Paulo Nogueira Batista Jr.: Um desafio
Confira abaixo a coluna publicada nesta quinta-feira (1º/3) na Folha de S.Paulo pelo economista Paulo Nogueira Batista Jr., nomeado esta semana pelo Ministério da Fazenda para o cargo de diretor-executivo do Fundo Monetário Internacional. No text
Publicado 01/03/2007 10:42
Um desafio
Hoje, quero me dirigir aos meus leitores regulares. Se você, leitor, for um passante eventual ou acidental por esta coluna, pode continuar lendo, é claro.
Não estou rejeitando ninguém. Mas eu gostaria de conversar sobretudo com aqueles que me acompanham há muito tempo e se identificam em alguma medida comigo.
Um grande número desses leitores antigos escreveu para me felicitar e desejar sorte, depois que veio a público a indicação do meu nome para representar nove países latino-americanos na diretoria executiva do FMI (Fundo Monetário Internacional). Agradeço a todos.
Recebi também muitas críticas e farpas, algumas mal-humoradas, outras cômicas. Por exemplo: um leitor me enviou a seguinte mensagem, em letras garrafais: “Bem-vindo ao clube da bufunfa!”.
A polêmica é natural. Nos principais jornais, a notícia despertou as mais variadas reações e algumas críticas duras. A turma da bufunfa não gostou. Paciência. A onda em torno do assunto me fez lembrar aquela tirada de Winston Churchill: “People have been spreading the wildest lies about me, and the worst of it is that half of them are true!” (estão espalhando as mentiras mais loucas a meu respeito, e o pior é que a metade delas é verdadeira!). Abro aqui um rápido parêntese.
Escrevo este artigo em condições precárias. Estou em Brasília desde ontem. Entre uma reunião e outra, vou digitando com dificuldade os parágrafos. Longe da minha biblioteca, não tenho certeza se a frase do parágrafo anterior, citada de memória, é mesmo de Churchill. Talvez seja de Oscar Wilde.
Mas, enfim, vamos ao FMI. Muitos estranharam que o governo brasileiro tenha indicado um crítico do Fundo para trabalhar na sua diretoria executiva. Não há grandes motivos para essa reação. O diretor-executivo deve representar no FMI nove países latino-americanos: Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Haiti, Panamá, República Dominicana, Suriname, Trinidad e Tobago. Cabe a ele defender os pontos de vista desses países sobre as situações econômicas nacionais, a economia mundial e o próprio FMI, que está passando, aliás, por um processo de reestruturação. Está em discussão, entre outros assuntos, a redefinição do peso dos diferentes países nas decisões do organismo.
O Brasil, em aliança com outros países, vem procurando aumentar a influência das nações em desenvolvimento. Atualmente, a posição brasileira é bastante confortável. Não temos acordo nem dívida com o Fundo. A dívida que existia foi paga antes do prazo previsto. As reservas internacionais do país alcançaram US$ 100 bilhões. O Brasil está em condições de participar com eficácia e credibilidade da reforma do FMI e de outros organismos multilaterais.
Não é necessário, portanto, que o diretor-executivo seja um entusiasta do FMI na sua configuração atual. Aliás, é muito difícil, imagino, encontrar um economista brasileiro (brasileiro sem sotaque espiritual, óbvio), seja ele ortodoxo ou heterodoxo, monetarista ou desenvolvimentista, que não tenha restrições a diferentes aspectos da atuação do Fundo. Em face do fracasso retumbante de alguns programas – o caso da Argentina nos governos Carlos Menem e Fernando de La Rúa é um exemplo marcante –, o próprio FMI está mais inclinado à autocrítica e já não endossa políticas econômicas que ele antes apoiava ou recomendava aos países que recorriam a seus empréstimos e se sujeitavam a suas condicionalidades. Há poucos anos, foi criado, no âmbito do próprio Fundo, um braço independente de avaliação (Independent Evaluation Office) que faz análises periódicas, e não raro bastante críticas.
Evidentemente, nada disso significa que a minha vida será fácil em Washington, como escreveu Luiz Carlos Bresser-Pereira, em artigo publicado na segunda-feira aqui neste espaço. A orientação dominante no Fundo é ortodoxa. Os países desenvolvidos, particularmente os Estados Unidos, dominam a agenda do FMI.
Quando circulou a notícia de que eu aceitara o convite para trabalhar em Washington, muitos ficaram em dúvida sobre o que isso significava.
Um economista chegou a declarar à imprensa que eu teria de me converter à ortodoxia. Nelson Rodrigues dizia: “Brasileiro não pode viajar” (frase que eu já citei dezenas de vezes nesta coluna). Farei tudo para desmentir o meu guru.