Trump ameaça prender candidato socialista à prefeitura de Nova York

Ao vencer as primárias democratas, Mamdani propôs taxar os ricos e enfrentar as deportações. As propostas o colocaram na mira do presidente norte-americano, que tenta intimidá-lo

Zohran Mamdani discursa ao lado de lideranças sindicais após vencer as primárias democratas à prefeitura de Nova York, com apoio de trabalhadores da hotelaria, saúde e serviços urbanos. Candidato socialista defende transporte gratuito, congelamento de aluguéis e impostos mais altos para bilionários. Foto: Reprodução

O deputado estadual e vencedor das primárias democratas à prefeitura de Nova York, Zohran Mamdani, denunciou nesta terça (1) que está sendo alvo de uma tentativa de intimidação direta por parte do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.

“As declarações dele não representam apenas um ataque à nossa democracia, mas uma tentativa de enviar uma mensagem a todo nova-iorquino que se recusa a se esconder nas sombras: se você se manifestar, eles virão atrás de você. Não aceitaremos essa intimidação”, afirmou.

A resposta de Mamdani veio após uma série de ameaças públicas feitas por Trump. Durante visita nesta terça a um centro de detenção de migrantes na Flórida, apelidado de “Alligator Alcatraz”, o presidente afirmou que prenderá Mamdani caso ele bloqueie operações do ICE na cidade.

“Bem, então teremos que prendê-lo”, disse Trump, em referência ao compromisso do candidato de “impedir agentes mascarados do ICE de deportar nossos vizinhos”. O presidente também o chamou de “comunista” e alegou falsamente que ele estaria “aqui ilegalmente”.

As declarações foram feitas no mesmo dia em que Mamdani teve confirmada sua vitória na contagem oficial por escolha ranqueada, com 56% dos votos — resultado que o coloca na liderança para se tornar o primeiro muçulmano a governar a maior cidade dos EUA.

Mamdani teve sua vitória oficialmente confirmada pela Junta Eleitoral de Nova York. Com 56% dos votos na contagem, ele superou o ex-governador Andrew Cuomo e se tornou o primeiro muçulmano a representar um grande partido na disputa pela maior prefeitura dos Estados Unidos.

Nascido em Uganda e naturalizado cidadão norte-americano em 2018, Mamdani também foi alvo de insinuações racistas e falsas alegações de que estaria “aqui ilegalmente”.

Candidato denuncia intimidação e diz que não aceitará silêncio forçado de imigrantes

Logo após os ataques, Mamdani divulgou um comunicado classificando as falas do presidente como uma tentativa deliberada de intimidação.

“As declarações dele não representam apenas um ataque à nossa democracia, mas uma tentativa de enviar uma mensagem a todo nova-iorquino que se recusa a se esconder nas sombras: se você se manifestar, eles virão atrás de você. Não aceitaremos essa intimidação”, afirmou o deputado.

Em entrevista à rede ABC News, Mamdani também rebateu as ameaças presidenciais de maneira direta. “O presidente dos Estados Unidos acabou de ameaçar me prender, retirar minha cidadania, me colocar em um campo de detenção e me deportar. Não porque eu tenha violado alguma lei, mas porque me recuso a permitir que o ICE aterrorize nossa cidade.”

Diante da pergunta se aceitaria dialogar com o governo federal, Mamdani respondeu que estará disposto a trabalhar com a administração Trump apenas se isso beneficiar a população local.

“Minha abordagem nunca será reativa, seja em concordância ou oposição, mas, se for às custas dos nova-iorquinos que me proponho a servir, então não, não trabalharei com a administração para prejudicar as pessoas que busco representar.”

Aliados de Mamdani também sugerem que as ameaças presidenciais cumprem o papel estratégico de desviar a atenção pública. O deputado Hakeem Jeffries, líder da minoria democrata na Câmara, escreveu: “Pare de mentir sobre o deputado Mamdani. Nova York não precisa ser salva por um aspirante a rei.”

Em seguida, acusou Trump de instrumentalizar o ataque para encobrir a agenda real do governo. “Além do mais, você está ocupado demais destruindo os Estados Unidos com seu Grande Projeto Horrível para fazer qualquer outra coisa”, disse em referência ao megapacote fiscal aprovado esta semana, que corta recursos de saúde e alimentação para financiar isenções a bilionários e empresas armamentistas.

Propostas populares expõem confronto entre classes e acirram reação conservadora

Autodeclarado socialista, Mamdani levou às primárias uma plataforma centrada na justiça social, combate à especulação imobiliária e ampliação de direitos.

Defende ônibus gratuitos para toda a cidade, congelamento dos aluguéis em imóveis estabilizados, criação de supermercados públicos e programas de creche universal. Para financiar essas medidas, propõe aumentar os impostos sobre grandes fortunas e corporações, além de revogar isenções fiscais concedidas a universidades bilionárias como a NYU e a Columbia.

Apoiado por figuras como Bernie Sanders e Alexandria Ocasio-Cortez, Mamdani também declarou que, se eleito, prenderia o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, caso ele viesse a Nova York — em razão dos crimes de guerra cometidos em Gaza.

Desde então, grupos conservadores e sionistas têm resgatado vídeos antigos de Mamdani com falas pró-Palestina, que passaram a ser rotuladas como “antissemitas” por seus críticos.

Do outro lado, poderosos doadores e consultores políticos das duas principais legendas passaram a atuar para frear sua ascensão. Além de Trump, o deputado republicano Andrew Ogles pediu ao Departamento de Justiça que investigue Mamdani e chegou a chamá-lo de “pequeno Maomé”, em um ataque classificado como islamofóbico por entidades de direitos civis.

Lideranças democratas reagem, mas alertam para riscos de isolamento político

A escalada de ameaças públicas gerou reações duras de parte da bancada democrata.” A senadora Kirsten Gillibrand pediu desculpas ao candidato após distorcer declarações suas em um programa de rádio. E a governadora de Nova York, Kathy Hochul, afirmou.

“Se você ameaça ilegalmente um dos nossos vizinhos, está comprando uma briga com 20 milhões de nova-iorquinos — começando por mim”, disse.

Apesar da solidariedade, setores mais liberais do partido ainda resistem a endossar formalmente Mamdani. Analistas apontam que a tentativa de criminalizar sua candidatura faz parte de um movimento mais amplo para conter avanços progressistas dentro da legenda, especialmente em cidades com desigualdades urbanas agravadas e forte presença de imigrantes racializados.

A eleição municipal está marcada para o dia 4 de novembro. Além de Mamdani, concorrem também Curtis Sliwa, pelo Partido Republicano, e Andrew Cuomo, que lançou nova candidatura como independente pela legenda “Lutar e Entregar”.

Ofensiva autoritária de Trump mira críticos, imigrantes e até ex-aliados

As ameaças contra Zohran Mamdani se inserem em um cenário mais amplo de ofensiva autoritária da administração Trump contra críticos, opositores e movimentos sociais. Desde que reassumiu o governo, o presidente tem aprofundado uma estratégia de intimidação que envolve órgãos federais de segurança e políticas migratórias de impacto massivo.

No último mês, Trump ordenou ao ICE que ampliasse as operações de deportação em cidades governadas por democratas, como Nova York, Los Angeles e Chicago. Em uma postagem nas redes sociais, o presidente determinou que os agentes fizessem “tudo ao seu alcance” para implementar o “maior programa de deportação em massa da história”.

A meta estabelecida pela Casa Branca é de três mil prisões por dia. Segundo fontes da CNN, agentes da Alfândega e da Patrulha de Fronteira foram deslocados para essas cidades em uma operação coordenada de interiorização das detenções, inclusive durante audiências migratórias e inspeções de rotina em locais de trabalho.

Os efeitos da repressão de Trump também atinge os movimentos sociais. Mahmoud Khalil, estudante palestino e ex-porta-voz dos protestos pró-Gaza na Universidade Columbia, foi detido por mais de três meses e quase deportado, apesar de viver legalmente nos Estados Unidos.

A Justiça determinou sua libertação em junho, mas impôs limitações severas à sua mobilidade. A prisão de Khalil, amplamente criticada por organizações de direitos civis, se tornou símbolo da tentativa do governo Trump de sufocar a militância universitária em defesa da Palestina.

Nem mesmo ex-aliados escapam da retórica de coerção. Em meio às críticas de Elon Musk ao projeto fiscal do governo, Trump insinuou que o empresário poderia ser alvo de deportação.

“Vamos dar uma olhada nisso”, respondeu o presidente ao ser questionado por jornalistas. Em postagem anterior, disse que Musk deveria “voltar para casa, na África do Sul”, e sugeriu que o DOGE — Departamento de Eficiência Governamental, criado por Trump e até recentemente comandado por Musk — poderia ser mobilizado contra ele. A ameaça veio após Musk acusar o projeto de lei de ser “ultrajante” e recheado de “favores a aliados políticos”.

A combinação de perseguição institucional a migrantes, intimidação a candidatos progressistas, repressão a movimentos sociais e ameaças veladas a grandes empresários críticos revela uma inflexão autoritária cada vez mais explícita no segundo mandato de Trump.

O episódio envolvendo Zohran Mamdani, longe de ser um caso isolado, ilustra os limites da chamada democracia norte-americana para quem ousa desafiar os interesses do sistema.

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