Trabalhadora da Seara Cargill fica inválida aos 35 anos

Desossadora de frango, funcionária exemplar, sem uma única falta ou afastamento temporário durante onze anos na mesma unidade, em Forquilhinha, no interior catarinense, Valdirene João Gonçalves da Silva, foi recompensada pela Seara Car

Um dos sinônimos de forquilha, o sinal que se faz na orelha do gado, como marca, serve para refletir sobre a tragédia que se abate sobre inúmeros empregados desta multinacional, que tem selado tantos destinos de forma implacável com a intensidade do ritmo de trabalho e suas seqüelas: as lesões por esforço repetitivo.

Nas palavras do médico, que expôs o trágico diagnóstico de Valdirene munido do exame de ultrassom, “o braço está podre”. Agora, a dor é constante, aplacada apenas à base de morfina… A rotina da desossa das sete coxas por minuto, 420 por hora e sabe-se lá quantas mil por dia, “dependendo dos pedidos de exportação”, mudou completamente, e o ambiente do frigorífico foi substituído pelos cômodos da casa, nos estreitos limites entre a cama, o sofá e o banheiro. O problema só não é maior porque as crianças estão grandes e o marido, companheiro, colaboram.

Que as palavras de Valdirene ressoem como sinal de alerta e tonifiquem o movimento dos Sindicatos, Federações e da Confederação Nacional dos Trabalhadores nas Indústrias da Alimentação para que o ritmo desumano imposto pelas nóreas – as correias que transportam o frango na linha da desossa – seja reduzido com a implantação de tacógrafos e o aumento na fiscalização por parte do Ministério do Trabalho. O crescimento dos abusos amplia as lesões e também o questionamento sobre a atuação das multinacionais no setor, transformadas, cada vez mais, numa máquina de moer carne e esperanças…

É Valdirene quem fala: “Quando entrei na empresa, eram duas coxas e meia por minuto. Com o passar dos anos, o número foi aumentando, assim como o número de colegas com lesão. Há cinco anos comecei a sentir os tremores, um repuxo no braço, como se fossem muitos quilos. Procurava o médico que sempre dizia que era dor muscular. Sentia os dedos repuxando e muita dor à noite. Assim cheguei até novembro do ano passado, quando comecei a sentir que o braço estava podre pelo esforço repetitivo, que todos os meus colegas tanto reclamam, e têm medo porque a empresa costuma mandar embora. Foi então que o médico fez o ultrassom e disse: ‘é, o seu braço está podre mesmo’. Fiquei apavorada. Tirei férias para fazer fisioterapia, mas a dor não saía e tive que pegar mais 15 dias por que dois dos dedos nem abriam mais. O doutor Nilton me encaminhou para fazer o CAT (Comunicado por Acidente de Trabalho), para ir ao INSS porque o caso era mais complexo”.

Proposta indecente –
“Fui até a direção da empresa, onde fiquei duas horas para ser recebida numa sala pelos diretores Marcos e Fabiano que perguntaram quanto tempo tinha de empresa e outras informações sobre o meu passado como funcionária. Falei que o que eles estavam me perguntando estava na minha ficha, na mão deles, e que nunca faltei um dia até então nem tive afastamento temporário. Perguntaram se eu não estava interessada em sair da empresa. Doente desse jeito? Perguntei. Disse que o remédio era muito forte e que não tinha como ir trabalhar. Aí me questionaram se eu não tinha interesse por algum cargo. Respondi que se em 11 anos de trabalho nunca haviam me dado uma promoção, apesar de eu ter estudado, completado o primeiro e o segundo graus, não iria ser agora. Que eu queria receber o tratamento para voltar ao meu trabalho produtivo. Aí me disseram que podia me encostar mas como auxílio-doença não como acidente de trabalho, pois a empresa perde muito. Perguntei o que eu iria fazer com R$ 300 por mês. Disseram que teríamos de conversar mais e chamaram o médico da empresa que falou em trocar os remédios por medicamentos mais fracos, para que eu tivesse condições de trabalho. Falei pro médico: mas o senhor não disse que teriam de ser aqueles e não esses. E ele respondeu que na empresa as coisas não eram como a gente quer. E nisso não queriam me deixar eu sair, forçando a situação. Eu falei que não estava numa prisão e fui embora”.

Sindicato atuante –
“Procurei o Sindicato e os diretores me levaram num outro médico. Eu pergunto como uma empresa pode fazer isso com um funcionário? De lá pra cá já foram quatro anestesias gerais, duas para bloqueio do nervo, para ver se depois de um tempo ele se recupera e volta a funcionar, uma cirurgia de nervo e uma infiltração, sem resultado. Com a anestesia, o nervo fica paralisado e o braço todo também. Entrei no tratamento com três dedos paralisados e hoje estou sem movimentar os cinco dedos. Disseram que ia ficar seis meses sem sentir dor e tive de voltar a tomar morfina pois não tem remédio que alivie. Desde dezembro estou entre Florianópolis, o ortopedista em Criciúma e vários médicos. Além dos cinco dedos paralisados, o punho está afetado, encostando no ante braço e a dor é constante. Só levanto para tomar banho e ir ao banheiro porque a morfina me dá uma parada. Passei o Dia das Mães tomando morfina. A empresa está pagando o tratamento, mas e a dor? E os meus colegas que continuam lá. Isso precisa ter fim.”

Tacógrafos –
De acordo com o secretário-geral do Sindicato dos Trabalhadores na Alimentação de Criciúma e Região, Célio Elias, “infelizmente, o caso de Valdirene não é um exemplo isolado, é o resultado do ritmo de produção intenso estabelecido pela Seara Cargill, onde os trabalhadores vêm sendo submetidos a um número abusivo de serviços de cortes de frango”. O sindicalista lembrou que, além da luta a nível federal para que exista uma legislação mais rígida e maior fiscalização quanto à velocidade das nóreas, por meio da colocação de tacógrafos nos frigoríficos, em Santa Catarina está havendo uma mobilização para que seja aprovado o projeto do deputado Dionei Walter da Silva.