Dia da Vitória em Moscou exibe novo eixo geopolítico com China e Brasil

Com presença de Xi Jinping, Lula e outros líderes do Sul Global, cerimônia na Praça Vermelha busca reafirmar papel da Rússia na nova ordem multipolar

Cerimônia de celebração dos 80 anos do Dia da Vitória na Segunda Guerra Mundial. Praça Vermelha, Rússia - Moscou. Foto: Ricardo Stuckert / PR

O presidente Vladimir Putin liderou nesta sexta-feira (9) o desfile do Dia da Vitória em Moscou, evento que celebrou os 80 anos do triunfo sobre a Alemanha nazista na Segunda Guerra Mundial. Realizado na Praça Vermelha, o ato reuniu mais de 11 mil militares e marcou a maior exibição militar desde o início da guerra na Ucrânia, em 2022. A cerimônia contou com a presença de chefes de Estado de 27 países, entre eles o presidente da China, Xi Jinping, e o do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva.

Em seu discurso, Putin afirmou que “a verdade e a justiça estão do lado da Rússia” e que o país “não aceitará tentativas de minimizar o papel decisivo da União Soviética na derrota do nazismo”. Ele também elogiou os militares que lutam na Ucrânia e comparou o conflito atual às batalhas de 1941-1945, dizendo que a nação continuará unida “em nome da grandeza e prosperidade da Rússia”.

A presença de Xi Jinping ao lado de Putin simbolizou o fortalecimento da parceria entre China e Rússia. Na véspera do desfile, os dois presidentes divulgaram uma declaração conjunta em que acusam os Estados Unidos de aumentar o risco de guerra nuclear e prometem responder de forma coordenada a ameaças militares, tecnológicas e espaciais.

O presidente Lula, também presente na Praça Vermelha, destacou nas redes sociais que a participação brasileira celebra “a paz e a memória da luta contra o nazifascismo”. Ele escreveu: “Já estou na Rússia para participar das comemorações dos 80 anos do Dia da Vitória, que marcou o fim da Segunda Guerra. Esse dia, que define a vitória contra o nazismo. A vinda à Rússia reafirma nosso compromisso com o multilateralismo. Iremos assinar acordos de cooperação em Ciência e Tecnologia e buscar a ampliação das nossas parcerias comerciais.”

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, e o presidente da China, Xi Jinping, acompanharam juntos a cerimônia que marcou os 80 anos da vitória soviética sobre a Alemanha nazista. Foto: Reprodução

Líderes da África, América Latina e do ex-bloco soviético também marcaram presença, entre eles os presidentes de Cuba, Venezuela, Egito, Belarus, Sérvia e o primeiro-ministro da Eslováquia, Robert Fico – único representante da União Europeia. A lista de convidados serviu de contraponto simbólico à ausência de representantes dos países do Ocidente.

O desfile começou com a tradicional marcha da Guarda de Honra carregando a Bandeira da Vitória, hasteada sobre o Reichstag em 1945. Em seguida, tropas de 13 países aliados cruzaram a Praça Vermelha junto com mais de 180 equipamentos militares. Entre os destaques estiveram tanques T-90, sistemas de mísseis Yars com ogivas nucleares, lançadores Iskander-M e a estreia de uma unidade de drones de combate e reconhecimento.

Ao final, caças Su-25 coloriram o céu com fumaça nas cores da bandeira russa. A participação de 1.500 soldados que lutam na Ucrânia reforçou a narrativa oficial de continuidade histórica entre a Segunda Guerra e o conflito atual.

Vitória de 1945 como conquista do socialismo e do internacionalismo antifascista

Mais do que uma vitória militar, o 9 de Maio de 1945 simboliza o triunfo do socialismo e do internacionalismo proletário sobre a barbárie nazifascista. A União Soviética não apenas suportou o peso principal da guerra na frente oriental — com mais de 25 milhões de mortos — como libertou países do Leste Europeu, apoiou os movimentos de resistência e inspirou uma nova ordem mundial fundada nos princípios da soberania, autodeterminação e solidariedade entre os povos.

Ao derrotar o exército de Hitler, o Exército Vermelho não apenas livrou a Europa da ocupação nazista, mas também pavimentou o caminho para processos de libertação na Ásia, na África e na América Latina. Cuba, Vietnã, China e inúmeros países se beneficiaram da ajuda soviética em momentos cruciais de sua história.

Hoje, diante da tentativa de reescrever esse passado e marginalizar o papel da URSS na derrota do nazismo, a comemoração ganha novo sentido. Ela não é apenas um ato russo, mas um chamado à memória coletiva dos povos do mundo que resistiram ao fascismo — e que continuam a lutar, agora sob novas formas, pela justiça, soberania e paz.

Diplomacia e tensão: trêguas, ataques e recados cruzados

O desfile ocorre em meio a uma trégua unilateral de 72 horas declarada por Moscou para os dias 8, 9 e 10 de maio. A Ucrânia recusou a proposta e alegou falta de garantias.

Durante a parada, Putin evitou mencionar Trump diretamente, mas reforçou que qualquer acordo só será possível com reconhecimento internacional das regiões anexadas pela Rússia e o fim do fornecimento ocidental de armas a Kiev. Xi Jinping, por sua vez, declarou que a China deseja “uma paz justa, duradoura e aceita por todas as partes”, sem detalhar condições.

A celebração dos 80 anos da vitória de 1945 reatualizou, com novos contornos geopolíticos, a memória da guerra como elemento estruturante da identidade russa e como palanque de articulação global para o campo multipolar.

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