Segurança humana e cultura de paz, desafios de uma cidade em permanente conflito

Pesquisa mostra que o Rio de Janeiro deixou de ganhar R$ 3,3 bilhões com o turismo em 2023, devido a sensação de insegurança

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O Rio de Janeiro figura como das mais belas cidades do mundo, presenteado por uma deslumbrante natureza, que protege – em alguma medida – seus limites pelo mar e pelas áreas de florestas urbanas que marcam o imaginário mundial e configuram, em parte, a ocupação e dinâmica cultural e social desta cidade.

Capital do Brasil por 197 anos, o Rio possui uma rica história apresentada em dezenas de museus, monumentos, casarões, teatros, praças e ruas. A cidade ainda é sede de relevantes empresas públicas, órgãos federais e institutos de excelência em pesquisas como a Petrobrás, Ancine, Fiocruz, IBGE, Biblioteca Nacional, entre outros. Por outro lado, a capital fluminense experimenta, há alguns anos, grave crise econômica e institucional, causado pela desindustrialização, desemprego e desigualdades, mas, sobretudo, pelas mazelas e marcas da violência, que afeta a sociabilidade e a rotina dos moradores, incidindo negativamente sobre o próprio desenvolvimento social, econômico e humano.

Em levantamento inédito, realizado em janeiro desse ano, a Confederação Nacional do Comércio, estimou que a cidade maravilhosa deixou de ganhar 3,3 bilhões de reais com o turismo em 2023, devido a sensação de insegurança que assombra não apenas os cariocas, como também brasileiros e estrangeiros. O Rio é a vitrine do Brasil em todos os sentidos, imagens de grandes eventos como a Copa do Mundo, as Olímpiadas e mais recentemente o show da Madonna, circulam na mesma velocidade que arrastões nas praias, assaltos a pedestres no centro, sequestro de ônibus na rodoviária, transexuais agredidas na Lapa, “guerras” entre grupos armados na zona oeste, operações policiais em favelas que terminam em chacinas de corpos negros, uma infinidade de situações que apresentam a violência como um fenômeno complexo, multifacetado e multicausal.

De acordo com a pesquisa Atlas/CNN, divulgada em 24 de abril, para 73,7% dos cariocas a criminalidade é um dos principais problemas da cidade. Por essa razão, segurança pública estará presente como um dos principais temas nas eleições municipais que se aproximam. A sociedade carioca precisa desconfiar dos discursos políticos que pedem cada vez mais repressão, endurecimento das leis e legitimam a letalidade policial.

São 40 anos da mesma política pública na área da segurança, baseada em investimentos bilionários nos famigerados caveirões, helicópteros, armamentos pesados e em todo tipo de material bélico usado em uma lógica de guerra urbana. De acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o Rio é o Estado que mais utiliza do orçamento público para manter a estrutura de segurança, chegando a ultrapassar o somatório que é investido em saúde e educação, sendo que 80% desse orçamento é gasto apenas com as ações ostensivas da Polícia Militar, ou seja, é investimento em operações pirotécnicas, midiáticas, de baixo planejamento e protocolos claros, cujos principais resultados aumentam a mortalidade da juventude, negra e favelada, e reduz a sensação de segurança da população.

Esse modelo de ação na Segurança Pública recrudesce e potencializa a crise econômica e política, ao repetir o fracassado modelo de hiper letalidade e super encarceramento, desconectado com ações de inteligência e mesmo ao arrepio do Direito e da Justiça.  Os dados ilustram esse fato: A polícia do Rio de Janeiro alcançou o trágico patamar de responsável – oficialmente – por cerca de 30% do total das mortes violentas no estado, segundo os dados do Instituto de Segurança Pública (ISP/RJ), números completamente destoantes quando comparados a outras polícias do mundo. Na outra face do mesmo modelo, segue o Brasil em crescente aumento da população carcerária do planeta (3º em números absolutos), sendo a imensa maioria das pessoas presas em flagrante, enquanto crimes como homicídio, que requerem inteligência e investigação, beiram o patamar de 90% de não esclarecimento. A combinação de brutalidade e ausência de inteligência gera a continuada sensação de insegurança e o permanente tratamento desigual de direitos e oportunidades.

O que essa política de segurança produziu e produz? Uma cidade com parte considerável do seu território controlada por milícias e facções, de acordo com o mapa dos grupos armados do Instituto Fogo Cruzado e da UFF.

Desenvolver uma política de segurança humana com objetivos concretos e visando a cultura de paz, passa por considerar com destaque os municípios como agente institucional prioritário na promoção de ações de prevenção destinadas a reduzir os fatores de risco e aumento da proteção frente a criminalidade.  O que incluí ter uma guarda municipal desarmada e fortalecer e ampliar as políticas sociais e urbanas nos territórios.

Problemas complexos necessitam de respostas complexas. Cidades como Medellín e Bogotá, conseguiram diminuir consideravelmente os números da violência combinando ações de prevenção e repressão, com o envolvimento de amplos setores da sociedade civil e da academia, produzindo políticas públicas transversais e integradas baseadas em evidências.

No caso do Rio de Janeiro, há a necessidade urgente de expurgar a lógica da repartição da cidade em facções armadas ilegais, e afastar os atores políticos que obtém dividendos eleitorais com a violência da cidade. Interromper o discurso do pânico moral ou alianças com as ações políticas na Câmara de Vereadores, como demonstrou a investigação da Polícia Federal que aclarou o assassinato de Marielle Franco. Construir uma ampla ação política e programática que vise a regulação de mercados informais de serviços urbanos, base econômica fundamental dos grupos armados, que passa pela integração dos poderes executivo, legislativo e judiciário. Além de ações em conjunto com organizações civis e comunitárias com princípios norteadores dos direitos humanos e diversidade.

É possível que a cidade assuma o papel central no combate a violência urbana, é preciso, primeiro, vontade política e depois capacidade articuladora e coragem de mudar o sistema. As eleições de 2024 apontarão se fortaleceremos a paz ou a violência. Os seus candidatos defendem quais interesses?

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