Bancos e empresas que aumentam financiamento à crise climática revelam desafios da COP30

Nova análise internacional revela que 65 bancos e 57 empresas concentram a responsabilidade pelo aumento das emissões de carbono, intensificando os desafios da descarbonização mundial

Financiamento de indústrias de combustíveis fósseis só aumenta, mesmo depois de 29 COPs e do Acordo de Paris

Um novo relatório divulgado por uma coalizão internacional de organizações ambientais identificou 65 dos maiores bancos do mundo como principais financiadores da crise climática global. Juntos, eles destinaram US$ 869 bilhões em 2024 para empresas de carvão, petróleo e gás – um aumento de US$ 162 bilhões em relação ao ano anterior. Essa reversão ocorre apesar das crescentes catástrofes climáticas e dos compromissos públicos das próprias instituições com metas ambientais.

O professor José Eli da Veiga (USP), referência em economia ecológica, destacou os números em sua coluna Sustentáculos da Rádio USP, e apontou o contraste alarmante entre promessas climáticas e ações reais no setor financeiro. “É chocante. Os bancos continuam a financiar os principais causadores do aquecimento global, ignorando a urgência climática e a ciência”, alertou.

Segundo o especialista, o relatório é um indício evidente de como as 29 conferências globais sobre mudança climática foram praticamente estéreis em resultados. De certa forma, com os novos governos de extrema-direita assumindo o comando de importantes nações, como Donald Trump nos EUA, os retrocessos na mitigação climática são cada vez maiores e danosos. Na opinião dele, se o governo brasileiro conseguir inovar na COP30, em Belém, obtendo resultados relevantes, será um “marco de virada”.

57 empresas concentram 80% das emissões

Somando-se ao levantamento financeiro, outro estudo recente do Carbon Majors revelou que apenas 57 empresas são responsáveis por 80% das emissões globais de gases do efeito estufa. Grandes estatais e multinacionais como Saudi Aramco, ExxonMobil, Shell e empresas chinesas lideram o ranking das emissoras. Em 2023, apenas 36 delas geraram metade das emissões provenientes da queima de combustíveis fósseis.

“Estamos diante de um grupo muito restrito de atores – 57 empresas, 65 bancos – que juntos moldam o destino climático do planeta, influenciados por pouco mais de 30 governos. A concentração de poder e impacto é altíssima”, destacou Eli da Veiga.

Inteligência artificial: um vetor ignorado

Apesar da gravidade do cenário, José Eli propõe uma saída: priorizar o uso da inteligência artificial para acelerar a descarbonização. Para ele, essa possibilidade segue fora do radar das grandes conferências climáticas.

“A IA pode ser um vetor estratégico para romper com a dependência de fósseis e tornar mais eficiente a transição energética. Mas isso sequer é debatido nas negociações oficiais”, lamentou o professor, sugerindo que a COP30 poderia ser um marco de virada se assumisse esse foco com seriedade.

A urgência de um novo modelo global

Os dados consolidados pelos dois relatórios são enfáticos: as promessas feitas no Acordo de Paris não se traduziram em ação suficiente. Ao contrário, muitos compromissos foram abandonados. Apenas em janeiro deste ano, os seis maiores bancos dos EUA – incluindo JP Morgan, Goldman Sachs e Citi – deixaram a aliança climática patrocinada pela ONU.

Desde 2015, data da assinatura do Acordo de Paris, os maiores bancos do mundo já financiaram quase US$ 8 trilhões em combustíveis fósseis.

Para Eli da Veiga, é hora de rever os métodos: “A COP30, que será realizada em Belém, deveria ser um ponto de inflexão. Um momento em que o mundo reconhece o fracasso das fórmulas antigas e convoca uma nova arquitetura internacional, voltada diretamente para regular e responsabilizar as corporações e seus financiadores”.

O papel dos governos e o chamado à ação

Diante das evidências, os relatórios apelam por ação governamental contundente. David Tong, da organização Oil Change International, defendeu que os Estados “intervenham com urgência para responsabilizar financeiramente essas instituições”.

A conclusão de José Eli da Veiga é clara: “Vivemos um momento decisivo. Não se trata mais de repetir fórmulas diplomáticas, mas de agir com inteligência, foco e prioridade no que realmente importa. O futuro da humanidade não pode seguir refém de uma elite empresarial e financeira”.

Em Belém, no coração da Amazônia, a COP30 pode ser o momento de virar essa página. Ou de reafirmar que, mesmo diante do colapso climático, os interesses fósseis ainda ditam o rumo.

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