O que se perdeu e o que ficou em um século da Coluna Prestes
A agenda de reivindicações do movimento mobilizou a sociedade para a mudança e sua passagem pelo interior do país estimulou a integração nacional, defende Prestes Filho
Publicado 29/10/2024 19:11 | Editado 30/10/2024 11:05
Em entrevista ao Portal Vermelho, o artista e especialista em economia da cultura, Luís Carlos Prestes Filho, filho do lendário líder revolucionário Luiz Carlos Prestes, destacou a importância de preservar a memória da Coluna Prestes, um dos maiores movimentos de resistência do Brasil, ocorrido entre 1924 e 1927. Muito se perdeu na memória coletiva devido ao combate ferrenho dos governos contra o líder que, muito depois do fim do movimento tenentista, vai se tornar dirigente do Partido Comunista. Portanto, Prestes Filho trabalha para garantir os marcos da Coluna pelo país, assim como valorizar suas conquistas.
Para Luís Carlos Prestes Filho, a história da Coluna Prestes é um capítulo crucial do Brasil que precisa ser mais bem compreendido e estudado. A luta pela memória e pela verdade histórica, segundo ele, transcende as divisões ideológicas e representa uma homenagem àqueles que defenderam um país mais justo e democrático. “O espírito daqueles que querem homenagear a Coluna é o de respeitar a história do Brasil”, concluiu.
Segundo Prestes Filho, o reconhecimento da Coluna não se limita a uma visão política de esquerda, mas se estende a democratas de diferentes espectros ideológicos que compartilham um compromisso com a história e o progresso do país. Como todas as lutas populares do país, a marcha militar iniciada em 28 de outubro de 1924, sofreu tentativas perenes de silenciamento e apagamento histórico. Mesmo assim, os marcos de sua passagem são lembradas com orgulho pelos municípios que a abrigaram.
Monumentos e homenagens
Prestes Filho revelou que, nos últimos anos, participou da criação de diversos monumentos em homenagem à Coluna Prestes em colaboração com o renomado arquiteto Oscar Niemeyer. Ele mencionou obras como o Memorial Coluna Prestes e o Monumento Coluna Prestes em Santo Ângelo, no Rio Grande do Sul, projetos viabilizados por administrações municipais que não necessariamente eram de orientação política de esquerda. Segundo Prestes Filho, essas homenagens foram possíveis graças a lideranças locais como Adroaldo Loureiro, ex-prefeito de Santo Ângelo, que, embora não fosse comunista, tinha uma visão democrática e respeitava a história nacional.
Outro exemplo destacado foi o monumento construído em Santa Helena, também patrocinado por um prefeito do PMDB, além de projetos no Tocantins e no Ceará, em administrações de líderes políticos que, embora não alinhados com ideais de esquerda, reconheciam a importância histórica da Coluna Prestes. Prestes Filho enalteceu esses políticos como “democratas e pessoas que amam o Brasil”, sublinhando que a Coluna Prestes tem sido reconhecida de maneira ampla, transcendente à ideologia.
A confusão histórica e os mitos
Prestes Filho lamentou a frequente confusão sobre o papel e o contexto da Coluna Prestes. Ele explicou que muitas pessoas associam a Coluna ao período comunista de seu pai, Luiz Carlos Prestes, que só ingressou no Partido Comunista em 1934 e liderou um levante antifascista em 1935. Antes disso, durante a marcha da Coluna Prestes, o movimento não possuía ligação com o comunismo. Era uma mobilização pela justiça e contra as injustiças do governo, reunindo militares e civis em uma luta que Prestes Filho descreveu como uma “matriz política e ideológica ampla, quase liberal.”
Entretanto, após a adesão de Luiz Carlos Prestes ao comunismo, sua figura passou a ser evitada na historiografia oficial, e a Coluna Prestes foi relegada ao esquecimento ou distorcida. “A imagem que fica é de um bando de comunistas pelo Brasil matando crianças, destruindo famílias, o que é um total equívoco”, afirmou. Para ele, essa narrativa errônea é fruto da ignorância e do desconhecimento da história.
O resgate da memória
Desde a redemocratização do Brasil e a Lei da Anistia de 1979, houve um movimento gradual para resgatar e valorizar a história da Coluna Prestes. Prestes Filho comentou que a recuperação da memória histórica é fundamental para combater os preconceitos e as distorções que rondam o episódio. Contudo, ele aponta que ainda há um longo caminho a percorrer.
Em cem anos, apenas cerca de vinte teses acadêmicas abordaram a Coluna Prestes, um número pequeno considerando o impacto histórico do movimento. Prestes Filho elogiou os esforços de sua irmã, Zóia Prestes, doutora e pós-doutora em pedagogia, que está coordenando pesquisas sobre a participação de crianças na Coluna e sua representação em livros didáticos, buscando ampliar o conhecimento sobre o movimento.
Durante a entrevista, Prestes Filho fez uma análise crítica sobre o radicalismo presente na sociedade brasileira, que, segundo ele, é “baseado na ignorância” e na falta de conhecimento da história nacional. Ele atribuiu o fenômeno a uma sociedade que está há apenas 30 anos convivendo com uma democracia plena, aprendendo a dialogar e respeitar vozes contrárias. “Nós precisamos aprender a dialogar, a não caminhar para o confronto violento”, refletiu. Segundo Prestes Filho, é essencial construir uma cultura democrática madura, que valorize o diálogo e supere as divisões ideológicas extremas.
Herança e influência na transformação do Brasil
Prestes Filho compartilhou uma análise histórica sobre a Coluna Prestes e seu impacto na Revolução de 1930, destacando a ligação entre o movimento liderado por seu pai, Luiz Carlos Prestes, e a revolução que rompeu com a estrutura da República Velha. Para Prestes Filho, a Revolução de 1930 seria impensável sem a Coluna Prestes, pois foi esse movimento de jovens tenentes que acendeu as discussões e aspirações que moldariam o novo Brasil.
A Coluna Prestes (1925-1927) foi uma marcha de jovens tenentes pelo interior do Brasil que desafiou as oligarquias dominantes e denunciou a corrupção e desigualdades da República Velha. De acordo com Prestes Filho, o movimento simbolizava a necessidade de uma transformação estrutural que a República Velha não poderia mais oferecer. Naquela época, o Brasil passava por um rápido avanço do capitalismo, e as elites de São Paulo e Minas Gerais controlavam o poder, mantendo seus próprios interesses à custa do desenvolvimento do país como um todo.
Embora Luiz Carlos Prestes não tenha participado da Revolução de 1930, considerando-a insuficiente para promover mudanças profundas, muitos dos ideais da Coluna foram incorporados ao movimento revolucionário. Getúlio Vargas, líder da Revolução de 1930, quando parlamentar se opôs à Coluna Prestes, mas no governo convidou Prestes para ser o comandante militar da revolução. Embora Prestes tenha recusado o convite, outros membros da Coluna, como Miguel Costa e Juarez Távora, assumiram papéis fundamentais na Revolução, destacando o vínculo profundo entre os dois eventos.
A Revolução de 1930 e o legado da Coluna
A Revolução de 1930 marcou o fim da República Velha e o início de um período de transformações políticas e sociais no Brasil. Prestes Filho enfatiza que as bandeiras levantadas pela Coluna Prestes foram fundamentais para a implementação das reformas de Getúlio Vargas, como a legislação trabalhista, o direito ao voto para mulheres e o incentivo à industrialização nacional, com marcos como a criação da Companhia Siderúrgica Nacional em Volta Redonda.
Essas conquistas refletem a visão de um Brasil mais inclusivo e integrado, algo que a Coluna Prestes defendia ao marchar pelo país. Prestes Filho acredita que, ao cruzar regiões desconhecidas pelos militares que viviam no litoral, a Coluna contribuiu para uma valorização do interior do país, que até então era deixado de lado pelas elites políticas. Essa passagem da Coluna por regiões como a Chapada dos Guimarães, Chapada dos Veadeiros e Serra da Capivara teria deixado uma impressão duradoura, inspirando, posteriormente, a criação de parques nacionais e o fortalecimento da ideia de proteção do patrimônio natural brasileiro.
A integração territorial e a marcha para o Oeste
A Coluna também inspirou a ideia de integração territorial, algo que se tornou realidade com a “Marcha para o Oeste”, promovida na Era Vargas por João Alberto Lins de Barros, um dos tenentes que participou da Coluna. Prestes Filho lembra que essa campanha foi fundamental para a população de Mato Grosso e do atual Mato Grosso do Sul, que já entendia a necessidade de ocupar e valorizar o interior do Brasil.
Curiosamente, Prestes Filho menciona que no diário da Coluna Prestes, Lourenço Moreira Lima já discutia a necessidade de reorganizar o território brasileiro de forma mais racional, sugerindo a divisão do estado de Goiás e antecipando a criação do Tocantins — algo que só se concretizaria em 1988. Esse pensamento visionário sobre a divisão territorial reflete o entendimento da Coluna de que o Brasil não poderia mais ser dominado por centros urbanos costeiros, mas sim que o desenvolvimento do interior era essencial para o avanço da nação.
Um legado duradouro de transformação social
Para Prestes Filho, o impacto da Coluna Prestes vai além da política: ela influenciou a mentalidade do povo brasileiro, provocando uma nova visão sobre a necessidade de desenvolvimento regional. Segundo ele, a Coluna foi “indutora do desenvolvimento econômico, político e social do interior do Brasil”, preparando o terreno para uma reorganização do país que valorizasse as áreas fora do eixo tradicional do poder.
A Coluna Prestes, assim, deixou como legado um Brasil mais consciente de sua diversidade e riqueza interna, impulsionando uma série de mudanças que foram adotadas e expandidas pela Revolução de 1930 e pelos governos seguintes. Prestes Filho vê na Coluna e na Revolução de 1930 uma continuidade de ideais que ajudaram a moldar o Brasil moderno — um país que, em vez de ser refém das elites do Sudeste, busca se fortalecer em sua totalidade, abraçando tanto o litoral quanto o interior.
A entrevista destacou como a Coluna Prestes e a Revolução de 1930 representam momentos cruciais na construção de uma identidade nacional que valoriza a democracia, o desenvolvimento e a integração territorial. As bandeiras levantadas pelos jovens tenentes continuam a ressoar, trazendo à tona um desejo de transformação que ainda hoje encontra ecos no Brasil.