CNA perde maioria na África do Sul e negocia coligação

O MK de Jacob Zuma, com 15% e origem no CNA, valoriza passe ao rejeitar uma coligação citando Ramaphosa como o maior impedimento. A união do CNA e da Aliança Democrática, no entanto, seria um desastre para a esquerda.

Pessoas fazem fila para votar em uma seção eleitoral na Cidade do Cabo.

Pela primeira vez desde o fim do apartheid, o Congresso Nacional Africano (ANC) perdeu a maioria nas eleições da África do Sul, marcando um grande revés para o partido que liderou a libertação do país do domínio da minoria branca. O CNA, no poder desde 1994, obteve cerca de 40% dos votos (39,77% após 99.85% das urnas apuradas), uma queda significativa em relação às eleições anteriores. Uma perda de 17% de votos em relação à eleição de 2019.

Com a perda da maioria, o CNA iniciou negociações à porta fechada com outros partidos para tentar formar uma coligação governamental, algo inédito na história do partido. No entanto, analistas indicam que as perdas do CNA e as pressões por parte de potenciais parceiros de aliança lançaram uma nuvem sobre o futuro do presidente Cyril Ramaphosa, que o partido esperava que conduzisse a um novo mandato.

O principal partido da oposição, a Aliança Democrática (AD), obteve 21% dos votos. O partido uMKhonto we Sizwe (MK), do ex-presidente Jacob Zuma, destacou-se como a grande surpresa das eleições, obtendo quase 15% dos votos nacionais e 45% dos votos em KwaZulu Natal, a província de Zuma. Este desempenho coloca o MK numa posição crítica na determinação de quem formará o próximo governo, e se confirma como o partido que devastou a base eleitoral do CNA.

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Pressão sobre Ramaphosa

O MK, cuja liderança inclui muitos políticos com raízes no ANC, descartou qualquer acordo com o partido do governo a menos que Ramaphosa seja removido. Após conduzir o CNA ao seu pior desempenho eleitoral, Ramaphosa enfrenta intensa pressão para se afastar. Apesar disso, sua popularidade é até maior que a do seu partido, especialmente depois de polir sua imagem como um estadista do Sul Global, o que cria um dilema para o CNA.

O ressentimento remete ao período em que, assumindo o cargo de líder do partido e presidente, Ramaphosa criou uma comissão de inquérito para investigar Zuma e referiu-se à presidência do seu antigo chefe como anos de corrupção e desperdício. Zuma, em declarações públicas, respondeu inúmeras vezes ao presidente e ao CNA e sente necessidade de ser inocentado das acusações.

Analistas avaliam que o MK está valorizando seu passe ao recusar um coligação automática, para garantir mais concessões do CNA. Uma coligação do CNA com a AD seria ainda mais desastrosa para um partido à esquerda como o MK, que faz a crítica do atual governo pelo que tem de centrista, em vez de esquerda.

Os críticos da AD acusaram-na de abandonar os interesses da minoria branca do país, e o partido tem sido um crítico ferrenho do CNA e de Ramaphosa. Antes das eleições, prometeu “resgatar a África do Sul do ANC” e prometeu nunca formar um governo de coligação com ele.

A África do Sul enfrenta um cenário de deterioração das infraestruturas públicas, desigualdades sociais e aumento da criminalidade. O país tem o desemprego mais elevado do mundo, com 33%, e o desemprego juvenil é de 45%. Apagões contínuos de eletricidade prejudicam a economia.

Ramaphosa e outros líderes do CNA enfrentam escândalos de corrupção, com o presidente tendo enfrentado um voto de desconfiança devido a alegações de má conduta. O declínio do CNA é também resultado da ascensão do MK de Zuma, que tem uma base de apoio leal em KwaZulu Natal. No entanto, o desgaste do CNA é natural após 30 anos de governo, apesar de tantos avanços alcançados em áreas sociais. A juventude que não dimensiona a importância do partido para o fim do apartheid, no entanto, quer mais e mais rápido.

Opções de Coligação

Se o CNA e o MK se unirem, teriam uma maioria clara no parlamento. No entanto, analistas apontam que isso será difícil de realizar. Alternativamente, uma coligação com a AD poderia oferecer uma aliança governamental mais estável. Apesar das diferenças profundas, uma combinação CNA-DA poderia aumentar a confiança dos investidores na economia do país. O país estaria alinhado com os valores de mercado e do neoliberalismo hegemônico hoje no mundo.

Outra opção seria um governo de unidade nacional, onde todos os partidos com mais de 10% dos votos receberiam pastas de gabinete, similar ao governo que Nelson Mandela dirigiu após a chegada ao poder em 1994. Essa hipótese, no entanto, cria um monstro de sete cabeças com cada partido querendo mostrar suas garras no governo.

Analistas questionam se a remoção de Ramaphosa ajudará a recuperar o partido, que, por sua importância e grandeza, mesmo com o revés eleitoral, faz com que suas disputas internas se coloquem acima de certas questões nacionais. O menor dos problemas da África do Sul (e do CNA), no momento, é Ramaphosa.

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