Estudo aponta que crise climática dobrou chances de chuvas extremas no RS

Levantamento feito por cientistas de 5 países, incluindo o Brasil, mostra ainda que a queima de combustíveis fósseis pode ter levado ao aumento de até 9% na intensidade. E chama atenção para a inconsistente aplicação das leis ambientais

Ruas do centro de Porto Alegre tomadas pelas águas do Guaíba. Foto: Gustavo Mansur/Palácio Piratini

Elementos trazidos por estudo da World Weather Attribution (WWA), divulgado nesta segunda-feira (3), evidenciam, mais uma vez, aquilo que os negacionistas teimam em contestar: que as mudanças climáticas provocadas pela ação humana ao longo de séculos influenciaram diretamente no desastre ocorrido no Rio Grande do Sul. 

Somam-se a isso os efeitos do El Niño e problemas de infraestrutura que agravaram o cenário, contribuindo para a piora das inundações, especialmente no caso de Porto Alegre.  

Para analisar a catástrofe gaúcha, foram usadas informações de dois períodos: um de quatro dias (29 de abril a 4 de maio), e outro de dez dias (de 26 de abril a 5 de maio).

A WWA é uma iniciativa formada por cientistas de entidades como Grantham Institute Climate Change and the Environment, do Imperial College London (Reino Unido) e o Royal Dutch Meteorological Institute (Holanda), entre outras. O estudo teve a participação de pesquisadores destes dois países, bem como do Brasil, Suécia e Estados Unidos.

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De acordo com o estudo, as alterações climáticas dobraram a probabilidade de ocorrerem chuvas como as que caíram sobre o estado entre o final de abril e o começo de maio. Também foi verificado um aumento de intensidade de 6% a 9% devido à queima de combustíveis fósseis.

O levantamento aponta que precipitações com essa intensidade são raras e esperadas para acontecerem a cada 100 a 250 anos. Caso não houvesse o cenário de profundas transformações climáticas, tais ocorrências poderiam ser ainda mais incomuns. 

O estudo indicou, ainda, que o El Niño também influenciou o evento, resultando “num aumento consistente em todos os conjuntos de dados e para ambos os eventos: por um fator de 2-3 em probabilidade e 4-8% em intensidade para o evento de 10 dias e um fator de 2 a 5 em probabilidade e 3 a 10% em intensidade para o evento de 4 dias”.

Segundo o levantamento, “estas conclusões são corroboradas quando se olha para um clima com 2ºC de aquecimento global desde os tempos pré-industriais, onde encontramos um aumento adicional na probabilidade de um fator de 1,3-2,7 e um aumento na intensidade de cerca de 4% em comparação com os dias atuais”. 

No caso de Porto Alegre, o estudo aponta que além dos fenômenos climáticos, a redução do investimento e da manutenção do seu sistema de proteção contra inundações contribuiu para “os impactos significativos das cheias”, apontando para a necessidade de “avaliar objetivamente o risco e de reforçar as infraestruturas” para torná-las resilientes a futuras enchentes “ainda mais extremas”. 

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Por fim, o estudo faz dois alertas importantes quanto à necessidade de se respeitar as legislação ambiental e no que diz respeito à forma como os avisos devem chegar com antecedência à população. 

As leis de proteção ambiental no Brasil, argumenta, não têm sido aplicadas de forma consistente, “levando à invasão de terras propensas a inundações e, portanto, aumentando a exposição das pessoas e da infraestrutura aos riscos de inundação”. 

E conclui salientando que “as previsões e os avisos das cheias estavam disponíveis com quase uma semana de antecedência, mas o aviso pode não ter chegado a todas as pessoas em risco e o público pode não ter compreendido a gravidade dos impactos ou saber que ações tomar em resposta às previsões”. 

Por isso, finaliza, “é imperativo continuar a melhorar a comunicação de riscos que conduza a ações adequadas para salvar vidas”.