. Essa riqueza hídrica vem sendo ameaçada, por um lado, por absurdas privatizações como a CEDAE no Rio de Janeiro e, por outro, com as contaminações pela exploração desregulada de minérios em reservas ambientais e o uso desmedido de agrotóxicos por setores gananciosos e irresponsáveis do agronegócio.

Mas essa é apenas a ponta do iceberg. O planeta passa por transformações profundas em seu clima, e aqueles que não souberem acompanhar essas mudanças, sofrerão com as consequências de eventos climáticos cada vez mais severos e devastadores, sobretudo as áreas que concentram as populações mais vulneráveis, o que vem sendo chamado de racismo ambiental. O que estamos assistindo no Rio Grande do Sul é justamente a consequência da combinação de um evento climático brutal e a negação da ciência. O Brasil foi avisado de que as mudanças climáticas seriam (e continuarão sendo, cada vez mais) devastadoras. E também foi avisado de que era preciso ouvir os estudos de geógrafos e ambientalistas sobre preservação das matas, manejo sustentável, desassoreamento dos rios, despoluição das lagoas e a preparação das cidades com saneamento e infraestrutura urbana adequada.

Agora, o país ganha uma nova chance no G20. É preciso pautar a questão climática, sem rodeios, a partir da preparação para tragédias ambientais, passando principalmente pelo debate que envolve uma reparação financeira pelos países ricos. O Brasil deve falar sobre a urgência de financiamento para prevenção, assim como o seu compromisso com legislação ambiental e enfrentamento às catástrofes ambientais.

Que o G20 deste ano seja o momento para falar de pesquisas sobre o relevo, bacias hidrográficas e o uso e ocupação do solo. É fundamental continuar gerando dados e mapas complexos, úteis para o planejamento da reconstrução de nosso território, que devem ser usados como instrumento de contingenciamento nas crises. Essa é uma questão de soberania e defesa nacional.

Quando se segue o caminho oposto às indicações dos especialistas, os problemas ficam com cara de tragédia anunciada, e os pedidos para que as crises humanitárias não sejam transformadas em um debate político polarizado são absolutamente inócuas. O estado de calamidade pública no Rio Grande do Sul, além de tragédia anunciada, é fruto de escolhas políticas, do sucateamento dos órgãos do estado, da falta de investimento nas defesas civis e no plano de contenção das enchentes.

Foi uma escolha política, debatê-la é pensar no caminho que os outros lugares estão seguindo. A natureza não é nossa inimiga, devemos entender como um grito de alerta. Nosso país urge, igualmente, por reduzir as desigualdades sociais e econômicas, pois os mais pobres são geralmente os mais afetados pela crise ambiental. Por fim, se a confiança política é fundamental para pautar as questões ambientais, lembremos que 2024 é ano eleitoral, portanto, não eleger candidatos sem compromisso ambiental e que só fortalecem o negacionismo científico é o papel da sociedade.  

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