Prefeitura sabia de falhas em sistema anti-cheias de Porto Alegre

Documentos mostram que algumas denúncias são de 2018, como apontou fonte do Vermelho. Prefeito tenta minimizar alertas e atribui culpa a petistas e gestões de décadas atrás

Casa de bomba da Avenida Mauá, no Centro de Porto Alegre. Foto: Governo do RS

A possível negligência da Prefeitura de Porto Alegre, comandada por Sebastião Melo (MDB), com a manutenção do sistema anti-enchente vem ganhando evidências cada vez mais robustas. Nesta semana, foram tornados públicos documentos internos do Dmae (Departamento Municipal de Água e Esgotos) mostrando que a atual gestão tinha conhecimento dos problemas em casas de bombas da cidade antes das inundações deste ano — alguns dos quais foram apontados ainda em 2018 — e não tomou providências para corrigi-los. 

No sábado (18), o Portal Vermelho publicou reportagem com denúncia de uma fonte do Dmae corroborando que a prefeitura sabia de falhas que precisavam ser solucionadas há cerca de seis anos. 

De acordo com essa fonte, “depois da cheia de setembro do ano passado, quando o nível do Guaíba chegou a 3,19m, o Dmae tomou conhecimento de que havia uma falha de concepção nas casas de bombas do esgotamento pluvial. De lá para cá, se passaram cerca de sete meses, um período muito pequeno para conseguir resolver esses problemas. O que chama atenção é que esses apontamentos foram feitos em 2018 e isso é muito grave. Ou seja, eles foram relapsos, fizeram pouco caso”.

Nesta semana, foram revelados — por meio do deputado estadual Matheus Gomes (Psol) e do jornalista Lennon Haas — documentos que atestam o alerta. Um deles, assinado eletronicamente pelo engenheiro Marcos Goulart Machado, em 5 de setembro de 2018, chama atenção para estações de bombeamento de águas pluviais (EBAPs) 17 e 18, na avenida Mauá, no centro da capital gaúcha. 

O ofício aponta que “durante processos e encaminhamento de manutenção de comportas nesses locais, os engenheiros Marcos Goulart e Marcelo Diel verificaram a possibilidade de haver falha no sistema de descarga das bombas, possibilitando o transbordamento das águas do Guaíba nos nichos após as comportas de gravidade e descarga dentro do prédio das casas de bomba, quando houver níveis de cheia elevados”. 

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Além disso, diz que “aparentemente, a única barreira são tampas de ferro comum (chapa xadrez) no piso e instaladas, no entendimento de ambos, sem o objetivo de vedação daquele ponto, mas sim apenas para impedir quedas no poço”. 

Conforme alerta o jornalista Haas no X, “o processo interno foi ‘engavetado’ em 2019, sendo reaberto somente 2023. Ou seja: o problema foi ignorado por quatro anos, até o caso ser reaberto pelo Dmae”. 

Despacho de 3 de outubro de 2023 — após as enchentes de setembro, portanto —, assinado eletronicamente por Marco Antonio Gil Faccin, diretor do Dmae, e encaminhado a outros órgãos da prefeitura retoma esses apontamentos, solicitando análise “quanto à possibilidade de execução de sistema de vedação com tampas herméticas” em substituição às chapas. 

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Além disso, conforme noticiado pelo site Matinal, de Porto Alegre, servidores do Dmae também teriam apontado, em novembro, “grande vazamento” na Ebap 13, no Parque Marinha do Brasil. Já na Ebap 20, no bairro Sarandi, ao Norte, “engenheiros solicitaram uma avaliação do ‘poço de descarga’ da estação, pelo temor de que a subida do Arroio Passo da Mangueira geraria o colapso das bombas”. 

O deputado Matheus Gomes informou que os documentos serão entregues ao Ministério Público que, na semana passada, anunciou a abertura de investigação sobre as causas das inundações. 

Tapando o sol com a peneira

Ao falar sobre as denúncias em entrevista coletiva nesta terça-feira (21), o prefeito Sebastião Melo preferiu minimizar os problemas apontados e tentar desconsiderar os denunciantes por supostamente serem do PT, sem explicar, claramente, o que de fato houve. 

“Esse engenheiro que fez essa denúncia é do PT e foi diretor do DEP (Departamento de Esgotos Pluviais) e nada fez. Eles (os petistas) governaram a cidade por 16 anos e eu queria saber quais as mudanças que eles fizeram da concepção desse processo”, declarou. Vale salientar que o último prefeito do partido, João Verle, deixou a prefeitura em 2005. 

Voltando ainda mais no tempo, como se tivesse herdado uma situação com a qual não pudesse ter lidado e tentando culpar quem fez o alerta, declarou: “Tem que ser um debate que busque 40, 50, 70, 80 anos porque até então não tivemos uma cheia desta. Tem que ser tudo revisitado. Agora, se tem responsável no meio, bom, que se puna os responsáveis, mas o primeiro que deve explicações é quem denunciou”. 

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Melo ainda questionou: “vocês acham que realmente os problemas das enchentes em Porto Alegre foram duas casas de bomba? Será que as pessoas não se dão conta de que choveu milhões de metros cúbicos no RS e Porto Alegre está no meio e todas as águas dos arroios, de quatro rios que jogam (a água) — o Jacuí, o Caí, o Sinos e o Gravataí?”.

O que sabe, por ora, é que os equipamentos apontados realmente apresentaram problemas, o que contribuiu diretamente para a cheia na cidade. Em meio às enchentes, no pior momento vivido pela cidade, somente quatro das 23 casas de bomba estavam operando. Com isso, milhares de pessoas tiveram de deixar suas casas de uma hora para outra, para fugir das águas do Guaíba. 

Com agências