Emergência climática: o papel da engenharia e o desafio da transformação ecológica

Ao abraçar os princípios da sustentabilidade e investir em inovação, o Brasil responde aos desafios internos e reforça sua contribuição para um planeta mais equilibrado.

Foto: Leopoldo Silva/Agencia Senado

A emergência climática está cada vez mais explícita. Estamos sofrendo suas consequências que são cada vez mais intensas. Em 2024 tivemos um dos anos mais quentes da história do planeta, e pela primeira vez ultrapassamos o 1,5ºC médio de aquecimento do planeta em relação ao período industrial

A temperatura média global foi de 15,10°C, ou 0,72°C acima da média de 1991-2020. O número também foi 0,12°C acima do nível de 2023 (o ano mais quente registrado anteriormente), de acordo com dados do ERA5, que é a quinta geração da reanálise atmosférica do clima global do Centro Europeu de Previsões Meteorológicas de Médio Prazo (ECMWF), instituição de pesquisa independente apoiada por países da Europa.

Estamos ultrapassando o 1,5ºC definido no Acordo de Paris, e a média dos dois últimos anos já está acima desse nível, segundo o Instituto Copernicus.

Podemos sentir isso no Brasil, com as inundações extremas que atingiram o Rio Grande do Sul em 2023 e 2024, devastando grande parte do Estado. Agricultura, cidades e a infraestrutura, inclusive de logística e comunicações. Os dois data centers estaduais foram inundados causando dificuldades inclusive para a gestão da emergência. Os efeitos são sentidos até hoje e o RS está em reconstrução.

Incêndios em todo o Brasil e no Estado de São Paulo colocando em perigo as cidades e causando uma situação de poluição do ar crítica para a cidade de São Paulo. A Amazônia brasileira sofreu a maior seca dos últimos anos.

Com muita frequência, as cidades e o campo apresentam qualidade do ar irrespirável, pela poluição urbana, incêndios florestais e eventos climáticos extremos, sendo os segmentos sociais vulneráveis os mais afetados.

Nossa cidade São Paulo teve uma chuva de 125 mm em duas horas em 24 de janeiro deste ano, que causou praticamente o colapso da infraestrutura rodoviária e inundações em vários bairros na véspera do aniversário da cidade. Demonstrou que são urgentes a prevenção e o preparo das cidades para enfrentar os impactos desses extremos climáticos.

Também se destaca o papel do gerenciamento das crises com o reforço ao sistema defesa civil, e do monitoramento e do planejamento do que fazer antes, durante e após os eventos. Planos de emergência, avisos etc. Preparação dos cidadãos e dos profissionais com sua capacitação – capacitação na BAT com a Cetesb e a PPA. Capacitações em adaptação climática e atualização dos profissionais para os riscos e impactos climáticos, e criar medidas de Adaptação.

O que fazer e como a engenharia pode contribuir ante esse estado de emergência climática? Como enfrentar os impactos dos riscos climáticos?

No plano legal, temos a Lei nº 14.904, de 27 de junho de 2024, que estabelece as diretrizes para a elaboração de planos de adaptação à mudança do clima, com o objetivo de implementar medidas para reduzir a vulnerabilidade e a exposição a riscos dos sistemas ambiental, social, econômico e de infraestrutura diante dos efeitos adversos atuais e esperados.

Várias cidades já estão fazendo seus planos. Já é possível encontrar planos de adaptação climática em Santos, São Paulo, Recife, Rio de Janeiro.

Um aspecto central dos efeitos é a vulnerabilidade da infraestrutura urbana e da logística das cidades.

Por exemplo, em São Paulo, até o Metrô não resistiu, tendo inundadas algumas estações. Colapso das estruturas de drenagem mal projetadas. Por exemplo, os piscinões são projetados para enfrentar 85 mm de chuva em duas horas. Subdimensionamento das canalizações.

Outro aspecto é que ampliar a resiliência das cidades para enfrentar esses desafios e minimizar os impactos é fundamental.

Parques, áreas verdes, áreas permeáveis e toda uma gama de soluções baseadas na natureza: para enfrentar a vulnerabilidade das cidades aos riscos decorrentes das mudanças climáticas, estratégias de adaptação climática estão sendo colocadas em prática e, nesse contexto, temos como uma grande temática de abordagem as Soluções baseadas na Natureza (SbN).

A engenharia contribuiu e tem potencial para fazer muito mais para a superação desse quadro socioambiental crítico, por meio da inovação tecnológica, aliada à ciência, mas sobretudo com o engajamento nos esforços à adequação das políticas públicas e legítima transformação do atual modelo socioeconômico, rumo a um modelo inclusivo, justo e sustentável.

Soluções de mitigação e adaptação criadas pela engenharia e novas tecnologias que já são usuais e podem ser aplicadas de forma generalizada em políticas públicas inclusivas, porém, dependem da tomada de decisões políticas, empresariais e da própria evolução da engenharia:

1. A mudança tecnológica da atual matriz energética com a adoção de fontes de energia fotovoltaicas.
2. Eletrificação e substituição de combustíveis fósseis. A troca da frota de veículos movidos por combustíveis fósseis por veículos elétricos.
3. A coleta e tratamento de resíduos sólidos de forma seletiva. Universalização da coleta seletiva e reciclagem, com tratamento exclusivo em aterros sanitários e coleta dos gases emitidos.
4. A adesão à agricultura orgânica, pelo seu baixo impacto ambiental e econômico, que produz alimentos saudáveis, além de ser mais inclusiva.
5. A engenharia florestal desempenha um papel vital pela complexidade do manejo florestal, especialmente no enfrentamento aos deslizamentos e incêndios florestais devastadores.
6. É fundamental a conectividade entre engenharia, ciência, pesquisa e inovação.

O atual sistema socioeconômico é insustentável em todas as suas dimensões; a adaptação ao novo normal climático só será viável com a total mudança desse modelo, em que todas as dimensões do desenvolvimento tenham como base valores essenciais como a democracia, a inclusão social, a conservação dos ecossistemas e o enfrentamento e adaptação às graves consequências do aquecimento climático.

Em outras palavras, ampliar a sustentabilidade e a resiliência urbana, com a definição de medidas de recuperação dos serviços ecossistêmicos nas cidades em Planos Diretores e na Política Urbana e Ambiental Municipal.

Assim, as ações, estratégias e planos de adaptação e de ampliação da resiliência devem ser definidos conjuntamente, para a redução do risco climático e para a sustentabilidade das cidades, criando uma base para orientar a recuperação ambiental das cidades com aplicação de SbN e em especial de AbE.

Propostas para o futuro com políticas de conservação e adaptação climática

Cenário sem políticas de conservação: a destruição de ecossistemas próximos às cidades pode levar à redução de serviços ambientais essenciais, como purificação da água e controle de enchentes, forçando gastos com soluções artificiais. Impacto: segundo o WWF, a substituição de serviços ambientais por infraestrutura artificial pode custar 10 a 20 vezes mais a longo prazo.

Estudos mostram que cada real investido em sustentabilidade pode evitar de R$ 3 a R$ 5 em custos futuros relacionados a desastres naturais, saúde pública e infraestrutura urbana.

Em cidades que não promovem a coleta seletiva e o reaproveitamento de resíduos, o custo do manejo de lixo pode ser 30% a 50% maior devido à necessidade de ampliação de aterros sanitários e transporte de resíduos para áreas distantes. Impacto: estimativas indicam que a cada tonelada de resíduo enviada a aterros sem tratamento adequado, o custo médio adicional pode chegar a R$ 200,00 por tonelada, considerando transporte, operação e o impacto ambiental.

A ausência de políticas para drenagem urbana sustentável e proteção de áreas de mananciais pode elevar os custos associados a enchentes, que incluem infraestrutura danificada, prejuízos à economia local e desvalorização imobiliária. Impacto: no Brasil, os custos de reconstrução e reparo ap\u00f3s eventos de enchente chegam a R$ 3,6 bilhões ao ano, segundo relatório do Banco Mundial (2020).

Poluição do ar e saúde pública. Cenário sem políticas de controle: em cidades com elevados níveis de emissões veiculares e industriais, a poluição do ar causa problemas de saúde, aumentando os custos com internações e tratamentos. Impacto: segundo a OMS (2021), os custos com saúde relacionados à poluição do ar urbano podem ultrapassar 2% do PIB anual de um país. Brasil: estima-se que a mortalidade precoce associada à poluição do ar gera custos indiretos de mais de R$ 15 bilhões por ano.

Consumo ineficiente de energia. Cenário sem eficiência energética: sem investimentos em infraestrutura e energia renovável, as cidades enfrentam maior dependência de combustíveis fósseis, elevando os custos energéticos. Impacto: edifícios urbanos ineficientes podem gastar 20% a 30% mais energia, gerando um custo adicional estimado em R$ 20 bilhões anuais no Brasil, apenas no setor residencial e comercial.

Degradação e perda de áreas verdes. Cenário sem preservação: a destruição de parques urbanos e áreas verdes para expansões desordenadas reduz a qualidade de vida e gera custos indiretos, como aumento da temperatura urbana e problemas de saúde mental. Impacto: estudos indicam que a falta de áreas verdes pode aumentar os custos com resfriamento urbano em R$ 4 bilhões anuais, devido à maior demanda por energia para sistemas de ar-condicionado.

Transporte ineficiente e emissões de carbono. Cenário sem transporte público sustentável: a dependência de automóveis em detrimento de sistemas de transporte coletivo resulta em congestionamentos que elevam o custo do tempo perdido e o consumo de combustíveis. Impacto: segundo a FGV (2022), os congestionamentos em grandes cidades brasileiras geram perdas econômicas de R$ 100 bilhões por ano, sendo mais de 50% evitáveis com políticas de mobilidade urbana sustentáveis.

Perda de capital natural e biodiversidade. Cenário sem políticas de conservação: a destruição de ecossistemas próximos às cidades pode levar à redução de serviços ambientais essenciais, como purificação da água e controle de enchentes, forçando gastos com soluções artificiais. Impacto: segundo o WWF, a substituição de serviços ambientais por infraestrutura artificial pode custar 10 a 20 vezes mais a longo prazo.

Investimento necessário para avançar no Plano Nacional de Sustentabilidade: para o Brasil consolidar uma economia mais sustentável, são necessários investimentos significativos em áreas-chave, como energia renovável, gestão de resíduos, infraestrutura verde, mobilidade urbana sustentável e preservação ambiental.

Transição energética: R$ 1,5 trilhão até 2050. A matriz energética brasileira já é predominantemente renovável, mas o País precisa expandir e diversificar sua capacidade para atender ao aumento da demanda energética de forma sustentável.

Necessidades: expansão da energia solar e eólica: R$ 600 bilhões. Investimentos em hidrogênio verde: R$ 400 bilhões. Modernização da rede elétrica e sistemas de armazenamento: R$ 200 bilhões.

Impacto esperado: redução de emissões de carbono em até 70% no setor energético, com a criação de cerca de 2 milhões de empregos diretos e indiretos.

Investir em infraestrutura verde nas cidades é essencial para mitigar os efeitos das mudanças climáticas e promover a resiliência urbana em sistemas de drenagem sustentável e combate a enchentes: R$ 120 bilhões. Expansão de parques urbanos e áreas verdes: R$ 80 bilhões. Telhados verdes e infraestrutura sustentável em edifícios: R$ 60 bilhões. O impacto esperado desses investimentos seria na redução de danos causados por desastres naturais e melhoria da qualidade de vida para cerca de 70% da população urbana brasileira.

Para consolidar a contribuição da engenharia brasileira à sustentabilidade planetária, propõe-se:

1. Investimento em pesquisa e desenvolvimento (P&D): ampliação de investimentos em tecnologias sustentáveis, com ênfase em materiais alternativos e processos produtivos menos poluentes.
2. Educação para sustentabilidade: reformulação curricular nos cursos de engenharia, inserindo disciplinas que abordem ações sustentáveis, economia circular e ética ambiental.
3. Fortalecimento de políticas públicas: estímulo a marcos regulatórios que incentivem a construção de infraestrutura resiliente e a redução de emissões de carbono.
4. Parcerias internacionais: colaborações com outros países em projetos multilaterais de pesquisa e desenvolvimento, alavancando a posição do Brasil como líder global em sustentabilidade.

A engenharia brasileira está em uma encruzilhada histórica. Ao abraçar os princípios da sustentabilidade e investir em inovação, o Brasil não apenas responde aos desafios internos, mas também reforça sua contribuição para um planeta mais equilibrado. Como afirmou Elkington, em sua teoria do Triple Bottom Line, o futuro pertence àqueles que conseguem alinhar lucro, pessoas e planeta.

A engenharia brasileira pode, e deve, ser um exemplo desse alinhamento, transformando desafios em oportunidades e contribuindo significativamente para a sustentabilidade global. Essa é a proposta de criação do Fórum Nacional de Engenharia, lançado nesta segunda, dia 2, no Clube de Engenharia no Rio de Janeiro. Sem uma engenharia brasileira forte não haverá desenvolvimento sustentável do País.

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Publicado originalmente no Jornal da USP

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