EUA anunciam acordo de cessar-fogo entre Rússia e Ucrânia, mas incertezas persistem

Cessar-fogo negociado pelos EUA suspende ataques marítimos e a infraestrutura energética, mas desconfiança mútua, condições rígidas e riscos de violação expõem desafios para uma paz duradoura.

Secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, e o conselheiro de segurança nacional dos EUA, Mike Waltz, chegando para uma reunião com autoridades ucranianas em Jeddah, Arábia Saudita, na terça-feira. Fotografia: Serviço de Imprensa Presidencial da Ucrânia

Os Estados Unidos anunciaram nesta terça-feira (25) dois cessar-fogos paralelos entre Rússia e Ucrânia: um no Mar Negro e outro nos ataques a infraestruturas energéticas. As negociações resultaram em compromissos para garantir navegação segura no mar Negro, proibir o uso de força e impedir a militarização de embarcações comerciais. A Ucrânia também concordou em suspender ataques à infraestrutura energética russa, enquanto Moscou se comprometeu a não atingir refinarias, gasodutos e usinas elétricas ucranianas por 30 dias, prorrogáveis. A medida visa garantir a segurança da navegação comercial na região e mitigar danos às populações civis atingidas pelos ataques recentes a infraestruturas críticas.

As negociações ocorreram em Riad, na Arábia Saudita, onde delegações dos três países mantiveram conversas desde o último domingo (23). Apesar do avanço, o Kremlin condicionou a implementação do acordo à suspensão de sanções ocidentais a bancos russos e à liberação de exportações de alimentos e fertilizantes. Já o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, exigiu garantias de que qualquer violação russa acarretará novas sanções e envio de armas pelos EUA.

O Mar Negro: um campo minado para o acordo

O Mar Negro é um epicentro simbólico e econômico do conflito: abriga a Crimeia anexada pela Rússia, a sitiada Mariupol e rotas vitais para exportações agrícolas. O acordo retoma termos fracassados de 2022, quando Moscou abandonou a “Iniciativa de Grãos do Mar Negro”, devido a descumprimento de exigências russas do acordo, o que agravou a crise alimentar global. 

A região é estratégica desde o início da guerra. A Crimeia, anexada pela Rússia em 2014, controla rotas marítimas vitais para a exportação de grãos ucranianos. Em 2022, Mariupol, cidade portuária no mar Negro, foi destruída e ocupada, interrompendo o fluxo comercial. O novo acordo revive termos de um pacto de 2022, rompido por Moscou em 2023, que permitia o trânsito seguro de navios. Sanções que favoreciam o comércio ucraniano e prejudicavam os russos, ataques ucranianos a portos da Crimeia e não-envio de grãos a países mais pobres foram motivos que levaram à quebra do acordo.

Para a Ucrânia, a trégua pode revitalizar a economia, desde que portos como Odessa operem sem riscos. Já a Rússia busca normalizar exportações, prejudicadas pelas sanções. No entanto, o ministro ucraniano Rustem Umerov alertou que qualquer movimento de navios russos além do leste do mar Negro será visto como violação, justificando retaliação.

Apesar do compromisso formal, o histórico de tensão entre os dois países levanta dúvidas sobre a longevidade do acordo.

Energia como arma de guerra

Ataques a infraestruturas energéticas tornaram-se uma tática central em 2024, deixando milhões sem aquecimento em pleno inverno. Segundo a imprensa europeia, a Rússia visa desestabilizar cidades ucranianas ao cortar energia, enquanto a Ucrânia atinge refinarias russas para pressionar economicamente. O cessar-fogo, válido desde 18 de março, exclui instalações civis.

Volodymyr Zelensky confirmou a interrupção imediata dos ataques ucranianos a refinarias russas — alvos recentes de drones —, mas ressaltou: “Infraestrutura civil não está incluída”, mantendo a porta aberta para retaliar cidades. O Kremlin, por sua vez, exige “garantias claras” de que Washington forçará Kiev a cumprir o pacto. Exige que as garantias partam de Washington, não apenas de Kiev, refletindo a desconfiança mútua. “Sem ordens claras de Trump a Zelensky, não há como confiar”, disse o chanceler russo Sergei Lavrov.

A falta de confiança mútua entre Moscou e Kiev significa que qualquer pequeno incidente pode desencadear uma retomada das hostilidades. Uma das principais preocupações é a possibilidade de acusações de “ataques de falsa bandeira”, em que uma das partes simula uma agressão para justificar retaliação em “legítima defesa”. Ambos os lados são vistos como tendo interesse em retratar o inimigo como agressor para justificar rupturas. Além disso, Zelensky afirmou que buscará mais sanções contra Moscou caso os russos descumpram os acordos.

A fragilidade do acordo reside na falta de mecanismos de fiscalização. A Ucrânia pediu que outros países monitorem os movimentos russos, mas não há detalhes sobre como isso ocorrerá. Do outro lado, nunca houve preocupação em fiscalizar os movimentos ucranianos.

O papel dos EUA: entre mediação e interesses

A mediação americana busca conter a escalada, mas suas promessas divergem: aos russos, oferece facilitar exportações agrícolas; aos ucranianos, apoio em trocas de prisioneiros e armas. No entanto, a Casa Branca evitou detalhar os termos, alimentando especulações sobre contrapartidas não declaradas. Os EUA devem se beneficiar amplamente dos recursos minerais da Ucrânia, em contratos que já estão sendo negociados.

A Casa Branca prometeu auxiliar Kiev em trocas de prisioneiros e repatriação de crianças deportadas, enquanto Moscou recebeu promessas vagas de alívio comercial. Consolida papel de mediador global e aliviar pressões inflacionárias, um dos principais elementos de desaprovação ao governo Trump.

Trump, que minimizou o vazamento de planos militares recentes, afirmou que o cessar-fogo é um “passo inicial”. Contudo, sua simpatia por Putin e críticas à Otan geram ceticismo na Europa, especialmente em um momento em que a aliança transatlântica já enfrenta tensões.

Possibilidade de expansão para um cessar-fogo mais amplo

O cessar-fogo no Mar Negro é um alívio frágil em uma guerra de desgaste. Um alívio temporário em um conflito que já dura dois anos. Embora os interesses econômicos de ambos os lados — exportações russas e grãos ucranianos — criem incentivos para a cooperação, a desconfiança histórica e a ausência de garantias vinculantes tornam o pacto vulnerável.

Apesar das incertezas, esse acordo pode representar um primeiro passo para negociações de paz mais amplas. A estabilização da região do Mar Negro é vital tanto para a segurança alimentar global, dada a exportação de grãos ucranianos, quanto para o equilíbrio estratégico entre as potências envolvidas.

Para Zelensky, o acordo é uma vitória tática: “Mostra que a Rússia precisa negociar”. Para Putin, é uma pausa para recompor tropas e pressionar por alívio econômico.

A trégua, portanto, é menos um fim em si mesma e mais um teste para futuras negociações. Para que a trégua se transforme em um cessar-fogo duradouro, ambas as partes precisarão demonstrar disposição ao diálogo e superar a desconfiança histórica que permeia o conflito. Enquanto isso, as populações civis seguem pagando o preço de uma guerra que, mesmo com pausas, ainda não tem data para terminar.

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