Messias Pontes – Democracia perde dom Ivo Lorscheiter
A morte de don Ivo Lorscheiter, no último dia cinco, aos 79 anos, foi um duro golpe que a democracia sofreu no Brasil. Descendente de uma família alemã de poucos recursos, dom Ivo desfraldou desde cedo a bandeira da democracia e dos direitos humanos, comb
Publicado 13/03/2007 20:50 | Editado 04/03/2020 16:37
De 1971 a 1979 foi secretário-geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e de 1979 até 1987 assumiu a presidência da entidade, substituindo seu primo Aloísio Lorscheider na presidência da entidade que teve como primeiro presidente outro gigante baluarte das causas mais nobres e humanitárias, no caso o cearense don Hélder Câmara.
Foi no período da ditadura militar (1964 a 1985), o mais nebuloso da história brasileira, que ele se destacou, sendo odiado pelos generais golpistas e os conservadores de todos os matizes, inclusive dentro da própria Igreja Católica. Mesmo assim era respeitado pelos inimigos da democracia. Dom Ivo, com sua estatura moral e ética, combatia e denunciava não só as prisões ilegais, os seqüestros, a tortura, o exílio e a morte de milhares de brasileiros que se opunham à ditadura militar, mas também a política econômica excludente dos generais.
Juntamente com outros prelados progressistas da América Latina, soube enfrentar
com firmeza, coragem e resignação os conservadores do Vaticano, notadamente depois da ascensão ao papado de João Paulo II, destacando-se entre eles o cardeal Ratzinger, hoje Bento XVI. Era don Ivo um dos ardorosos defensores da Teologia da Libertação que acabou sufocada pelo conservadorismo da cúpula da Igreja Romana. Porém ele nunca se deixou abater pela prepotência e incompreensão. A intransigente defesa da democracia, dos excluídos e perseguidos era a sua razão de ser.
Não tive o privilégio de conhecer pessoalmente don Ivo Lorscheiter, mas devo muito a ele. Quando fui seqüestrado em Fortaleza no início de julho de 1974 por agentes do DOI-Codi, fui levado para Recife, onde permaneci por mais de um mês sendo torturado, juntamente com muitos outros que se opunham à ditadura militar. Nesse período, minha mulher não sabia se tinha marido ou se era viúva; meus filhos não sabiam se tinham pai ou se eram órfãos. Meus pais, irmãos e amigos sofreram muito, pois tinham informações de como era o tratamento nos porões da ditadura.
Foi então que, através do então arcebispo de Fortaleza, dom Aloísio Lorscheider, minha família chegou até dom Ivo. Inutilmente, ele tentou contato com o Papa, mas sempre tinha sua ligação telefônica cortada. Mandou pessoalmente um emissário ao Vaticano narrar a Paulo VI o que ocorria no Brasil, pedindo sua interseção junto ao então presidente Ernesto Geisel por mim e centenas de outras pessoas que se encontravam desaparecidas. Na ocasião Paulo VI foi informado da existência de um “Poder paralelo no País que o presidente Geisel tentava desmantelar”.
Na sede da CNBB, no Rio de Janeiro, a ordem de dom Ivo era para abrir as portas aos familiares de todos os perseguidos políticos. Em todas as vezes que lá chegavam, minha irmão Socorro e o amigo Lauro Benevides eram imediatamente recebidos por ele. Uma das vezes, dom Ivo ligou para o arcebispo de Fortaleza para relatar as providências tomadas a meu respeito e dom Aloísio informou-lhe que minha mãe estava lá com ele em busca de notícias.
A dom Ivo Lorscheiter, a eterna gratidão de todos os democratas brasileiros.