EUA ameaçam tarifas de até 3.521% sobre painel solar e testam parceria do Vietnã
Medida pode redesenhar cadeias globais de energia renovável e colocar em xeque equilíbrio geopolítico da região
Publicado 22/04/2025 18:31 | Editado 23/04/2025 18:36

O anúncio do Departamento de Comércio dos Estados Unidos de que pretende impor tarifas massivas sobre importações de painéis solares fabricados no Sudeste Asiático — com alíquotas que chegam a 3.521% — lança o Vietnã no centro de uma disputa comercial que vai muito além da energia limpa. É um dos quatro países afetados — ao lado de Camboja, Tailândia e Malásia.
Algumas empresas no Camboja enfrentam as maiores taxas, de 3.521%. Produtos fabricados na Malásia pela chinesa Jinko Solar tem taxas menores, de pouco mais de 41%. A chinesa Trina Solar, tem tarifas de 375% sobre os produtos que fabrica na Tailândia, enquanto os do Vietnã estão sujeitos a um imposto de 58% a 271%. As importações norte-americanas do Laos e da Indonésia estão aumentando gradualmente, sem serem afetadas pelas tarifas.
Solar e estratégico: o papel do Vietnã na cadeia global
Nos últimos anos, o Vietnã consolidou-se como um elo crucial na cadeia de fornecimento global de tecnologia solar. Empresas chinesas como Trina Solar e Jinko Solar passaram a fabricar componentes no país como parte de uma estratégia para contornar sanções e tarifas impostas diretamente a Pequim desde o governo Trump.
A nova medida norte-americana, no entanto, busca justamente frear essa “terceirização tarifária” ao alegar que os subsídios chineses ainda distorcem o mercado, mesmo que a manufatura ocorra em solo estrangeiro. Donald Trump e os fabricantes que se enfileiram para acusar a China, sempre se beneficiaram das mesmas práticas de terceirização, que não lhes são mais convenientes.
Embora as tarifas sejam oficialmente dirigidas a países do Sudeste Asiático, fica evidente que a China é o verdadeiro alvo da ofensiva norte-americana. No caso vietnamita, isso coloca em risco bilhões de dólares em exportações anuais de equipamentos solares, além de afetar diretamente empregos locais e investimentos estrangeiros no setor. Especialmente, porque o setor de energia solar é uma das principais áreas de crescimento econômico no país.
Interesses cruzados: o dilema vietnamita
A pressão tarifária chega em momento delicado para o Vietnã, que tenta manter sua independência diplomática, em uma postura conhecida como equilíbrio estratégico. Embora compartilhe com a China profundas relações econômicas, o Vietnã também se aproximou dos EUA em áreas como segurança regional e comércio — inclusive durante a visita do presidente Joe Biden ao país em 2023.
A China tem intensificado esforços para evitar que países da região cedam à influência de Washington. A recente visita do presidente Xi Jinping ao Vietnã, Malásia e Camboja — justamente os países afetados pelas tarifas — buscou demonstrar presença e incentivar esses governos a resistirem à intimidação unilateral dos EUA.
Impacto doméstico e riscos globais
Dentro dos Estados Unidos, críticos, como a Solar Energy Industries Association (Seia) alertam que as tarifas podem, paradoxalmente, encarecer a energia solar para o país, ao limitar o acesso a componentes acessíveis. Com isso, Trump atrasa mais um avanço rumo à segurança energética.
O chefe da Agência Internacional de Energia, Fatih Birol, disse ao Financial Times acreditar que as “lições da Ucrânia ainda não foram totalmente compreendidas”, acrescentando que havia três regras de ouro para a segurança energética: diversificação de suprimentos, previsibilidade política suficiente para permitir que as empresas fizessem investimentos de longo prazo e cooperação global. Há riscos crescentes em torno do fornecimento de energia, incluindo as guerras na Ucrânia e em Gaza, a crise climática, ataques a cabos submarinos e ciberataques.
O impacto global também é significativo. Ao atacar indiretamente a China, via seus parceiros de fabricação no Sudeste Asiático, Washington sinaliza que está disposto a ampliar o escopo da guerra comercial. Para países como o Vietnã, que apostam na industrialização verde e na integração às cadeias globais de valor, o recado é claro: a neutralidade não será suficiente para escapar do fogo cruzado entre as duas maiores potências do mundo.
A decisão final sobre as tarifas será tomada em junho pela Comissão de Comércio Internacional dos EUA. Até lá, os países afetados — sobretudo o Vietnã — devem intensificar diálogos diplomáticos e considerar contramedidas comerciais. Mais do que uma disputa sobre painéis solares, o episódio revela como as transições energética e geopolítica estão entrelaçadas.