China investe R$ 27 bilhões em novos produtos e serviços no Brasil

De aplicativos de entrega a veículos elétricos, empresas chinesas intensificam presença no Brasil com aportes bilionários e integração tecnológica, moldando um novo padrão de consumo e desenvolvimento industrial.

O presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva testa um veículo produzido pelo Great Wall Motor da China, em 12 de maio de 2025.

Pedir comida pelo celular, tomar um bubble tea e chamar um motorista por aplicativo são atividades rotineiras em grandes cidades chinesas. Aos poucos, essas práticas mediadas por apps da China vão se tornando comuns também no Brasil, impulsionadas por um fluxo crescente de investimentos que miram desde o setor de serviços até infraestrutura e energia verde. O movimento, que vai além da exportação de produtos, visa reconfigurar aspectos centrais do cotidiano brasileiro — com base em tecnologias, hábitos e ecossistemas operacionais já consolidados na China.

Por trás dessa transformação estão empresas como Meituan (dona da Keeta), Didi (controladora da 99), Mixue e gigantes industriais como BYD, CGN, Envision e Longsys. Juntas, essas companhias anunciaram investimentos superiores a R$ 27 bilhões no Brasil nos últimos meses. Para especialistas, trata-se de uma “exportação de ecossistemas” que marca uma nova fase da relação sino-brasileira: mais profunda, digitalizada e estruturada.

Delivery, carona e chá de leite: a ascensão dos serviços de estilo chinês

A Meituan, líder global em entregas de refeições, lançou oficialmente seu serviço de delivery Keeta no Brasil com um plano de investir R$ 5,6 bilhões em cinco anos. A meta é construir uma rede nacional de entregas rápidas e oferecer soluções digitais aos restaurantes parceiros. A aposta é competir com o iFood e impulsionar a digitalização de pequenos negócios.

A Didi, que já opera com o app de transporte 99, também relançou seu serviço de entrega 99 Food, criando uma plataforma integrada de mobilidade e logística urbana. A empresa anunciou ainda um investimento de R$ 1 bilhão na instalação de 10 mil pontos de recarga para veículos elétricos, conectando sua estratégia de mobilidade com a transição energética brasileira.

No ramo de bebidas e fast food, a gigante chinesa Mixue — maior rede de refrigerantes de chá e sorvetes do mundo — confirmou sua chegada ao Brasil com um investimento de R$ 3,2 bilhões, devendo gerar 25 mil empregos até 2030. A marca abrirá sua primeira loja no país ainda este ano.

Complementaridade econômica: indústria, energia e tecnologia

A aposta chinesa no Brasil vai muito além do consumo. O país é visto como mercado estratégico e complementar à indústria chinesa. Com uma economia ainda em processo de modernização, mas com base industrial relevante, o Brasil oferece solo fértil para parcerias produtivas e tecnológicas.

Na indústria automotiva, a GWM (Great Wall Motors) investirá R$ 6 bilhões até 2032 na criação de um polo exportador no interior de São Paulo, transformando a antiga fábrica da Mercedes-Benz em Iracemápolis em uma base para atender a América Latina.

Na transição energética, o Brasil surge como parceiro ideal para empresas como Envision, CGN e Powerchina. A Envision anunciou a construção do primeiro Parque Industrial Net-Zero da América Latina com um aporte de R$ 5 bilhões, enquanto a CGN aportará R$ 3 bilhões em projetos de energia renovável no Piauí.

Além disso, o setor de semicondutores também entrou no radar chinês. A Longsys investirá R$ 650 milhões na produção local de chips e soluções de memória para impulsionar a expansão da Internet das Coisas (IoT) e dispositivos inteligentes no país.

Por que o Brasil? Tamanho, juventude e conectividade

Com mais de 200 milhões de habitantes, dos quais cerca de 70% estão na faixa etária ativa (15-64 anos), o Brasil é o maior mercado consumidor da América Latina. Em 2024, o PIB per capita chegou a US$ 10 mil, e a penetração da internet atingiu 86,2%, com uso médio diário de smartphones superando cinco horas.

Esses dados chamam a atenção das empresas chinesas, que dominam o uso de algoritmos, redes logísticas e ferramentas digitais. Com relações diplomáticas favoráveis e afinidade com a agenda ambiental e de inovação do Brasil, a China enxerga o país como base para liderar a transformação digital na América Latina.

Co-criação e interdependência: um novo paradigma de globalização

Especialistas ressaltam que a internacionalização das empresas chinesas não significa simplesmente replicar o modelo chinês no exterior. O objetivo é “co-criar” soluções que combinem expertise tecnológica chinesa com as especificidades do mercado local.

Para Bai Ming, pesquisador da Academia Chinesa de Comércio Internacional, a aliança Brasil-China pode impulsionar não apenas os dois países, mas também promover um novo tipo de globalização, baseada em interdependência produtiva e desenvolvimento sustentável. Esse novo paradigma se expressa tanto na modernização da infraestrutura industrial quanto no surgimento de novos hábitos de consumo, como o crescimento dos chás de leite, a digitalização de restaurantes e a popularização dos veículos elétricos.

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