Congresso dos EUA aprova pacote que corta saúde e transfere renda a bilionários

Projeto sancionado por Trump corta US$ 1,2 tri de programas sociais, amplia deportações e canaliza recursos públicos para isenções fiscais a super-ricos

Presidente da Câmara dos EUA, Mike Johnson, exibe o placar da votação que aprovou o pacote bilionário de Trump por 218 votos a 214. Foto: Reprodução

A Câmara dos Deputados dos Estados Unidos aprovou nesta quinta-feira (3) o maior projeto de reestruturação fiscal da era Trump, consolidando um pacote que transfere trilhões em benefícios aos mais ricos enquanto impõe cortes brutais a programas sociais e ambientais.

O texto, batizado por Trump de “One Big Beautiful Bill”, foi aprovado por 218 votos a 214, com oposição unificada dos democratas e dissidência de dois republicanos. A proposta foi sancionada nesta sexta (4), dia da Independência, durante cerimônia na Casa Branca.

No centro do projeto está a extensão dos cortes de impostos aprovados em 2017, agora tornados permanentes. O plano elimina tributos sobre gorjetas e pagamento de horas extras até 2028, única sinalização à classe trabalhadora, amplia deduções para empresas e cria novos benefícios fiscais para os bilionários. 

Ao mesmo tempo, promove um desmonte dos programas sociais que atendem a população mais pobre: o Medicaid perderá US$ 930 bilhões e o SNAP — programa de auxílio alimentação — sofrerá corte de US$ 285 bilhões.

Os cortes não vêm sozinhos: a nova legislação exige que pessoas de baixa renda, sem filhos e com menos de 65 anos, trabalhem ao menos 80 horas por mês para continuar tendo acesso aos programas. 

Também bloqueia por um ano o financiamento ao Planned Parenthood, organização que atua com planejamento familiar e é alvo constante da extrema direita. Para as universidades de maior capital, o projeto cria um novo imposto especial.

No campo da repressão migratória, o pacote injeta US$ 170 bilhões na agência ICE (Serviço de Imigração e Alfândega), permitindo a contratação de 10 mil novos agentes, a construção de centros de detenção com 100 mil novas camas e a meta ambiciosa de realizar até 1 milhão de deportações por ano. 

Segundo o American Immigration Council, as mudanças autorizam a detenção simultânea de até 116 mil imigrantes — número sem precedentes. Há ainda US$ 46,5 bilhões destinados à ampliação da infraestrutura de fronteira, incluindo retomada da construção do muro com o México.

A sanção deve ocorrer nesta sexta (4), no feriado nacional, e apresentada por Trump como um “presente ao povo americano”. 

Em Iowa, durante evento da campanha republicana, o presidente afirmou que “não poderia haver presente melhor para o Dia da Independência do que a vitória fenomenal que conseguimos ontem com o One Big Beautiful Bill”. 

A retórica nacionalista marca o tom da nova fase legislativa, que aumenta também os investimentos em defesa, incluindo US$ 25 bilhões para o sistema antimísseis “Domo de Ouro” e US$ 10 bilhões para projetos espaciais.

A tramitação do projeto expôs a coesão interna do trumpismo e o poder de intimidação da Casa Branca sobre o Congresso. 

Mesmo com resistências entre setores republicanos preocupados com o impacto na dívida pública — que deve crescer US$ 3,3 trilhões na próxima década, segundo o Escritório de Orçamento do Congresso (CBO) —, Trump conduziu pessoalmente as negociações.

 Parlamentares relataram ligações noturnas e ameaças políticas. “Ele não dorme. Ligou até 1h da manhã para quebrar resistências”, disse o presidente da Câmara, Mike Johnson.

A oposição democrata tentou frear a votação com o discurso mais longo da história da Câmara: o líder da minoria, Hakeem Jeffries, falou por 8h45 ininterruptas, chamando o texto de “abominação” e “projeto da corrupção”. 

“Por que o debate começou às 3h28 da manhã? Porque os republicanos querem aprovar isso às escondidas”, declarou. Apesar da tentativa, o projeto passou sem alterações relevantes.

O projeto também impõe um aumento de US$ 5 trilhões no teto da dívida, enfraquece políticas ambientais ao revogar os créditos fiscais da era Biden para energia limpa e elimina o subsídio de US$ 7.500 para a compra de veículos elétricos. 

Programas de energia solar e eólica perderão verbas se não forem concluídos até 2028. Hospitais públicos e comunidades de baixa renda, que dependem de repasses federais, também devem sofrer impactos imediatos.

Por fim, a lei cria uma inovação simbólica: as “Contas Trump”, depósitos bancários de US$ 1.000 para cada recém-nascido, em nome da construção de uma geração pró-mercado. 

Para os críticos, trata-se de uma cortina de fumaça diante do maior processo de redistribuição de renda ao contrário da história recente dos EUA — uma engenharia tributária que tira dos mais pobres para dar aos bilionários.

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