Oposição argentina propõe impeachment de Milei após escândalo de criptomoedas
Presidente promoveu ativo digital que colapsou horas depois, causando perdas milionárias; denúncias nos EUA e na Argentina levantam suspeitas de fraude
Publicado 18/02/2025 08:23 | Editado 19/02/2025 12:10

O presidente da Argentina, Javier Milei, enfrenta um pedido de impeachment após promover, em suas redes sociais, a criptomoeda $LIBRA, que colapsou em poucas horas e causou prejuízos estimados em mais de US$ 286 milhões. O episódio gerou forte repercussão política e levou a oposição a formalizar um pedido de cassação do mandato, argumentando que o chefe de Estado utilizou sua posição para estimular um esquema de fraude financeira.
O caso já é investigado tanto na Argentina quanto pelos Estados Unidos, onde o Departamento de Justiça e o FBI receberam denúncias contra Milei e empresários envolvidos no lançamento da moeda digital.
Na sexta-feira (14), Milei publicou em seu perfil na rede social X (antigo Twitter) um post incentivando investimentos na $LIBRA, descrevendo-a como um projeto voltado para “fortalecer a economia argentina”. O endosso presidencial gerou euforia entre investidores e fez com que o ativo subisse de centavos para quase US$ 5,00 em poucas horas.
No entanto, a valorização relâmpago foi seguida por um colapso abrupto. Conforme dados de consultorias especializadas, 80% dos ativos estavam concentrados nas mãos de um pequeno grupo de investidores, que se desfizeram das criptomoedas no auge da cotação, embolsando lucros milionários.
Com isso, o valor da moeda despencou, deixando dezenas de milhares de investidores no prejuízo. O movimento levantou suspeitas de que se tratava de um esquema do tipo “puxada de tapete” (rug pull), no qual os criadores inflacionam artificialmente o preço de um ativo para, em seguida, vendê-lo e provocar sua desvalorização.
Indícios de crime e ligação com empresários estrangeiros
A criptomoeda $LIBRA foi lançada pela empresa Kip Protocol, sediada nos Estados Unidos, e tem como CEO o empresário Julian Peh, de Singapura. Os registros indicam que Milei se reuniu pessoalmente com Peh e outros envolvidos no projeto pelo menos duas vezes, em outubro de 2024 e janeiro de 2025.
A denúncia levada ao FBI e ao Departamento de Justiça dos EUA aponta que a fraude financeira pode ter movimentado cerca de US$ 4,5 bilhões e cita Javier Milei, Julian Peh, o norte-americano Hayden Mark Davis e os empresários argentinos Mauricio Novelli e Manuel Terrones Godoy como suspeitos de integrar o esquema.
O escritório de advocacia Moyano & Associados, responsável pela denúncia internacional, afirma que há indícios de crimes financeiros e lavagem de dinheiro, uma vez que a Kip Protocol e a Kelsier Ventures—empresa que intermediou a conversão dos lucros obtidos—não estão devidamente registradas na Comissão de Valores Mobiliários dos EUA (SEC), levantando suspeitas sobre a legalidade da operação.
Pressão política e pedido de impeachment
Diante da repercussão, a oposição peronista e socialista protocolou um pedido formal de impeachment contra Milei na Câmara dos Deputados nesta segunda-feira (17). O bloco União pela Pátria (UxP) argumenta que o presidente abusou de seu cargo para promover um golpe financeiro e deve ser responsabilizado por isso.
A CGT (Confederação Geral do Trabalho) e as centrais sindicais também condenaram a atitude do governo e pediram investigações imediatas sobre o caso. Em nota, a CGT classificou a promoção de $LIBRA como uma “manobra financeira irresponsável” e alertou para os impactos negativos sobre a economia do país.
Além do pedido de impeachment, parlamentares da oposição exigem que o Chefe de Gabinete, Guillermo Francos, compareça ao Congresso para prestar esclarecimentos sobre a relação do governo com os criadores da criptomoeda.
Milei se defende e minimiza o caso
Diante da crise, Milei adotou uma postura defensiva e provocativa. Em entrevista à TV argentina, o presidente afirmou que não tem responsabilidade sobre as perdas dos investidores e comparou o caso a uma casa de apostas. “Se você vai ao cassino e perde dinheiro, qual a reclamação?”, declarou.
Além disso, Milei alegou que não estava ciente dos detalhes do projeto e que sua postagem nas redes sociais foi um apoio desinteressado a um suposto “empreendimento privado”. No entanto, a declaração contradiz o fato de que ele já havia se reunido com os criadores da criptomoeda e promovido investimentos similares no passado.
Em meio à crescente pressão, o governo anunciou a criação de uma “Força-Tarefa de Investigação”, sob comando da Oficina Anticorrupção, para apurar possíveis irregularidades na criação e no colapso de $LIBRA. A medida, porém, é vista por analistas como uma tentativa de controle de danos, já que o próprio Milei será um dos alvos da investigação.
Impactos e desdobramentos
A crise envolvendo a $LIBRA se tornou o maior escândalo político do governo Milei até agora. Além do desgaste interno, o caso repercutiu negativamente no mercado financeiro, com a Bolsa de Buenos Aires caindo 6% e investidores estrangeiros demonstrando desconfiança sobre a estabilidade econômica do país.
O episódio também afeta o capital político do presidente. Com eleições legislativas marcadas para outubro, a oposição aposta que o desgaste provocado pelo caso pode enfraquecer a base governista no Congresso, dificultando ainda mais a governabilidade de Milei.
Se o pedido de impeachment avançará ou não ainda é incerto, mas o escândalo já deixou marcas profundas no governo e intensificou a crise política na Argentina.