Da guerra à soberania: os 50 anos da vitória do Vietnã sobre os EUA
Vietnã se consolida como potência emergente sob o regime comunista, combinando reformas econômicas e avanços sociais
Publicado 30/04/2025 17:04 | Editado 30/04/2025 19:10

Em 30 de abril de 1975, os tanques norte-vietnamitas atravessaram os portões do Palácio da Independência, em Saigon, simbolizando a vitória definitiva do Vietnã comunista sobre os EUA e seus aliados do Vietnã do Sul. O episódio, transmitido ao vivo para o mundo, marcou o colapso de uma das maiores intervenções militares da Guerra Fria e gerou um trauma nacional nos Estados Unidos que perdura até hoje.
Mais de 58 mil soldados norte-americanos morreram, além de milhões de vietnamitas. A guerra causou crises políticas nos EUA, alimentou o movimento pacifista e gerou a chamada “Síndrome do Vietnã”, que por décadas condicionou a relutância do país em se envolver diretamente em conflitos armados prolongados.
O socialismo pragmático: as reformas do Đổi Mới
Depois da guerra, o Vietnã enfrentou dificuldades severas: escassez de alimentos, isolamento diplomático e a herança de um país devastado. Foi apenas em 1986, com o 6º Congresso do Partido Comunista, que o país lançou as reformas conhecidas como Đổi Mới (“renovação”).
Inspirado em modelos socialistas de mercado como o da China, o Đổi Mới implementou medidas como:
- Descentralização agrícola: substituição do sistema coletivo pelo incentivo à produção familiar com autonomia sobre excedentes.
- Abertura ao capital estrangeiro: criação de zonas econômicas especiais com incentivos fiscais para atrair empresas multinacionais.
- Reforma da propriedade: legalização de pequenas e médias empresas privadas.
- Incentivo à industrialização: foco em exportações e na substituição de importações.
Essas reformas mantiveram o controle estatal sobre áreas estratégicas — como energia, transporte e bancos —, mas permitiram o crescimento acelerado de setores industriais e tecnológicos, com forte integração global.
Avanços sociais sob o governo comunista
As conquistas sociais do Vietnã são frequentemente destacadas por organismos multilaterais como o Banco Mundial e o PNUD como modelo de progresso com inclusão. Entre os avanços mais significativos:
- Educação: a taxa de alfabetização ultrapassa os 95%. O país investe cerca de 20% do orçamento nacional em educação. O desempenho dos alunos vietnamitas em matemática e ciências no Pisa rivaliza com países desenvolvidos.
- Saúde: a expectativa de vida passou de 63 anos (1990) para mais de 75 anos (2023). Programas de vacinação e medicina preventiva são amplamente acessíveis e gratuitos.
- Pobreza: entre 1993 e 2023, a taxa de pobreza extrema caiu de 58% para menos de 2%.
- Desigualdade: o índice de Gini permanece relativamente estável, mesmo com o crescimento da renda per capita.
Segundo o primeiro-ministro Pham Minh Chinh, “a prioridade do Partido e do Estado é garantir que o crescimento econômico seja acompanhado por justiça social e desenvolvimento humano”. Essa abordagem está refletida nos altos índices de aprovação do governo, inclusive entre jovens.
A nova potência asiática
Em 2024, o Vietnã alcançou um crescimento de 7,09% no PIB, com forte desempenho das exportações (US$ 435 bilhões) e investimento estrangeiro direto de mais de US$ 25 bilhões. Gigantes como Samsung, Intel e Foxconn instalaram fábricas no país. Além disso, o Vietnã tem ampliado sua base industrial para áreas de maior valor agregado, como semicondutores e inteligência artificial.
O país também se destaca na transição energética, com investimentos maciços em energia solar e eólica, tornando-se um dos maiores produtores de energia renovável da Ásia.
A política externa vietnamita tem se baseado em uma doutrina de “equilíbrio estratégico”, mantendo relações cordiais tanto com os EUA quanto com a China, além de estreitar laços com parceiros do Sul Global e com o BRICS — bloco ao qual o Vietnã já manifestou interesse em se aproximar.
Impacto duradouro nos Estados Unidos
De outro lado, a derrota no Vietnã teve consequências duradouras na política, cultura e diplomacia dos EUA. Desde os anos 1980, filmes como Platoon, Apocalypse Now e Nascido para Matar buscaram elaborar o trauma coletivo da guerra. Ao mesmo tempo, o Congresso norte-americano passou a exercer mais controle sobre intervenções militares, marcando uma era de contenção após décadas de expansão imperial.
Houve forte desconfiança do público em relação ao governo, ampliada com o escândalo Watergate, que levou a queda do governo Richard Nixon. A “Síndrome do Vietnã” influenciou a política externa americana por décadas, levando os EUA a evitarem envolvimento direto em conflitos semelhantes
No plano geopolítico, a derrota desacelerou a lógica intervencionista e gerou debates intensos sobre os limites do poder militar como instrumento de dominação. Só na década de 1990 os EUA restabeleceram relações diplomáticas com o Vietnã, hoje seu maior parceiro comercial na Ásia depois da China e do Japão.
O triunfo da soberania
Cinquenta anos após o fim da guerra, o Vietnã é mais do que uma lembrança de resistência: é uma potência em ascensão, com um modelo híbrido que une planejamento estatal, pragmatismo econômico e estabilidade política. Seu exemplo demonstra que é possível superar a destruição e o isolamento com soberania, coesão social e estratégia de longo prazo.
A vitória de 1975 não foi apenas militar. Foi, também, a semente de um projeto nacional capaz de inspirar em busca de alternativas ao modelo neoliberal e à dependência externa. Sua trajetória — de colônia francesa a campo de batalha e, agora, potência emergente — serve de inspiração para muitos países do Sul Global que buscam conciliar soberania nacional, desenvolvimento e inclusão.