Demissão do ministro Rodrigues pode ser uma boa notícia
A demissão do ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, supostamente problemas de saúde de sua mulher, pode ter razões políticas. E isso pode ser bom.
Publicado 28/06/2006 09:26
Por Osvaldo Bertolino
Rodrigues estava desgastado no governo desde que a crise criada pela direita como tática golpista contra o governo do presidente Luis Inácio Lula da Silva chegou ao ex-ministro da Fazenda, Antônio Palocci. Ele é uma das principais lideranças do agronegócio brasileiro e já dirigiu as maiores entidades do setor — entre elas a Sociedade Rural Brasileira (SRB), a Organização das Cooperativas do Brasil (OCB) e a Associação Brasileira de Agribusiness (Abag). Rodrigues tem fazendas em São Paulo, Maranhão e Piauí. Ele chegou ao governo pelas mãos de Palocci, com quem mantinha uma relação política estreita desde quando o ex-ministro da Fazenda era prefeito de Ribeirão Preto, no interior paulista, um dos principais pólos agrícolas do país. A dupla alimentava uma guerra de bastidores em Brasília. Rodrigues defendia abertamente os interesses dos grandes fazendeiros.
Certa vez, quando ele se sentia fortalecido ao lado do todo-poderoso Palocci, disse que "o governo ainda não conseguiu entender que as grandes fazendas e as pequenas propriedades são atividades complementares". Em outro front, o agora ex-ministro da Agricultura entrou em atrito com a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, em sua luta pela liberação dos transgênicos. Rodrigues teria conversado com fazendeiros e disse que marcou uma audiência com o presidente Lula para discutir suas "dificuldades". No episódio em que a China flagrou a tramóia de exportadores de soja que misturaram sementes alteradas em cargas exportadas, Rodrigues sofreu pressão dos dois lados — mas foi obrigado a ceder à lógica e condenar a prática ilegal dos sojicultores.
Propaganda ideológica
O ministro reconheceu que o problema era do Brasil e pediu dinheiro para montar uma estrutura de fiscalização eficiente — a produção de grãos e de carne aumentou, mas o número de funcionários na fiscalização sanitária, reduzido na “era FHC”, não foi recomposto. O sucesso da política do governo para a exportação agrícola tem muito a ver com a dinâmica implantada pela relação de Rodrigues com Palocci. Desde que ele assumiu o Ministério da Agricultura, a posição do Brasil no comércio agrícola mundial deslanchou. Em 2003, o ex-ministro anunciou a marca histórica de 120 milhões de toneladas de grãos e o país consolidou sua posição como potência do agronegócio. É desse seguimento que vem, basicamente, o superávit comercial tão aplaudido pela ex-equipe econômica do governo.
Essa aliança formaria, segundo os porta-vozes dos conservadores, o lado "moderno" do governo, que tentava, por todos os meios, amarrar a administração federal ao seu modelo de gestão. Uma das conseqüências dessa aliança foi a propaganda ideológica contra a reforma agrária — uma evidência de que Palocci e Rodrigues representavam o lado arcaico do governo. A questão nacional e a questão agrária estão intimamente relacionadas — há entre elas uma relação constante de causa e efeito. Nossa agricultura farta e historicamente subaproveitada nos garantiu sempre a certeza de que a fome no país é resultado de má-fé, de manipulação ideológica para que o século 19 não termine nunca por aqui.
Retrato do Brasil
O latifúndio e o grande capital sempre andaram de mãos dadas na história da República. Os senhores de terra, que estiveram na crista dos acontecimentos reacionários em todo esse tempo, estão unidos aos que praticam a exportação intimamente ligada aos interesses do capital financeiro internacional. Por vários motivos peculiares ao nosso desenvolvimento histórico, a posse da terra ainda é fator determinante para a existência de relações pré-capitalistas no campo. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a zona rural brasileira conta com uma parcela significativa da pobreza total — cerca de 36%. No caso dos indigentes, o campo responde por quase metade deles.
Esse é o retrato de um país onde 50 mil latifundiários detêm 165 milhões de hectares de terra, enquanto 3 milhões de pequenos produtores detêm apenas 10 milhões de hectares. Dessa forma, 50% das propriedades rurais brasileiras — todas com menos de 10 hectares — ocupam 3% das terras agricultáveis do país. Em contrapartida, 1% das propriedades ocupa 50% do solo nacional destinado à agricultura. Estima-se que cada família assentada custe ao Estado US$ 15 mil. Uma ninharia se comprados com o que se gasta na ciranda financeira. A demissão de Rodrigues, portanto, pode significar uma mudança de tom neste setor do governo — assim como ocorreu no Ministério da Fazenda com a saída de Palocci e a entrada de Guido Mantega.