Clube de Paris: relíquia colonial?
Em uma declaração a propósito do 50º aniversário do Clube de Paris, que reúne 19 países ricos credores de nações em desenvolvimento, organizações antidívida o qualificaram de “medieval”. Mas, o adjetivo “colonial” também cai bem. O Clube de Paris foi cria
Publicado 22/06/2006 15:21
Desde então, evoluiu até se converter em uma das muitas ferramentas de política externa que antigas potências coloniais, como Grã-Bretanha e França, usaram para manter sua influência sobre os recursos do mundo em desenvolvimento. Trata-se de uma entre várias instituições financeiras internacionais – quase todas elas projetadas e dirigidas pro ex-potências coloniais – como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial, que ajudam o Norte industrial a promover uma agenda econômica que mantém a dependência de suas antigas colônias.
A principal ferramenta do Clube de Paris no caminho para a maximização de seus ganhos foi a reestrutura de créditos dos países em bancarrota. Desde 1983, o Clube cobriu cerca de US$ 504 bilhões de créditos a dezenas de países da África, Ásia e América Latina, originalmente concedidos por agências bilaterais às vezes erroneamente qualificadas como sendo de “assistência” ou de crédito às exportações. O grosso desses programas correspondeu a países da África subsaariana e América Latina, mas também da Ásia (como Filipinas), Oriente Médio (Egito e Jordânia) e Europa central e oriental (Polônia, Iugoslávia e Bulgária).
O resultado da programação de dívidas foi estender os prazos de refinanciamento ao longo de um período maior, combinado com a introdução de juros por mora e, em quase todos os casos, um compromisso maior dos países pobres na espiral da dívida. A Nigéria é um exemplo clássico. Em 1985, a dívida externa desse país africano era de US$ 19 bilhões. Desde então pagou aos seus credores mais de US$ 35 bilhões e pediu empréstimos inferiores a US$ 15 bilhões, mas sua dívida pendente no final de 2004 chegava a US$ 36 bilhões, por causa dos juros do Clube de Paris. A reprogramação também se tornou habitual nos programas do FMI condicionados a privatizações e à liberalização do mercado, fórmula que, segundo os críticos, piorou a situação da dívida dos países pobres.
O reservadíssimo Clube de Paris chegou a coordenar de maneira muito estreita suas operações com o FMI e o Banco Mundial. Dois presidentes do Clube, Jacques de Larosière e Michel Camdessus, também foram diretores-gerentes do FMI. Os membros oficiais do Clube são Alemanha, Áustria, Austrália, Bélgica, Canadá, Dinamarca, Espanha, Estados Unidos, Finlândia, França, Grã-Bretanha, Holanda, Irlanda, Itália, Japão, Noruega, Rússia, Suécia e Suíça. “As nações ricas impuseram às pobres, através do FMI, do Banco Mundial e do Clube de Paris, um prolongado estado de insustentabilidade e emergência”, advertiu a organização antidívida Eurodad, com sede em Bruxelas, em uma declaração à qual aderiram dezenas de outros grupos. “Como conseqüência, impede consistentemente e com toda intenção uma saída permanente desses países da armadilha da dívida, o que deixa os países devedores em um efetivo estado de dominação e dependência”, acrescentou.
O Clube de Paris é qualificado por seus próprios integrantes de “não-instituição”, apesar de seus representantes se reunirem mais de uma dezena de vezes ao ano. Também é questionado pela falta de democracia de seus procedimentos. O Clube de Paris toma suas decisões por unanimidade, mas só participam países credores. Os devedores devem aceitá-las, sem direito à mínima intervenção. “Em um júri de lobos, as galinhas sempre são culpadas”, afirmou a Afrodad, uma rede de organizações não-governamentais africanas. A política determina a maior parte da reformulação das dívidas que o Clube estabelece. Um dos exemplos mais claros foi o perdão de 80% da dívida do Iraque depois da invasão, por pressão dos Estados Unidos. Também cobriu 67% da dívida da Sérvia e Montenegro e a metade da dívida da Polônia, cujos governos são considerados pró-norte-americanos.
Por outro lado, os países devastados pelo tsunami de dezembro de 2004 receberam apenas o benefício de uma moratória de um ano, o que os expôs ao pagamento de juros adicionais por mora em momentos de desastre. Segundo o não-governamental Comitê para a Abolição da Dívida do Terceiro Mundo, com sede em Paris, estes exemplos “refletem os questionáveis interesses geopolíticos em jogo”. Outras organizações da sociedade civil indicaram em suas declarações sobre o 50º aniversário do Clube, comemorados este mês, que esta “não-instituição” mostra “um nível de arbitrariedade política que desafia todo sentido comum de justiça. No Clube de Paris os credores agem como juízes de sua própria demanda”, acrescentaram.
Estas organizações reclamaram a criação de um organismo imparcial que supervisione o processo de manejo da dívida internacional e que garanta que tanto a voz dos credores quanto dos devedores sejam ouvidas. Nestes dias, o Clube de Paris parece preocupado com a possibilidade de novos credores, como Brasil e China, afugentem seus clientes e, assim, diluam o controle dos países ricos sobre as nações em desenvolvimento. Portanto, convidou estas potências econômicas emergentes a se unirem. “Na medida em que estes novos jogadores da Ásia e de todas as partes começam a assumir mais responsabilidades no sistema, deveriam começar a apreciar a importância das instituições inexistentes”, disse o governador do Banco de Israel, Stanley Fischer, ex-funcionário do FMI, em um fórum do Clube por ocasião de seu aniversário.
Inúmeros funcionários que contribuíram para a aceitação do sistema econômico mundial vigente fizeram eco a estas apreciações. “A comunidade internacional necessita encontrar meios de comprometer os doadores emergentes. Devem ser convencidos de que os financiamentos dos países de baixa renda devem ser moldados com esforços internacionais coordenados, mais do que com políticas nacionais independentes”, disse, nesse sentido, o subdiretor-gerente do FMI, Agustín Carstens.
Fonte:www.envolverde.com.br