Em Paris, Lula recebe homenagem e critica extrema direita

A prefeita de Paris Anne Hidalgo chamou Lula de “encarnação da esperança” e prestou homenagem à sua trajetória política.

Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, durante encontro com a comunidade brasileira. Prefeitura de Paris, Paris - França. Foto: Ricardo Stuckert / PR

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi agraciado com o título de cidadão de honra da cidade de Paris durante um evento solene na prefeitura da capital francesa. A homenagem, promovida pela prefeita socialista Anne Hidalgo, reconheceu a trajetória política de Lula, seu papel no combate às desigualdades e sua resistência frente aos desafios políticos no Brasil. Lula agradeceu a distinção e afirmou que ela simboliza “o reconhecimento da cidade-luz à luta por um mundo mais justo”.

Lula descerrou uma placa inaugurando uma “floresta urbana” na esplanada diante da sede do governo da capital francesa. A obra ainda está incompleta, e a abertura deveria acontecer apenas no mês que vem, mas foi antecipada para que Lula pudesse ser homenageado com seu nome na placa inaugural. Anne afirmou que viajará ao Brasil para a COP 30. “Estarei a seu lado em novembro para ver, eu espero, o Acordo de Belém ser fechado.”

“Lenda viva”

Anne Hidalgo, prefeita de Paris, proferiu uma declaração em defesa dos valores democráticos e humanistas encarnados por Lula. Ela destacou a forma como o presidente resistiu ao período de prisão injusta e retornou ao poder com força renovada. Hidalgo classificou Lula não apenas como “o grande presidente de um grande país”, mas como “a lenda viva de um país lendário”.

Em sua “declaração de amor de Paris para Brasília”, a prefeita parisiense exaltou a coragem e o humanismo do presidente brasileiro, cuja força, segundo ela, reside na “indignação perante a miséria” e na “recusa da injustiça”. Hidalgo relembrou a dedicação de Lula aos mais humildes e a sua luta para dar voz aos “esquecidos da história”.

A prefeita também destacou as “reformas propriamente revolucionárias” dos governos Lula, que tiraram “tantos brasileiros da pobreza, da fome e que salvaram vidas”. Entre os exemplos, citou o combate ao desmatamento da Amazônia, ressaltando o respeito às populações indígenas e a urgência de financiamento dos países do Norte para o Sul para conter o aquecimento global.

“Senhor Presidente, o senhor é a encarnação da esperança, a esperança que ainda brilha quando tudo parece estar perdido”, disse Hidalgo. “Paris ama Lula. O senhor é uma lenda viva de um país lendário.”

Ela também fez referência ao papel de Lula na luta global contra a fome e pelo desenvolvimento sustentável, especialmente com a realização da COP30, que será sediada em Belém, no Pará, em novembro deste ano. Hidalgo expressou a esperança de que a próxima COP emende com o Acordo de Paris e traga soluções concretas para a humanidade.

Riscos à democracia

O presidente criticou o crescimento da “extrema-direita nazista e fascista” no mundo, e alertou que há o risco de retrocessos caso a democracia não seja “levada muito a sério”. Lula mais de uma vez fez um alerta diante da atual conjuntura no mundo, dizendo que parece às vezes estar “enxugando gelo” e que “a luta para conquistar as coisas é muito complicada”.

“Há uma corrente no mundo de uma extrema-direita nazista, fascista, que nega as instituições… e isso está ganhando corpo em muitos países”, afirmou o presidente. “Se a gente não tomar cuidado, não levar a democracia muito a sério, a gente está arriscado a perder tudo que a gente construiu depois da 2ª Guerra”, continuou.

Lula criticou duramente a política de destruição de ministérios e a negação da ciência durante o governo anterior, que, segundo ele, resultou em mais de 700 mil mortes por Covid-19 no Brasil.

Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, durante reunião com a Prefeita de Paris, Anne Hidalgo, e inauguração da floresta urbana da prefeitura de Paris. Prefeitura de Paris, Paris – França. Foto: Ricardo Stuckert / PR

Lula reafirma compromisso de erradicar a fome no Brasil

Lula reafirmou seu compromisso com a democracia, que lhe permitiu ser o único brasileiro com três mandatos de presidência eleito diretamente pelo povo. Ele se disse orgulhoso de lutar contra todas as formas de desigualdade: financeira, econômica, de gênero, racial e na educação.

Ao se dirigir à comunidade brasileira presente no evento — cerca de 90 mil pessoas vivem na França segundo dados do Ministério das Relações Exteriores —, Lula reafirmou seu compromisso de tirar todos os brasileiros da linha da pobreza e da insegurança alimentar.

“Quando assumi o governo em 2003, tínhamos 45 milhões de pessoas passando fome. Em 2012, o Brasil saiu do mapa da fome da ONU. Quando voltei à presidência, em 2023, havia 33 milhões novamente na miséria. Até o final de 2026, não teremos mais ninguém passando fome no meu país”, declarou.

O presidente expressou sua indignação com os 2,7 trilhões de dólares gastos em armas globalmente, enquanto 733 milhões de seres humanos passam fome em um mundo que produz alimentos suficientes para todos. Ele criticou a falta de solidariedade com países como o Haiti, que sofrem com a pobreza e a instabilidade.

O presidente também falou sobre o legado de programas sociais como o Bolsa Família e o SUS, lembrando que “só o Estado pode garantir igualdade de oportunidades para todos os brasileiros”.

Finalizando, Lula reiterou sua obsessão pela educação, lembrando que, apesar de não ter diploma universitário, foi o presidente que mais criou universidades e institutos federais no Brasil. Ele celebrou a democratização do acesso às universidades brasileiras, como a USP, que hoje tem “mais de 50% de gente da periferia, negros e pardos”. O presidente concluiu com uma mensagem de esperança, enfatizando a importância da independência, especialmente para as mulheres, e a crença inabalável de que “a única coisa impossível é Deus pecar, o resto a gente pode tudo”.

Apelo pela Amazônia e financiamento para proteger florestas

Na ocasião, Lula voltou a defender ações conjuntas entre países ricos e pobres para conter o avanço do desmatamento na Amazônia e outras florestas tropicais. Ele cobrou que as nações industrializadas assumam responsabilidade histórica pelas emissões de gases poluentes e ajudem financeiramente os países que mantêm florestas intactas.

“Precisamos juntar os países que ainda têm florestas — América do Sul, Congo e Indonésia — e receber apoio dos países desenvolvidos que poluíram demais. Eles têm dívida climática com o planeta”, afirmou.

O presidente lembrou que a COP30, em Belém, será palco de discussões fundamentais para o futuro do clima mundial: “É hora de transformar palavras em ações concretas. Não podemos continuar sacrificando o meio ambiente em nome do lucro”.

Cerimônia marcada por homenagens culturais

Além do discurso político, o evento contou com momentos culturais. A ministra da Cultura e cantora baiana Margareth Menezes surpreendeu o público com uma apresentação ao vivo da música Coração de Estudante , escolhida por Lula como símbolo da esperança e da juventude brasileira.

A prefeita Anne Hidalgo também destacou a importância da cultura nas relações entre Brasil e França, afirmando que “a arte une povos e constrói pontes entre civilizações”.

A visita de Lula a Paris reforçou a posição do Brasil como um ator relevante nas questões globais, seja na luta contra a fome, na defesa do meio ambiente ou na promoção da justiça social. Com o título de cidadão de honra da cidade mais romântica do mundo, Lula sai fortalecido para enfrentar os desafios internos e externos que marcam seu segundo mandato.

Como disse Anne Hidalgo: “Não há maior prova de amor do que compartilhar sonhos e ideais. Paris abraça Lula como um de seus filhos honorários, porque ele representa o melhor da humanidade.”

Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, durante encontro com a comunidade brasileira. Prefeitura de Paris, Paris – França. Foto: Ricardo Stuckert / PR

Sebastião Salgado e Eunice Paiva

A cerimônia contou com a presença de autoridades francesas, representantes da comunidade brasileira residente na França e familiares do presidente, uma plateia de 600 convidados. O evento reuniu personalidades brasileiras na França, como a designer Lélia Salgado, esposa do fotógrafo Sebastião Salgado, morto há duas semanas, e uma plateia de brasileiros que vivem na França.

No evento, Lula abraçou Lélia Salgado. “É uma pena que Sebastião não esteja, porque ele era tão feliz cada vez que via Lula. O senhor foi o melhor presidente que o Brasil já teve”, discursou Lélia, que vive em Paris.

O presidente também saudou Nalu Paiva, filha do deputado cassado e morto pela ditadura Rubens Paiva. “O filme de Walter Salles mostrou para a juventude brasileira o que aconteceu. Não podemos deixar de votar, pois a democracia está sempre em perigo. O voto é o nosso maior instrumento. Temos que resistir sempre. Venho falar em nome do que escreveu meu irmão”, declarou Nalu, radicada em Paris, referindo-se ao livro “Ainda Estou Aqui”, de Marcelo Rubens Paiva, que originou o filme homônimo vencedor do Oscar de melhor obra estrangeira.

Com bom humor, Lula destacou o sucesso da cultura brasileira no cenário internacional, com prêmios em Hollywood e Cannes, e brincou que o Brasil “não é mais do terceiro mundo, o Brasil agora é do Sul Global”.

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