EUA ameaçam tarifas de até 3.521% sobre painel solar e testa parceria do Vietnã
Medida pode redesenhar cadeias globais de energia renovável e testar equilíbrio geopolítico do Vietnã, na linha de frente do tiroteio entre Washington e Pequim
Publicado 22/04/2025 18:31 | Editado 22/04/2025 19:45

O anúncio do Departamento de Comércio dos Estados Unidos de que pretende impor tarifas massivas sobre importações de painéis solares fabricados no Sudeste Asiático — com alíquotas que chegam a 3.521% — lança o Vietnã no centro de uma disputa comercial que vai muito além da energia limpa. Como um dos quatro países afetados — ao lado de Camboja, Tailândia e Malásia —, o Vietnã se vê novamente obrigado a equilibrar interesses econômicos com um posicionamento político delicado entre China e EUA.
Governado pelo Partido Comunista, como a China, mas com laços comerciais e militares crescentes com Washington, o Vietnã enfrenta agora o risco de ver sua pujante indústria solar — que se beneficiou de investimentos chineses e transferência de produção para evitar tarifas anteriores — se tornar alvo de novas barreiras.
Algumas empresas no Camboja enfrentam as maiores taxas de 3.521% devido ao que foi visto como falta de cooperação com a investigação do Departamento de Comércio. Produtos fabricados na Malásia pela chinesa Jinko Solar enfrentaram algumas das menores taxas, de pouco mais de 41%. A chinesa Trina Solar, enfrenta tarifas de 375% sobre os produtos que fabrica na Tailândia, enquanto os do Vietnã estão sujeitos a um imposto de 58% a 271%. As importações do Laos e da Indonésia estão aumentando gradualmente, sem serem afetadas pelas tarifas.
Solar e estratégico: o papel do Vietnã na cadeia global
Nos últimos anos, o Vietnã consolidou-se como um elo crucial na cadeia de fornecimento global de tecnologia solar, com sua mão de obra barata e proximidade geográfica. Empresas chinesas como Trina Solar e Jinko Solar passaram a fabricar componentes no país como parte de uma estratégia para contornar sanções e tarifas impostas diretamente a Pequim desde o governo Trump. O objetivo era evitar as sobretaxas aplicadas sobre produtos “Made in China” ao fabricar os mesmos bens com mão de obra local, beneficiando-se dos acordos comerciais mais favoráveis do Vietnã com os EUA.
A nova medida americana, no entanto, busca justamente frear essa “terceirização tarifária” ao alegar que os subsídios chineses ainda distorcem o mercado, mesmo que a manufatura ocorra em solo estrangeiro. Donald Trump e os fabricantes que se enfileram para acusar a China, sempre se beneficiaram das mesmas práticas de terceirização, que não lhes são mais convenientes. Entretanto, a resposta chinesa foi rápida e assertiva. Pequim impôs tarifas retaliatórias de 125% sobre produtos americanos e prometeu “lutar até o fim”.
Embora as tarifas sejam oficialmente dirigidas a países do Sudeste Asiático, fica evidente que a China é o verdadeiro alvo da ofensiva americana. No caso vietnamita, isso coloca em risco bilhões de dólares em exportações anuais de equipamentos solares, além de afetar diretamente empregos locais e investimentos estrangeiros no setor. Especialmente, porque o setor de energia solar é uma das principais áreas de crescimento econômico no país.
Interesses cruzados: o dilema vietnamita
A pressão tarifária chega em momento delicado para o Vietnã, que tenta manter sua independência diplomática, em uma postura conhecida como equilíbrio estratégico. Embora compartilhe com a China um sistema político de partido único e profundas relações econômicas, o Vietnã também se aproximou dos EUA em áreas como segurança regional e comércio — inclusive durante a visita do presidente Joe Biden ao país em 2023.
Ao mesmo tempo, Pequim tem intensificado esforços para evitar que países da região “cedam” à influência de Washington. A recente visita do presidente Xi Jinping ao Vietnã, Malásia e Camboja — justamente os países afetados pelas tarifas — buscou demonstrar presença e incentivar esses governos a resistirem ao que o líder chinês chamou de “intimidação unilateral”.
Impacto doméstico e riscos globais
Para os EUA, a medida visa fortalecer sua indústria solar nacional, pressionada por concorrência de produtos subsidiados e mais baratos. O Comitê de Comércio da Aliança Americana para a Fabricação de Energia Solar saudou o anúncio como uma “vitória decisiva”. Porém, críticos como a Solar Energy Industries Association (Seia) alertam que as tarifas podem, paradoxalmente, encarecer a energia solar nos próprios EUA, ao limitar o acesso a componentes acessíveis. Com isso, Trump atrasa mais um avanço rumo à segurança energética.
As tarifas podem prejudicar seriamente o avanço das energias renováveis nos EUA. O Seia criticou a medida, argumentando que ela encarecerá as células solares importadas utilizadas na fabricação de painéis nos EUA. Isso, por sua vez, pode retardar a transição energética e comprometer metas climáticas ambiciosas.
O chefe da Agência Internacional de Energia, Fatih Birol, disse ao Financial Times que acreditava que as “lições da Ucrânia ainda não foram totalmente compreendidas”, acrescentando que havia três regras de ouro para a segurança energética: diversificação de suprimentos, previsibilidade política suficiente para permitir que as empresas fizessem investimentos de longo prazo e cooperação global. Há riscos crescentes em torno do fornecimento de energia, incluindo as guerras na Ucrânia e em Gaza, a crise climática, ataques a cabos submarinos e ciberataques.
O impacto global também é significativo. Ao atacar indiretamente a China via seus parceiros de fabricação no Sudeste Asiático, Washington sinaliza que está disposto a ampliar o escopo da guerra comercial. Para países como o Vietnã, que apostam na industrialização verde e na integração às cadeias globais de valor, o recado é claro: a neutralidade não será suficiente para escapar do fogo cruzado entre as duas maiores potências do mundo.
A decisão final sobre as tarifas será tomada em junho pela Comissão de Comércio Internacional dos EUA. Até lá, os países afetados — sobretudo o Vietnã — devem intensificar diálogos diplomáticos e considerar contramedidas comerciais. Mais do que uma disputa sobre painéis solares, o episódio revela como as transições energética e geopolítica estão entrelaçadas.