Milei sufoca argentinos gerando inadimplência e calotes corporativos
No desespero para conter inflação, política de austeridade provoca colapso do crédito e sufoca famílias e empresas; tensão aumenta às vésperas das eleições legislativas
Publicado 06/06/2025 16:09 | Editado 06/06/2025 16:51

A política de choque fiscal promovida por Javier Milei — marcada por cortes agressivos em gastos públicos, fim de subsídios e liberalização cambial — começa a mostrar o que o mercado financeiro considera “seus efeitos colaterais mais graves”: uma crescente onda de inadimplência no sistema financeiro e a multiplicação de calotes entre empresas.
Segundo dados do Banco Central da Argentina compilados pela Bloomberg, os encargos com dívidas incobráveis atingiram o maior patamar em cinco anos, quando comparados ao total de ativos bancários. Em março, a inadimplência dos cartões de crédito chegou a 2,8%, o maior índice desde 2021, enquanto os empréstimos pessoais em atraso subiram para 4,1%, pior nível em nove meses.
As famílias, pressionadas por salários estagnados e uma inflação ainda em torno de 50% ao ano, lutam para manter suas finanças em dia. Em abril, foram mais de 64 mil cheques devolvidos por falta de fundos, maior número desde a pandemia, com uma taxa de rejeição de 1,3% — quase o dobro da média dos Estados Unidos no ano passado.
Empresas fragilizadas: colapso do crédito e retração do consumo
No setor corporativo, a situação também se agrava. Indústrias, varejistas, construtoras e exportadoras estão sendo duplamente atingidas: pela retração do consumo interno e pela perda de acesso ao mercado de capitais, que antes era lucrativo em função dos controles cambiais. Agora, com o fim das restrições, investidores locais preferem dolarizar suas carteiras, e empresas enfrentam mais dificuldades para captar recursos.
Esse cenário levou a uma série de calotes emblemáticos. A Albanesi SA, do setor energético, deixou de pagar US$ 19,5 milhões em juros de um título emitido há apenas seis meses. A Celulosa Argentina SA alertou para risco de default, enquanto a San Miguel AGICI, do setor cítrico, anulou sua última emissão de dívida. A Petrolera Aconcagua Energía SA, que tentou captar US$ 250 milhões no exterior, enfrentou baixa demanda.
Esses episódios não se limitam a um setor específico, mas evidenciam uma fragilidade sistêmica crescente. Empresas que antes lucravam com arbitragem cambial e financiamentos subsidiados agora enfrentam juros elevados e margens comprimidas. Algumas, como Grupo Los Grobo, Agrofina e Red Surcos, acumulam inadimplência estimada em centenas de milhões de dólares.
Investidores cautelosos e inadimplência crescente elevam risco político
Com a aproximação das eleições legislativas de outubro, a escalada da inadimplência torna-se um indicador preocupante para a estabilidade política do governo Milei. A reação das urnas servirá como termômetro da aceitação popular às políticas de austeridade. Até aqui, a estratégia tem sido clara: estabilizar a inflação a qualquer custo, mesmo com salários reais em queda e retração econômica.
“É uma luz amarela. A cobrança de crédito está ficando mais difícil”, alerta Gastón Rossi, diretor do Banco Ciudad de Buenos Aires, ao Infobae. “O governo escolheu combater a inflação rapidamente, mesmo sabendo que isso traria estagnação de rendimentos e maior risco social”.
A agência Moody’s, atenta à deterioração do ambiente corporativo, rebaixou recentemente a nota da Celulosa Argentina, citando a valorização do peso e a perda de competitividade das exportações. O diagnóstico é claro: a crise de crédito já ultrapassou a esfera financeira e contamina toda a cadeia produtiva.
O dilema de Milei: estabilizar ou estimular?
O governo Milei enfrenta agora um dilema que vai além da ortodoxia fiscal. Persistir no ajuste ou dar fôlego à economia com algum estímulo seletivo? O tempo joga contra: o eleitorado empobrece e o apoio político pode evaporar.
A estratégia atual — desregulamentação abrupta, choque cambial, cortes generalizados — trouxe algum alívio nos índices inflacionários, mas à custa de um crescimento cada vez mais improvável e de uma espiral de endividamento tóxico.
Em meio a esse cenário, a Argentina caminha para outubro com ares de plebiscito: ou ratifica a cartilha de Milei, ou impõe um freio político à sua agenda. Enquanto isso, famílias e empresas já sentem no bolso o peso do receituário ultraliberal — e o país, mais uma vez, se equilibra no fio da navalha.