Redução de competências do Parlamento Europeu é tema da extrema-direita nas eleições

Especialista em política europeia explica que o provável aumento da influência dos eurocéticos pode colocar em debate a devolução de poderes aos estados nacionais.

Faixa anunciando as eleições europeias em frente ao Parlamento Europeu em Bruxela

As eleições para o Parlamento Europeu, um dos principais órgãos da União Europeia, mobilizam os europeus em relação a temas preponderantes em meio a um continente que vive sob o turbilhão da guerra e das dificuldades econômicas e sociais. Mas as atribuições do organismo de integração regional nem sempre estão voltadas para essas ansiedades prementes do eleitor.

De qualquer forma, o avanço da extrema-direita previsto nos assentos do Parlamento pode influenciar no sentido de reduzir ainda mais estas competências. Demetrius Cesário Pereira, professor de Direito, Política e Relações Internacionais (ESPM, Rio Branco e Belas Artes de São Paulo), pontuou, em entrevista ao Portal Vermelho, os principais tópicos que influenciam estas eleições e o impacto potencial no cenário político europeu e internacional.

Temas centrais das eleições

Segundo Pereira, é crucial entender que estas eleições são para o Parlamento Europeu, uma das instituições chave da União Europeia (UE). A UE, como organização internacional, possui competências específicas, e os temas centrais das eleições giram em torno dessas competências.

Primeiramente, ele considera essencial lembrar que essas eleições têm um enfoque específico em competências da UE, especialmente a integração regional. “Desde os anos 50, com a evolução da Comunidade Europeia para a União Europeia, a derrubada de barreiras comerciais entre os países membros tornou-se um tema crucial”, comentou Pereira. Esse processo complexo transformou-se de uma simples área de comércio para uma União Aduaneira e, posteriormente, um Mercado Comum.

“Então, os temas que sempre vão mobilizar o eleitor em relação ao bloco são esses temas que são de competência do bloco, já que os países que são membros, eles continuam soberanos e com as suas competências nacionais”, sublinha. Atualmente, outras áreas, como meio ambiente, saúde, educação e trabalho, também figuram nas pautas, sempre visando o aprofundamento da integração entre os países membros.

Avanço dos partidos eurocéticos

Há uma perspectiva notável de avanço dos partidos políticos anti-europeus ou eurocéticos, o que pode representar um desafio significativo para o Parlamento. Esses partidos defendem a diminuição das competências da União Europeia, quando não defendem a própria ruptura com o bloco, como aconteceu com o Reino Unido. Tal avanço pode alterar drasticamente o equilíbrio de poder e influenciar as políticas futuras da União.

A perspectiva de avanço desses partidos de viés de extrema-direita é uma questão preocupante para o Parlamento Europeu. “Estes partidos geralmente defendem a redução das competências da UE e a devolução de poderes aos estados nacionais, promovendo a soberania nacional em detrimento da supranacionalidade do bloco”, explicou Pereira. O crescimento desses partidos pode representar um desafio significativo para a continuidade e aprofundamento da integração europeia.

Questão migratória

A imigração é um tema central na Europa atual, destacando-se tanto a migração interna, facilitada pela cidadania europeia, quanto a migração externa, que permanece sob maior controle nacional. A livre circulação de pessoas dentro do bloco e as diferentes políticas de imigração dos estados membros, como a zona de Schengen, colocam a imigração no centro do debate político europeu, especialmente em países como Itália e Grécia, que são principais pontos de entrada para migrantes.

“A Europa, em geral, vem enfrentando desafios migratórios significativos. A migração interna é livre, graças à cidadania europeia, permitindo que cidadãos de um país residam e trabalhem em outro sem visto. Já a migração externa permanece sob competência nacional”, destacou o professor. As regras comuns da zona de Schengen para controles fronteiriços externos complicam ainda mais a questão, dado que nem todos os 27 países da União fazem parte dessa zona, enquanto outros países (Islândia, Liechtenstein, Noruega e Suíça) participam.

Perspectivas da esquerda e da direita

Os segmentos de esquerda nas eleições europeias enfatizam profundamente questões de igualdade, propondo direitos trabalhistas, saúde, e educação mais uniformes entre os países membros. Eles também defendem vigorosamente os fundos regionais para apoiar áreas menos favorecidas, exemplificadas pela situação grega durante a crise do endividamento público.

“A disputa entre direita e esquerda é geralmente entre liberdade e igualdade. Então, quando os partidos da direita defendem a livre comércio, o pessoal mais à esquerda defende que esse livre comércio tem que levar à igualdade entre os países, entre os cidadãos”, salientou.

Por outro lado, a direita tradicional, dominada pelo Partido Popular Europeu (PPE), enfrenta dificuldades crescentes para dialogar com o eleitorado e manter seu domínio no Parlamento Europeu. “Figuras como Georgia Meloni, da Itália, e o surgimento de partidos mais à direita indicam uma diminuição da influência da centro-direita tradicional, apesar de sua histórica dominância”, observou Pereira. A recente vitória dos sociais-democratas na Alemanha ilustra essa tendência de perda de influência da centro-direita, herança do Partido Democrata Cristão de Angela Merkel.

Diferenças regionais e impactos na guerra da Ucrânia

Cada país europeu apresenta demandas regionais específicas, influenciadas por suas próprias coalizões políticas. “Países como Itália e Grécia, portais de entrada de imigração, – Itália mais em relação à África, a Grécia mais em relação ao Oriente Médio -, e nações do leste europeu, preocupadas com a guerra na Ucrânia, têm suas próprias prioridades e desafios”, afirmou o professor.

A guerra na Ucrânia, amplamente apoiada pelos líderes europeus, pode sofrer alterações dependendo do resultado eleitoral, com alguns partidos defendendo maior neutralidade. Apesar disso, a tendência geral na UE é de apoio à Ucrânia e oposição à Rússia. “Tanto que a Ucrânia foi admitida como candidata a entrar no bloco e vem negociando isso por meio dos demais partidos políticos”, completa.

Protestos pró-palestinos e impactos para o Brasil

Os protestos pró-palestinos refletem uma opinião pública mais sintonizada com a causa palestina, não apoiando tanto os israelenses. Apesar disso, as decisões sobre política externa do bloco necessitam de unanimidade, mantendo o poder soberano dos países membros. “Há um apoio crescente à Palestina, com reconhecimentos nacionais por países importantes, mas a alteração significativa na posição da União Europeia é improvável”, explicou Pereira.

O especialista lembrou que nas últimas semanas houve o reconhecimento do Estado da Palestina por parte de países importantes como a Espanha, além da Irlanda e Noruega, que não é membro da União Europeia, e na última semana a Eslovênia. “Mas esses reconhecimentos foram em caráter nacional, então ainda não há uma unanimidade. Dificilmente uma alteração da correlação de forças no Parlamento vai reunir as condições para alterar a posição da União Europeia em relação à Palestina”.

O Brasil é visto como parceiro estratégico da UE e as eleições europeias podem influenciar as negociações do acordo Mercosul-União Europeia. “Embora o Parlamento Europeu tenha competências para ratificar o acordo, questões nacionais, especialmente na França, têm sido os principais obstáculos, envolvendo protecionismo agrícola e preocupações ambientais”, observou o professor.

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