PF indica participação ativa de Bolsonaro em tentativa de golpe

Entenda os indícios e articulações que podem resultar em pena de 28 anos de prisão. Bolsonaro é identificado como planejador, dirigente e executor dos crimes.

Investigação da PF coloca Bolsonaro como planejador, dirigente e executor dos atos que levariam ao golpe de Estado.

A Polícia Federal (PF) indiciou o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outras 36 pessoas na quinta-feira (21) em uma investigação que detalha a articulação de uma tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022. A acusação, que inclui crimes como abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado e organização criminosa, pode resultar em penas que somam até 28 anos de prisão.

O inquérito revela a estrutura coordenada do plano golpista, que envolveu diferentes núcleos de atuação e teve Bolsonaro como beneficiário central. A revelação de documentos, áudios e depoimentos sublinha o papel decisivo de Bolsonaro em um esquema que ameaçou a democracia e reforça a gravidade das acusações que agora recaem sobre ele e seu círculo mais próximo.

Provas centrais contra Bolsonaro

De acordo com a PF, Jair Bolsonaro “planejou, atuou e teve o domínio de forma direta e efetiva” das ações para concretizar o golpe, citando-o 643 vezes no relatório. Entre os indícios, está a apresentação de uma minuta golpista em reunião no Palácio da Alvorada, em 7 de dezembro de 2022, que previa a decretação de Estado de Defesa e outras medidas autoritárias para reverter o resultado das eleições presidenciais.

A investigação reuniu evidências de que Bolsonaro “tinha plena consciência e participação ativa” na organização criminosa. Entre os elementos destacados estão:

Incitação à ação militar: Em áudios obtidos pela investigação, Bolsonaro sugere datas para ações golpistas, inclusive antes da diplomação de Lula. Segundo a PF, ele avaliava que o atraso em agir havia reduzido as chances de sucesso.

Minuta do golpe: Em reunião no Palácio do Alvorada, Bolsonaro teria apresentado um decreto golpista que previa a decretação de Estado de Defesa, Estado de Sítio e Garantia da Lei e da Ordem (GLO) para reverter o resultado das eleições. Testemunhas, como o então comandante do Exército, general Marco Antônio Freire Gomes, confirmaram a apresentação do plano.

Articulação com militares: Bolsonaro apoiou a elaboração de uma carta golpista para pressionar oficiais superiores do Exército a aderirem à ruptura institucional. A PF também constatou que o ex-presidente participou de reuniões estratégicas com generais e aliados próximos para discutir os planos.

Campanha de desinformação: Sob sua liderança, foram disseminadas narrativas falsas sobre o sistema eleitoral brasileiro para desacreditar as eleições. Relatórios indicam que Bolsonaro agiu deliberadamente para atrasar a divulgação de documentos que comprovavam a integridade das urnas eletrônicas.

Plano de fuga: Inspirado em doutrinas militares, Bolsonaro teria planejado sua evasão caso a tentativa de golpe fracassasse. O plano incluía proteção armada nos palácios presidenciais e estratégias para retirar o ex-presidente do Brasil com suporte logístico de aliados.

Generais, como o ex-comandante do Exército, general Marco Antônio Freire Gomes, rejeitaram as propostas de Bolsonaro, isolando o grupo conspirador. Freire Gomes afirmou que Bolsonaro pressionou militares a aderirem ao plano, mas recebeu a negativa do Alto Comando das Forças Armadas.

O plano para execução de líderes democráticos

Um dos trechos mais alarmantes da investigação aponta um complô para assassinar o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, e a chapa vencedora das eleições, formada por Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Geraldo Alckmin (PSB). Idealizado pelo general Mário Fernandes, o plano, denominado “Punhal Verde e Amarelo”, foi apresentado em reunião na casa do general Walter Braga Netto, uma das figuras-chave na articulação golpista.

O objetivo era desencadear uma crise institucional que justificasse a instauração de um “Gabinete Institucional de Gestão da Crise”, liderado por Braga Netto.

Mensagens de áudio interceptadas indicam que Jair Bolsonaro não apenas estava ciente do plano, mas também sugeriu datas para sua execução. Uma das sugestões era que a ação ocorresse antes da diplomação de Lula, realizada em 12 de dezembro de 2022.

Núcleos da conspiração

A investigação detalhou as diversas frentes da conspiração golpista, que operavam por meio de núcleos organizados com funções específicas. Segundo a PF, os núcleos tinham como objetivo criar condições para a ruptura democrática. São eles:

  1. Desinformação: disseminação de notícias falsas para descredibilizar o sistema eleitoral.
  2. Incitação: pressão sobre militares para aderirem à ruptura institucional.
  3. Jurídico: elaboração de fundamentos para legitimar um estado de exceção.
  4. Apoio logístico: organização de manifestações antidemocráticas.
  5. Inteligência paralela: coleta de informações estratégicas.
  6. Articulação geral: coordenação entre as frentes conspiradoras.

O tenente-coronel Mauro Cid, ajudante de ordens de Bolsonaro, teve papel central, atuando em cinco dos seis núcleos e servindo como intermediário direto entre Bolsonaro e outros conspiradores. A delação premiada de Cid revelou detalhes das reuniões e dos documentos golpistas, além de mensagens que indicam o envolvimento direto do ex-presidente.

Operação Tempus Veritatis

As descobertas que culminaram nos indiciamentos começaram com a Operação Tempus Veritatis, deflagrada em fevereiro de 2023. O ponto de partida foi a delação premiada de Mauro Cid, que revelou a existência de um plano para redigir um decreto que instauraria um estado de exceção no Brasil. Cid também relatou o papel estratégico de Walter Braga Netto, ex-ministro da Defesa, na coordenação do golpe.

Fraude eleitoral como justificativa para o golpe

Bolsonaro insistiu em narrativas de fraude nas urnas, mesmo após o Ministério da Defesa confirmar a segurança do sistema eletrônico de votação. Essa estratégia foi usada para fomentar um ambiente de desconfiança e justificar medidas autoritárias.

O relatório aponta que Bolsonaro tentou adiar a divulgação do relatório do Ministério da Defesa para manter viva a retórica golpista. Além disso, promoveu ações para incitar manifestações em frente aos quartéis, buscando apoio popular para a intervenção militar.

Plano de fuga e evasão

Outro elemento relevante do inquérito é a elaboração de um plano para retirar Bolsonaro do país caso as ações golpistas falhassem. Inspirado em doutrinas militares, o plano previa proteção armada nos palácios presidenciais e a ocupação de infraestruturas críticas para impedir ações judiciais.

Esse plano, no entanto, foi descartado devido à resistência das Forças Armadas, que rejeitaram apoiar qualquer movimento de ruptura institucional.

Outros desdobramentos

O relatório da PF expõe uma trama que começou a ser articulada ainda em 2019, com Bolsonaro desempenhando papel central. Embora o golpe tenha sido frustrado, os documentos apontam que o ex-presidente teve participação ativa, agindo como planejador e incentivador das ações golpistas.

O indiciamento desta quinta-feira é o terceiro contra Bolsonaro desde o fim de seu mandato. Ele também é investigado por suposta fraude em cartões de vacina e por envolvimento em outros esquemas ligados à tentativa de ruptura democrática. Em todas as apurações, a proximidade entre os investigados e o núcleo mais próximo do ex-presidente é um elemento recorrente.

Enquanto isso, a defesa de Bolsonaro afirmou que “as acusações são infundadas” e que o ex-presidente “agiu dentro da legalidade durante todo o mandato”.

A investigação agora está nas mãos da Justiça, que deverá decidir sobre os próximos passos em relação ao indiciamento de Bolsonaro e seus aliados. O caso marca um dos momentos mais graves de ataque à democracia brasileira desde a redemocratização.

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