Cortes de Trump contra universidades revelam retorno à ofensiva autoritária macartista

Governo dos EUA congela US$ 2,2 bilhões de Harvard e ataca outras instituições da Ivy League, para se alinharem a seu governo

Manifestações do movimento Hands Off (tire as mãos) se espalham pelo país na defesa das universidades

O governo do presidente Donald Trump lançou uma ofensiva com precedentes apenas no feroz macartismo dos anos 1950 contra algumas das mais prestigiadas universidades dos Estados Unidos, incluindo Harvard, Princeton e Columbia. Sob a justificativa de combater o antissemitismo e força um alinhamento ideológico a seu governo de ultradireita, o governo federal suspendeu bilhões de dólares em financiamentos para pesquisas e programas acadêmicos.

Harvard, alvo central dessa investida, teve US$ 2,2 bilhões congelados após se recusar a ceder às exigências da Casa Branca. A medida segue retaliações contra Princeton (US$ 210 milhões) e Columbia (US$ 400 milhões). Entre as demandas do governo estavam o desmantelamento de programas de diversidade e inclusão e a repressão a protestos pró-Palestina. A decisão foi interpretada como um ataque direto à autonomia acadêmica e à liberdade de expressão garantidas pela Constituição norte-americana.

Harvard, que já barrou a formatura de 13 alunos pró-Palestina em abril, recusou-se a negociar “exigências ilegais”, segundo comunicado de seus advogados. A resistência de Harvard contrasta com a postura da Universidade de Columbia, que cedeu às pressões: reformulou regras de protesto, ampliou a vigilância policial no campus e aceitou supervisionar departamentos como o de Estudos do Oriente Médio. 

Por que Harvard se tornou alvo?

Enquanto Columbia dobrou-se às exigências, Harvard optou pela resistência jurídica. A universidade contratou um dos maiores escritórios de advocacia dos EUA para contestar a legalidade dos cortes, argumentando violação da Primeira Emenda (liberdade de expressão) e excesso de autoridade federal.

Para o reitor Alan Gaber, a decisão foi simbólica: “Autonomia universitária é como virgindade: perdida, não se recupera. Preferimos perder recursos a abrir precedente de submissão.”

A postura gerou apoio de acadêmicos e movimentos como o Hands Off (“Tirem as Mãos”), que organiza protestos em campi pelo país.

Harvard, fundada em 1636, é a universidade mais antiga e rica dos EUA, com influência global em ciência, política e cultura. Segundo especialistas, sua posição crítica à agenda de Trump tornou-a um símbolo de resistência intelectual.

Em abril, a administração Trump enviou uma carta à universidade exigindo mudanças estruturais sob a alegação de que Harvard não estava fazendo o suficiente para combater o antissemitismo. Em resposta, advogados contratados pela instituição declararam que Harvard não abriria mão de sua independência nem aceitaria interferências ilegais do governo federal.

“Harvard não permitirá que sua autonomia seja comprometida”, afirmaram os advogados. “Não há base legal para essas exigências.”

A justificativa de combate ao antissemitismo, segundo críticos, serve de cortina de fumaça. Desde os protestos contra a ofensiva israelense em Gaza (que deixou mais de 51 mil mortos), o governo Trump ampliou a retórica contra universidades, associando-as a “promiscuidade ideológica” e “inutilidade”.

Quais são as consequências práticas desses cortes?

Os cortes de verbas afetam diretamente áreas cruciais da pesquisa científica e acadêmica. Na Universidade de Columbia, por exemplo, programas de desenvolvimento de vacinas contra a AIDS foram impactados após a suspensão de US$ 400 milhões em financiamento federal.

No caso de Harvard, os recursos congelados seriam destinados a pesquisas sobre câncer, tuberculose e outras doenças, além de manutenção de hospitais e centros de pesquisa vinculados à universidade. Para especialistas, trata-se de um ataque deliberado à produção de conhecimento, que coloca em risco avanços científicos e tecnológicos de alcance global.

Não se está falando apenas de ciências sociais ou humanidades, mas de áreas tradicionalmente ‘neutras’, como medicina e biotecnologia. “Congelar verbas mina a capacidade de inovação médica, tecnológica e social do país. Não negociaremos autonomia por fundos”, alertou a carta de Harvard.

Silenciar críticas e reescrever a História

Além das universidades, a administração Trump ampliou ataques a outras esferas do conhecimento:

  • Bibliotecas públicas: mais de 1.500 livros banidos em 2024, incluindo obras sobre racismo e LGBTQIA+.
  • Museus: censura a exposições que “desrespeitam valores tradicionais”.
  • Redes sociais: parceria com Elon Musk para vigiar discursos críticos.

É uma guerra contra a produção de pensamento crítico. Controlar educação, arte e ciência permite reescrever narrativas. É assim que autoritarismos se consolidam.

Por que isso importa para a democracia?

Universidades são espaços onde diferentes interpretações sobre a sociedade são debatidas e testadas. Atacar essas instituições é uma tática comum de regimes autoritários, como observado na Hungria sob Viktor Orbán, no Brasil durante o governo Bolsonaro e na Argentina sob Javier Milei.

Segundo especialistas, o objetivo de Trump é claro: silenciar vozes críticas e consolidar sua narrativa como única verdade oficial.

O controle de universidades se dá por meio de desidratação de orçamentos, intervenção nas cúpulas administrativas e censura a conteúdos, – estratégias clássicas desse tipo de governo.

A questão do antissemitismo e o contexto político

A ofensiva de Trump ocorre em meio a protestos estudantis contra a operação militar israelense na Faixa de Gaza, iniciada após o ataque do Hamas em outubro de 2023. Milhares de estudantes criticaram Israel por crimes de guerra, enquanto o governo Trump classifica essas manifestações como antissemitas.

Para muitos acadêmicos, essa narrativa é uma tentativa de criminalizar o dissenso e calar críticas ao aliado estratégico dos EUA.

Resistência ou rendição em cadeia?

Harvard, com um endowment de US$ 50,6 bilhões, pode resistir financeiramente, mas outras instituições não terão o mesmo luxo. A batalha judicial definirá se o governo pode condicionar verbas a agendas ideológicas – um precedente perigoso.

Enquanto isso, o conflito revela uma divisão profunda:

  • Para a base trumpista, universidades são “fábricas de esquerda” a serem domadas.
  • Para defensores da democracia, são últimos bastiões contra a erosão institucional.

Se Harvard cair, restarão poucos para lembrar o que é liberdade.

Harvard já sinalizou que irá à Justiça para reverter o congelamento de verbas, argumentando que as exigências do governo violam a Primeira Emenda da Constituição dos EUA, que protege a liberdade de expressão e o direito à autonomia institucional.

Enquanto isso, movimentos como Hands Off ganham força nas ruas, pedindo que Trump respeite a independência acadêmica. No último fim de semana, manifestações em várias cidades reafirmaram o papel das universidades como pilares da democracia.

O futuro em jogo

A batalha entre Trump e as universidades vai além de questões financeiras ou políticas. Trata-se de um embate fundamental sobre os valores constitucionais que sustentam os EUA.

Se Harvard conseguir resistir à pressão e inspirar outras instituições a seguirem seu exemplo, este episódio pode marcar o início de uma nova onda de resistência contra o autoritarismo. Caso contrário, o país corre o risco de assistir ao enfraquecimento de um de seus pilares mais importantes: a produção livre e independente de conhecimento.

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