Ministra quer diálogo para mudar publicidade de cerveja

A ministra da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, Nilcéia Freire, aplaude o artigo publicado na Folha de S. Paulo (e reproduzido no Portal Vermelho) pela socióloga da Universidade de Brasília (UnB), Berenice Bento, com críticas cert

Nilcéia Freire avalia que ''quando nós discutimos a violência, nós não nos preocupamos em olhar as matrizes que formam a violência. Essa questão das campanhas das cervejarias tem sido reiteradamente criticada pelas mulheres. Nós já entramos, com relação a outras propagandas, com representações no Conar (Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária), mas é preciso que a sociedade se manifeste, como está se manifestado a Berenice (A cerveja e o assassinato do feminino), e nós só temos a aplaudir''.


 


A senhora disse que ainda não tem contato com as agências de publicidade que fazem esses anúncios e com empresas fabricantes de cerveja, mas sim com emissoras de televisão.
N.F. – Com a Globo, por exemplo, nós temos dialogado, mas muito mais com relação à própria programação. Isso tem sido interessante, surte efeito, nós fazemos uma parceria, por exemplo, com relação aos temas das novelas, a gente discute com eles quando erram um pouco na mão. Tanto é que alguns temas têm sido tratados de maneira delicada e de maneira correta na dramaturgia na televisão. Mas com relação à propaganda, não. A gente acaba tendo muito mais uma atitude de fazer a queixa, fazer a solicitação de retirada da propaganda do ar. Isso às vezes dá certo, às vezes, não. Quando é muito pesado, a gente acaba conseguindo.


 


A senhora pode dar um exemplo?
N.F. – Houve uma propaganda de um utilitário, desses poderosos, que dizia: “A gente só não diz que é bonito porque isso é coisa de mulherzinha”. Essa, por exemplo, conseguimos, fizemos queixa, tiramos do ar. Uma outra era de uma concessionária de veículos, que também fazia consertos. Era uma propaganda num jornal. Aparecia o rosto de uma mulher todo golpeado, cheio de hematomas, e a chamada era a seguinte: “Lanternagem, está na cara que precisa”. Uma coisa de um mau gosto, de uma agressividade… E obviamente a mulher tinha sofrido violência. Em relação a essa, por exemplo, nós fizemos uma ação, o Conar mandou retirar e a empresa foi multada, e teve que pagar um seminário sobre violência contra a mulher. Começamos a trabalhar numa linha que espero que nos próximos anos consigamos fazer um trabalho formal, mesmo, de observatório, para onde as pessoas possam se dirigir e que vá além da retirada do ar, promova um trabalho de discussão com as empresas. Das cervejarias nós nunca nos aproximamos. Acho que é preciso fazer isso.


 


Há anos, no Carnaval, a Rede Globo ilustra sambas-enredo com as famosas figuras das mulatas. Não são os mesmos ângulos das propagandas de cerveja, mas é algo que está dentro do mesmo universo cultural.
N.F. – No final de 2005, Rita Lee fez um artigo que circulou na internet e tem um trecho muito bonito que tem muito a ver com esse tema: “Para começar, queremos pregar o respeito ao corpo da mulher. Respeito às suas pernas que têm varizes porque carregam latas d´água e trouxas de roupa, respeito aos seus seios que perderam a firmeza porque amamentaram seus filhos ao longo dos anos, respeito ao seu dorso que engrossou porque elas carregam o país nas costas”. E terminava com dois trechinhos de uma música: “Nem toda feiticeira é corcunda, nem toda brasileira é só bunda”.


 


A mídia muitas vezes se esconde atrás da defesa da liberdade de expressão para coisas que não têm a ver com isso. Não existe liberdade irrestrita de expressão. Isso não está na Constituição. Se um anunciante chegar com um anúncio em que apareça uma pessoa negra agachada e um branco lhe dizendo “Esfrega direito isso aí”, não vai sair. Não sai em veículo nenhum. Pode pagar quanto quiser. É racismo, ninguém aceita.
N.F. – É claro. A sociedade tem que ter o direito de regular algumas coisas.


 


Por certo que tem, e o faz, em tantas coisas. Mas também o indivíduo não pode ser agredido. Por exemplo, um anúncio de motel sugerindo prostituição, feito para atrair mecânicos de Fórmula I, como aconteceu no ano passado. Uma senhora, digamos, tem o direito de não querer ver isso na rua, que é pública, é de todos. E as agências de publicidade são muito arrogantes.
N.F. – Anualmente fazemos um seminário sobre Mulher e Mídia. Um deles foi em grande parte dedicado à propaganda. Trouxemos pessoas de agências, mulheres das agências, e foi uma discussão riquíssima. Agora, as agências são dificílimas. Mesmo as que fazem nossas campanhas. A coisa é tão impregnada, tão difícil, que muitas vezes, quando precisamos fazer um cartaz, um filmete para televisão, eu me aborreço, porque é comum as agências não conseguirem entender o que nós falamos, e não conseguirem traduzir.


 


Fonte: Observatório da Imprensa