Trump agrava divisão nos EUA com confrontos violentos contra imigrantes
Operações de deportação em massa, envio da Guarda Nacional a Los Angeles e repressão violenta a protestos marcam uma escalada sem precedentes de ruptura do governo Trump com os direitos constitucionais dos EUA.
Publicado 09/06/2025 16:20 | Editado 09/06/2025 17:44

A escalada de confrontos entre as políticas anti-imigração de Donald Trump e as populações de imigrantes na Califórnia, desde sexta-feira (6), revela uma estratégia presidencial focada em confronto político, que vai tornando transparente a ruptura de limites do presidente com a constitucionalidade dos Estados Unidos . Ao priorizar uma retórica anti-imigrante sobre segurança pública, alegando que as ações visam “proteger norte-americanos”, Trump prejudica tanto imigrantes quanto residentes locais, consolidando um ambiente de ódio difícil de reverter no curto prazo.
Os três dias de conflito em Los Angeles não são apenas um episódio isolado, mas parte de uma agenda mais ampla de polarização e repressão. Enquanto Trump busca afirmar uma imagem de “lei e ordem”, o país testemunha uma batalha que coloca em xeque valores da democracia dos EUA: federalismo, direitos humanos e separação de poderes. O efeito mais visível que fica é a ruptura com a “lei e a ordem”, com uma polarização cada vez mais violenta entre o suprematismo branco dos republicanos e o clima de terror instaurado contra populações não brancas e estrangeiras.
A abordagem de Trump na Califórnia — marcada por ameaças de cortes de financiamento federal, federalização da Guarda Nacional e operações de deportação em massa — revela uma visão de governo baseada em conflito, não em soluções. Ao transformar imigrantes em inimigos políticos e estados em adversários, ele não apenas agrava divisões nacionais, mas também compromete a coesão social e institucional.
Os democratas assistem impassíveis, capitalizando a crise em silêncio, enquanto Trump vai queimando suas fichas sem obter uma agenda positiva para seus eleitores. Para entender esse cenário deflagrado no fim de semana, é preciso lembrar a escalada de eventos que começa com a explosão de revolta de trabalhadores da indústria e comércio têxtil perseguidos em seus ambientes de trabalho em Los Angeles, que levou Trump a ignorar o governador e enviar tropas federais para reprimir as manifestações, num gesto inédito. Trump ainda sugeriu ameaças contra a governança local dos democratas.
Dia 1: Operações da ICE desencadeiam revolta
Na sexta-feira (6), agentes do Serviço de Imigração e Alfândega (ICE) realizaram batidas em fábricas do distrito de vestuário no centro de Los Angeles, prendendo dezenas de imigrantes indocumentados. A ação, parte de uma campanha ampliada para aumentar deportações diárias, gerou protestos imediatos. Centenas de manifestantes se reuniram em frente ao Prédio Federal onde trabalhadores imigrantes são presos e tratados como bandidos perigosos, exigindo o fim das operações.
A polícia usou gás pimenta para dispersar a multidão, resultando em mais de cem prisões, incluindo David Huerta, líder sindical que bloqueou veículos da ICE. A prisão de Huerta pretende ter um caráter simbólico. Hospitalizado após confrontos, foi transferido para custódia federal e enfrentará acusações de obstrução.
A presidenta mexicana, Claudia Sheinbaum, pediu respeito ao devido processo legal após detenções de cidadãos mexicanos. O governador da Califórnia Gavin Newsom condenou a operação, afirmando que “prejudica comunidades e desvia recursos de crimes graves”.
Dia 2: Trump federaliza com a Guarda Nacional e tensão escala
No sábado (7 de junho), Trump ordenou o envio de 2.000 soldados da Guarda Nacional da Califórnia para Los Angeles, ignorando a oposição do governador Newsom. A medida, vista como inconstitucional por especialistas, permitiu que as tropas apoiassem operações federais, mas não realizassem ações policiais.
Confrontos em Paramount: Manifestantes cercaram uma loja Home Depot, varejista de produtos para o lar e construção civil, onde agentes da ICE atuavam, lançando objetos e incendiando veículos autônomos da Waymo, uma empresa de taxis ligada ao Google, big tech apoiadora de Trump. A polícia usou gás lacrimogêneo e balas de borracha para dispersar a multidão, enquanto Trump declarava: “Vamos inundar a zona [com tropas e agentes federais]. Cidades santuário [que não colaboram com as políticas anti-imigração] pagarão o preço.”
A prefeita Karen Bass criticou a decisão: “Trump quer que todos pensem que Los Angeles está em chamas. Mas a verdadeira emergência é ele próprio.” Newsom anunciou que processará o governo federal: “Ele federalizou a Guarda para fabricar caos. Vamos impedi-lo.”
Dia 3: Violência generalizada e retaliação federal
No domingo (8 de junho), os protestos se espalharam para Compton e Paramount, com manifestantes atacando viaturas policiais e incendiando barricadas. As autoridades dispersaram grupos em frente ao Centro de Detenção Metropolitano, usando munições menos letais e prendendo 27 pessoas.
Um protesto pacífico em São Francisco, em solidariedade aos imigrantes de Los Angeles, também degenerou em violência, com 60 presos após confrontos com a polícia.
O presidente ameaçou invocar a Lei da Insurreição, que permitiria ações policiais diretas da Guarda Nacional. Na rede social Truth Social, Trump escreveu: “Ninguém vai cuspir nos nossos policiais ou militares. Se acontecer, eles serão punidos com força.”
A fabricação de uma crise: quando a política suplanta a realidade
Trump transformou Los Angeles em um campo de batalha ideológica, utilizando operações de imigração e o envio da Guarda Nacional para inflamar tensões em um estado governado pelos democratas. A justificativa oficial — combater uma suposta “rebelião” contra a autoridade federal — contrasta com a realidade: protestos pacíficos e operações de deportação focadas em trabalhadores informais, como os que se reúnem em lojas Home Depot. A narrativa de caos, segundo especialistas, é uma construção política para mobilizar sua base eleitoral, ignorando dados que mostram que 70% dos californianos veem imigrantes como “benefícios para o estado”.
Federalização da Guarda Nacional: um abuso de poder sem precedentes
Ao federalizar a Guarda Nacional da Califórnia contra a vontade do governador Gavin Newsom, Trump rompeu com décadas de tradição constitucional que respeitam a autonomia estadual. A medida, que não ocorria desde 1965, foi criticada como “inconstitucional” e “imoral”, com Newsom anunciando ações judiciais para barrar a intervenção. A decisão também expõe uma estratégia de confronto: usar a máquina federal para punir estados que desafiam sua agenda, como destacado pelo próprio comandante da polícia de Los Angeles, Paul Luna: “A maioria dos imigrantes são trabalhadores essenciais. Isso não é uma crise, é perseguição.”
Repressão e retaliação: o custo humano dos protestos
As batidas de ICE (Imigração e Alfândega) em locais de trabalho, como a loja Home Depot em Paramount, revelaram a prioridade ideológica do governo: deportar imigrantes indocumentados, independentemente de histórico criminal. Zander Calderon, manifestante de 36 anos, denunciou casos de vizinhos autodeportados sob pressão: “Isso não é segurança pública, é terror psicológico.” Paradoxalmente, autoridades locais afirmam que as operações desestabilizaram comunidades e desviaram recursos de crimes violentos.
A jovem Brianna Vargas, de 24 anos, protestou em solidariedade aos pais imigrantes: “É diferente estar aqui do que postar algo no Instagram.” Enquanto o governo destacou vídeos de violência para justificar sua resposta, a maioria dos protestos permaneceu pacífica, com manifestantes carregando bandeiras de México e El Salvador — símbolos usados por Trump como “prova” de uma “invasão estrangeira”.
Escalada de consequências
Judicialização: A Califórnia iniciará ações judiciais para contestar a federalização da Guarda Nacional, com apoio da União Americana pelas Liberdades Civis (ACLU).
Nova onda de protestos: Líderes sindicais e grupos de direitos humanos convocaram manifestações em Sacramento e Los Angeles para esta segunda-feira (9 de junho).
Pressão internacional: O México e organizações globais intensificam críticas à política de deportação dos EUA, classificada como “desumana”.
Impacto eleitoral: A crise pode beneficiar Trump junto a sua base conservadora, mas arrisca alienar eleitores moderados preocupados com abusos de poder. Governadores democratas, como Newsom, ganham palco para posicionar-se como defensores de direitos imigratórios. Cidades como Glendale romperam acordos com ICE para abrigar detentos, enquanto o sentimento anti-Trump se fortalece.
Risco institucional: A instrumentalização da Guarda Nacional e a ameaça de usar a Lei da Insurreição reacendem debates sobre os limites do poder executivo. A prefeita Karen Bass criticou a “provocação deliberada” do governo, que transformou a polícia local em alvo de críticas por sua associação com operações federais.
Riscos democráticos : A instrumentalização de crises migratórias para expandir poderes presidenciais reacende debates sobre os limites da Constituição em tempos de polarização.