Reino Unido intensifica repressão a grupo que denuncia genocídio em Gaza
Vinte e nove manifestantes são presos por apoiarem o Palestine Action, grupo que denuncia o envolvimento britânico na guerra em Gaza e está classificado como terrorista
Publicado 07/07/2025 12:15 | Editado 08/07/2025 12:03

A polícia do Reino Unido prendeu 29 pessoas em Londres, neste sábado (5), por apoiarem o grupo Palestine Action, em um sinal claro da nova política de repressão adotada pelo governo britânico contra movimentos de solidariedade à Palestina.
As detenções ocorreram poucas horas após o grupo ter sido oficialmente classificado como organização terrorista sob a Terrorism Act 2000.
A legislação, aprovada no Parlamento na última quarta (2), e confirmada pela Justiça, prevê até 14 anos de prisão para quem demonstrar apoio público à organização. Cartazes com frases como “Eu me oponho ao genocídio. Apoio o Palestine Action” bastaram para que a polícia metropolitana conduzisse manifestantes à custódia.
As prisões foram registradas durante um protesto pacífico em Parliament Square, no centro de Londres.
Entre os detidos, segundo o grupo Defend Our Juries, estavam um padre e vários profissionais de saúde. A ação gerou reação imediata de transeuntes, que denunciaram a repressão policial: “Quem vocês protegem? Quem vocês servem?” e “Polícia britânica, fora das nossas ruas”.
Desde a entrada em vigor da proscrição do grupo, até mesmo cantar palavras de ordem ou exibir cartazes com o nome do grupo passou a ser considerado crime.
Parlamento e Justiça equiparam grupo pró-Palestina a organizações armadas
O Palestine Action foi oficialmente enquadrado como organização terrorista no Reino Unido após uma votação na Câmara dos Comuns que aprovou a medida por 385 votos a 26. A decisão partiu da secretária do Interior, Yvette Cooper, sob a justificativa de que o grupo teria causado “danos inaceitáveis” a instalações militares.
A principal ação usada como justificativa foi a invasão da base aérea RAF Brize Norton, em junho, quando ativistas borrifaram tinta vermelha em dois aviões da Força Aérea britânica.
Na última sexta-feira (4), a Alta Corte rejeitou o pedido da cofundadora do grupo, Huda Ammori, para suspender temporariamente a medida. Horas depois, a Corte de Apelações confirmou a decisão em audiência emergencial.
Leia mais: Relatório expõe “economia da destruição” sustentada por multinacionais
A partir da meia-noite, tornou-se crime demonstrar qualquer forma de apoio ao grupo, mesmo por meio de manifestações públicas ou declarações simbólicas.
A medida equipara juridicamente o Palestine Action a grupos como Estado Islâmico e al-Qaeda, embora não haja registro de uso de armas ou violência contra civis por parte da organização.
Ações diretas contra a indústria de armas e vínculos com Israel motivaram perseguição
Criado em julho de 2020, o Palestine Action afirma ter como missão interromper a cadeia de produção militar do Reino Unido que alimenta o exército israelense.
Ao longo dos últimos quatro anos, o grupo realizou centenas de ações diretas, com foco principal nas instalações da empresa israelense Elbit Systems e de suas parceiras, como a francesa Thales e a norte-americana Lockheed Martin.
Em 2022, após sucessivas ocupações e bloqueios, o grupo comemorou o fechamento da unidade da Elbit em Oldham, no norte da Inglaterra.
Em 2024, invadiu a sede da Elbit em Bristol, pichou de vermelho o Ministério da Defesa e vandalizou, com ketchup, a estátua de Arthur Balfour dentro do Parlamento britânico.
Em junho de 2025, ativistas usaram patinetes elétricos para romper a segurança da base aérea RAF Brize Norton, causando o episódio usado como justificativa para a proscrição. Nenhuma das ações resultou em feridos.
Parlamentares e juristas denunciam criminalização da solidariedade
A decisão do governo britânico foi amplamente criticada por parlamentares independentes e membros da própria Câmara dos Lordes. O ex-ministro e veterano da campanha anti-apartheid Peter Hain afirmou estar “profundamente envergonhado” do Partido Trabalhista por apoiar a proscrição.
Ele comparou a repressão ao Palestine Action à perseguição sofrida por Nelson Mandela e pelas sufragistas, que também recorreram à ação direta contra a propriedade como forma de protesto político.
“A lógica usada para banir o Palestine Action poderia ter classificado as sufragistas como terroristas. Elas usaram bombas caseiras, incendiaram caixas de correio e atacaram propriedades do governo para exigir o voto feminino”, disse Hain.
“Comparar tinta vermelha em aviões militares com terrorismo é intelectualmente falido, politicamente sem princípios e moralmente errado.”
A deputada independente Zarah Sultana também criticou a decisão: “Equiparar uma lata de spray a um atentado suicida não é apenas absurdo — é grotesco. Uma distorção deliberada da lei para criminalizar a solidariedade e suprimir a verdade.”
Roger Waters desafia governo e denuncia ‘poder estrangeiro genocida’
Horas após a entrada em vigor da proibição, o músico Roger Waters, ex-Pink Floyd, publicou um vídeo em que desafia abertamente o governo de Keir Starmer.
“Hoje é o Dia da Independência, 5 de julho de 2025. Declaro minha independência do governo do Reino Unido. O Palestine Action é não violento. Não é terrorista de forma alguma”, afirmou.
Waters também acusou o premiê trabalhista de estar “corrompido por agentes de um poder estrangeiro genocida”, em referência à aliança com Israel.
Em resposta, a organização pró-Israel Campaign Against Antisemitism ameaçou abrir uma ação penal privada contra o artista caso o Ministério Público não o processe.
Organizações de direitos humanos denunciam uso abusivo da legislação antiterrorismo
A Anistia Internacional classificou a proscrição do grupo como “um abuso legal sem precedentes”, alertando para o risco de que a legislação seja usada para suprimir a liberdade de expressão e o direito de protesto.
Segundo Sacha Deshmukh, diretor-executivo da entidade no Reino Unido, a medida “dá ao Estado poderes massivos para prender, vigiar, censurar e deter qualquer opositor político”.
Leia também: Mais de 300 mortos em 48h em Gaza em meio às negociações de cessar-fogo
Especialistas em direitos humanos da ONU já haviam solicitado ao governo britânico que reconsiderasse a proposta de proibição, argumentando que danos à propriedade sem intenção de ferir ou matar não configuram terrorismo.
Mesmo assim, a secretária do Interior manteve a linha dura, afirmando que não há espaço para “violência e danos criminosos” em protestos legítimos.
Criminalização da solidariedade à Palestina avança na Europa
A ofensiva contra o Palestine Action se insere em um cenário mais amplo de repressão ao movimento de solidariedade à Palestina em várias democracias liberais.
Na França e na Alemanha, manifestações e slogans pró-palestinos já foram proibidos em contextos específicos, e ativistas vêm sendo alvos de vigilância e perseguição.
No Reino Unido, o caso escancara a tentativa do governo de restringir o campo da dissidência política por meio da equiparação entre protesto civil e terrorismo.
A guerra de Israel contra Gaza, iniciada em 7 de outubro de 2023, já deixou mais de 57 mil mortos palestinos, segundo autoridades sanitárias locais. Diante desse cenário, criminalizar quem se opõe ao genocídio parece, para muitos, a tentativa de silenciar a consciência política da sociedade.