Cristina Kirchner lança candidatura anti-Milei e desafia perseguição
Ex-presidente anuncia que será candidata a deputada pela Grande Buenos Aires e volta ao centro do cenário nacional enquanto cresce pressão para que a Suprema Corte confirme sua condenação antes do prazo eleitoral
Publicado 03/06/2025 17:03 | Editado 04/06/2025 17:10

A ex-presidenta Cristina Fernández de Kirchner voltou ao epicentro da política argentina com um anúncio contundente e milimetricamente calculado: será candidata a deputada provincial pela terceira seção eleitoral da província de Buenos Aires, região mais populosa e estratégica do país. O pronunciamento, feito durante entrevista ao vivo no programa Minuto Uno do canal C5N, rompeu a rotina televisiva da noite argentina e superou os canais abertos em audiência, marcando picos de 8 pontos segundo o Ibope.
A ex-presidente — que já foi primeira-dama, senadora, chefe de Estado por dois mandatos e vice-presidente — reafirmou sua aposta em “colocar o projeto coletivo acima do pessoal”, justificando sua candidatura como parte de uma estratégia eleitoral para garantir um bom desempenho peronista nas eleições de outubro. “A única possibilidade do peronismo fazer uma boa escolha é ter um bom resultado na província de Buenos Aires. É uma questão de bom senso”, argumentou.
O primeiro spot de campanha divulgado nesta terça-feira reforça a narrativa do retorno: “Onde Milei corta, Cristina protege; onde ele destrói, ela reconstrói”. A peça publicitária lança mão de imagens de luta e esperança para contrastar o atual governo e resgatar o papel da ex-presidenta como referência popular diante da crise social e econômica.
Reações e efeitos: impacto nacional e sinais de unidade
A reentrada de Cristina no tabuleiro eleitoral reverberou com força entre aliados e adversários. De um lado, setores do peronismo enxergam o movimento como um catalisador para a necessária unidade entre as forças fragmentadas da oposição. De outro, críticas surgem sobre a natureza do cargo disputado — vista como “menor” para alguém com sua trajetória.
Cristina respondeu sem hesitar: “A política não é uma escala. Você tem que estar onde mais serve. Capitanich foi duas vezes governador, chefe de gabinete e depois prefeito de Resistência. Deixemos os egos de lado”.
Sem mencionar nomes, Cristina lançou pontes com Axel Kicillof e também sinalizou esperança de que Sergio Massa dispute pela Primeira Seção, consolidando o esforço de unidade no peronismo. Segundo ela, “não é que a unidade garante a vitória, mas se você está dividido, é certo que perde”.
Na entrevista, Cristina também anunciou sua ida a Corrientes para apoiar a candidatura de Martín “Tincho” Ascúa ao governo, destacando a importância de frentes amplas como a formada com a Frente Renovadora local.
Perseguição judicial como pano de fundo
A reentrada de Cristina no jogo político ocorre sob uma ofensiva cada vez mais explícita do aparato judicial e midiático para retirá-la da disputa. Nos últimos dias, editoriais de grandes meios de comunicação e declarações do ministro da Justiça, Mariano Cúneo Libarona, alimentaram especulações sobre a iminente decisão da Suprema Corte no caso Vialidad — processo em que Cristina foi condenada a seis anos de prisão por suposta corrupção em contratos de obras públicas durante seu governo.
Embora o caso ainda esteja na Secretaria Penal da Corte e sequer tenha começado a circular entre os ministros, cresce a pressão para que a decisão seja emitida antes de 19 de julho, prazo final para registro de candidaturas nas eleições de Buenos Aires. Se condenada antes disso, Cristina ficaria inabilitada. Caso contrário, poderá concorrer e usufruir de foro privilegiado, o que dificultaria qualquer tentativa de prisão ou inabilitação posterior.
Cristina, por sua vez, voltou a denunciar o “lawfare” contra ela e reiterou: “Não vou submeter minhas decisões políticas ao que o Judiciário fizer”. Classificou a Suprema Corte como “guarda pretoriana de uma ordem econômica injusta” e criticou o uso seletivo da Justiça como ferramenta de exclusão política — em uma referência clara às experiências de Lula no Brasil, Rafael Correa no Equador e Evo Morales na Bolívia.
Entre o passado e o presente: a crítica ao governo Milei
Durante a entrevista, Cristina teceu duras críticas à gestão de Javier Milei, a quem classificou como “um marginal da política” a serviço dos grandes grupos econômicos. Denunciou a política fiscal e monetária como sustentada por endividamento externo, defendeu o fortalecimento do Estado e criticou medidas que considera de “liberdade para os ricos, repressão para os pobres”.
Com um discurso que combinou memória e atualidade, fez menções emocionadas a Néstor Kirchner, elogiou o Papa Francisco e criticou o fechamento da feira La Salada como exemplo da “hipocrisia neoliberal”. Também se solidarizou com protestos de médicos e com o ataque virtual contra uma criança com autismo, citando-os como símbolos da crueldade social do atual governo. Todos temas que suscitam paixões nas redes sociais nos últimos dias.
A batalha final: cronograma judicial e estratégia política
Com o relógio eleitoral correndo, o destino da candidatura de Cristina Fernández de Kirchner repousa nas mãos da Suprema Corte. A questão da recusa do ministro Ricardo Lorenzetti — acusado de parcialidade — ainda está pendente. Só depois de resolvido esse impasse, o parecer da Secretaria Penal poderá ser convertido em decisão formal.
Se a Corte agir antes de 19 de julho e confirmar a condenação, Cristina ficaria impedida de se candidatar. Se a decisão for adiada, ela poderá registrar sua candidatura, concorrer, e assumir o mandato caso eleita — tornando sua prisão juridicamente mais complexa e politicamente explosiva.
Nesse embate entre justiça e política, Cristina aposta no tempo, na mobilização e na força de sua imagem. “Morta ou presa”, sintetizou, com ironia e desafio, a forma como acredita ser tratada por seus adversários. Mas, com o slogan “o velho funciona”, aposta que sua experiência, resiliência e simbolismo ainda têm peso suficiente para reverter os ventos da história.
A disputa eleitoral de 2025 na Argentina já começou — e, mais uma vez, Cristina Kirchner está no centro dela.