NPC da Grã-Bretanha: O Feminismo e a Luta de Classes
“A luta pela emancipação das mulheres é parte vital da luta pelo feminismo e todas as variações sobre seu significado. É uma palavra dessas como democracia, que pode significar todas as coisas para todas as pessoas – e mulheres diferentes desejam coisas d
Publicado 23/03/2007 12:49
A tradução literal da palavra democracia, de origem grega, significa “o poder do povo”, mas em uma sociedade dividida em classes, elas se opõem e têm desejos e necessidades contraditórias. Mesmo na Grécia antiga, que é vista pela cultura ocidental como a pátria-mãe de todas as democracias, somente os homens livres tinham direito a voto. As mulheres e os escravos eram excluídos, o que significa que apenas uma minoria estava habilitada a tomar parte da democracia.
A ironia é que antes que a Grécia fosse “civilizada”, as mulheres estavam numa posição muito mais destacada na sociedade e desempenhavam importantes papéis na administração e no governo. Rainhas como Helena, Clitemnestra e Penélope governaram por direito de hereditariedade e alguns heróis ‘vagabundos’ como Menelau, Agamenon e Odisseu acabaram tornando-se reis, ao se casarem com essas mulheres e perdendo a coroa quando os casamentos fracassaram. Quando Helena fugiu de Tróia com Paris, Menelau, seu marido, perdeu o direito sobre Esparta. Por isso era tão importante para os gregos a trazerem de volta.
Esta tradição de matriarcado (transferência dos bens de família das mães para as filhas, por meio da hereditariedade surgiu nos tempos tribais e mudou pouco em milhares de anos. O papel dos reis era liderar a tribo nos tempos de guerra para defender a saúde e a riqueza de seus povos. Para os reis, não havia muito a fazer nos tempos de paz e eles tinham consciência disso. A vida diária era regulamentada pelas tradições, não havia muitas decisões a serem tomadas. Geralmente, quando era necessário tomar decisões, isto era feito por um conselho tribal, no qual todas as famílias tinham direito à palavra, representadas na maior parte das vezes pelos membros mais velhos. Como as mulheres normalmente vivem pouco mais que os homens, sempre jogavam papel dominante naqueles conselhos. Este foi sem dúvida um sistema mais democrático do que os que o sucederam nas cidades-estados da Grécia.
O sistema faliu com o advento da propriedade privada, do comércio externo, da imigração e emigração, do surgimento da riqueza, da pobreza, da dívida e da escravidão. A divisão gradual da sociedade em classes separadas em ricos proprietários, outros que foram empobrecendo e ficaram em dívida com os mais abastados e abaixo deles os escravos que eram sua propriedade, forças criadas e divididas que dilaceraram as tribos.
Os conselhos tribais dos anciões somente davam certo numa sociedade sem classes, era impossível que eles pudessem lidar com diferenças inconciliáveis surgidas pela sociedade de classes. Não havia uma posição legal para imigrantes que não possuíam laços de família com as tribos nativas. Os ricos eram bem vindos, mas somente galgavam ascensão social casando-se com uma aristocrata nativa. Eventualmente a riqueza e o poder ansiavam pela máquina do estado, para proteger este poder e a propriedade privada, por meio do governo, das leis, das penalidades e assim por diante. Assim chegamos à democracia de Péricles em Atenas.
Quando a propriedade privada passou a ser garantida por lei, apoiada pela força da máquina estatal, um homem podia comprar sua casa e uma escrava. Assim, já não era necessário se casar nos termos tradicionais das tribos que o obrigavam a fazer uma contribuição econômica pesada e contínua para a manutenção dos bens do coletivo feminino do sistema tribal. Foi neste ponto do processo histórico que as mulheres perderam sua independência econômica e os homens passaram a controlar os bens de família.
Desde então os homens têm jogado um papel predominante na sociedade, mas não todos os homens, sempre os homens ricos e poderosos da classe dominante. Por toda a história os homens escravos, camponeses ou operários têm tido pouco poder sobre suas próprias vidas – apenas um pouco mais do que as mulheres da classe operária têm.
Com relação a quaisquer aspectos de uma sociedade dividida em classes, as mulheres das diferentes classes têm interesses e necessidades completamente opostos e inconciliáveis. Os vestidos gloriosos usados pelas mulheres ricas nas cortes e na sociedade dos séculos 18 e 19 dependiam do trabalho com baixos salários de outras mulheres nas tecelagens, do absoluto empobrecimento das rendeiras e da escravidão da mulher nos campos de algodão do Império Britânico.
E ainda hoje a carreira das mulheres que voam alto na cidade de Londres, em geral é possível somente pelos baixos salários recebidos por outras mulheres que cuidam de suas casas e de suas crianças.
Não obstante, essas mulheres que alçam altos vôos sentem-se injustiçadas porque seus colegas do sexo masculino e mesmo os seus rivais profissionais num mundo altamente competitivo não têm que ser preocupar com o cuidado e a educação das crianças, apenas destinam parte de seus vultosos salários para pagar por isso (isto agora está mudando um pouco, mas ainda muito pouco). A mulher também tem que trabalhar mais horas (inclusive o trabalho doméstico não-remunerado) e receber salários mais baixos. As maiores diferenças entre os salários recebidos por homens e mulheres em funções similares encontram-se nos mais altos postos dos setores bancário e financeiro.
Mas, não estamos aqui para lutar por melhores salários para o mais alto nível das mulheres da cidade de Londres. Estamos lutando para que o capitalismo como um todo seja abolido. Os enormes salários e bônus recebidos por homens e mulheres naquele setor têm como base a exploração de homens e mulheres da classe operária por todo o mundo, cujo trabalho diário sob a opressão constrói a riqueza dos bancos gigantescos.
Surge uma confusão em meio ao movimento feminista devido ao fato de que, por se tratar de uma sociedade dividida em classes, a propriedade privada e o poder que a sua posse outorga têm sido concentrados nas mãos da classe masculina dominante. Os homens tomam as decisões e arranjam a sociedade de forma a adequar-se às necessidades deles.
As mulheres das classes mais abastadas têm sido beneficiadas pela riqueza acumulada por seus maridos, mas elas têm pouco poder sobre isso. Como suas irmãs da classe operária, são forçadas à dependência da atividade econômica de seus homens. Historicamente, tanto as mulheres das classes mais abastadas quanto menos vêm sofrendo com a falta de poder de decisão no transcorrer de suas vidas – assim como os homens do operariado.
A dominação dos homens sobre as mulheres na classe operária está mudando rapidamente agora com a expansão do capitalismo e a busca desenfreada por maiores lucros, as mulheres estão cada vez mais presentes na formação da força de trabalho. As mulheres estão começando a ganhar algum grau de independência econômica e isso é crucial para a condição feminina. Apenas essa independência pode inserir qualquer liberdade legal ao divórcio. As leis de emancipação e igualdade nada significam se uma mulher tem de escolher entre permanecer num casamento ruim ou passar fome.
As mulheres das classes privilegiadas nunca precisaram enfrentar tal escolha. Historicamente, o divórcio poderia levá-las a não viver tão bem ou o exílio da vida social, mas raramente as levaria à ruína.
Ainda hoje as diferenças salariais entre homens e mulheres e a escassez e o alto custo do cuidado infantil de boa qualidade significam que a maioria das mulheres da classe operária ainda enfrenta a pobreza se rompe seus casamentos. Entretanto, de qualquer forma, é preferível isso ao veneno de um mau casamento que prejudica ambos os cônjuges e seus filhos.
Essa é a cruz do feminismo do ponto de vista das mulheres da classe operária. Outra prioridade deve ser a igualdade de salários e um serviço de qualidade provido pelo estado para a educação e o cuidado das crianças, de forma a que nós, as mulheres, possamos ir para o trabalho sabendo que nossas crianças estão protegidas e bem tratadas. Todas as demais liberdades de classe femininas advêm dessa. Apenas quando alcançarmos este direito estaremos em pé de igualdade com os nossos irmãos trabalhadores.
Os homens das classes trabalhadoras têm muitas razões para apoiar a nossa luta para alcançar esses objetivos. Quanto mais as mulheres forem vulneráveis do ponto de vista econômico, mais os capitalistas poderão tirar vantagem, pagando salários menores e, portanto, preferindo empregar mulheres a homens. As classes trabalhadoras devem estar unidas e coesas num todo para defender salários iguais, condições e posições para as mulheres trabalhadoras – ou qualquer outro trabalhador que possa ser explorado devido à sua raça, gênero, sexualidade ou religião.
É por este motivo que o Novo Partido Comunista da Grã-Bretanha não apóia as organizações separadas para mulheres no movimento sindical – nem para trabalhadores negros ou asiáticos. Uma vez que as mulheres ou os negros têm uma base separada em um partido ou sindicato, a ‘corrente principal’ (os homens brancos) partem do princípio que estas questões estão contempladas e não mais sob sua responsabilidade. Alguns sentem até mesmo timidez e falta de confiança em expressar pontos de vistas sobre questões de discriminação, se não tiveram a experiência de ser discriminados.
Entretanto, todos os membros da classe operária sofrem a exploração que aumenta na medida em que a classe é dividida em partes menores distintas. Cada membro da classe operária tem um interesse saudável na defesa de direitos e condições para a classe como um todo.
Quando se vê a luta pelos direitos das mulheres da perspectiva de classe, pode-se perceber que algumas proeminentes feministas tomaram uma posição completamente equivocada sobre a controvérsia do uso do véu pela mulher muçulmana.
Jack Straw anunciou publicamente em outubro passado que havia pedido a mulheres constituintes muçulmanas que o visitaram em seu gabinete no Parlamento que tirassem o véu que ele considerava uma barreira à comunicação. Agindo assim, provocou um amplo debate sobre o uso do véu: trata-se de um símbolo da opressão contra a mulher ou de um símbolo da solidariedade à fé muçulmana, usado por mulheres que sentem que a sua religião e a comunidade estão sendo atacadas.
Devemos enfatizar nisso o oportunismo do anúncio de Jack Straw. Ele é um político burguês profissional que tem consciência de que tudo o que falar terá um impacto. Provavelmente as mulheres muçulmanas costumam vir ao seu gabinete parlamentar há muitos anos, mas ele escolheu este momento em particular para fazer um pronunciamento público sobre algo que muitos teriam pensado não se tratar de uma questão política – uma peça particular da vestimenta de uma constituinte.
Na era Vitoriana ou Eduardiana muitas mulheres usavam um véu de renda, suspenso de seus chapéus e ninguém teria pensado que fosse algo incomum. Na verdade, mesmo nos anos 1950, as revistas de moda traziam muitas fotos dos últimos modelos de chapéus usados, muitos deles com redes e véus. As noivas ocidentais ainda usam tradicionalmente véus e os ministros do governo não comentam nada sobre isso.
Mas o anúncio de Jack Straw coincidiu com a islamofobia e o crescimento da demonização dos muçulmanos, ligando-os a grupos terroristas como a al-Qaida. Isto é parte da familiar tática imperialista usada para atacar uma comunidade estrangeira e então demonizá-la como se fossem selvagens incivilizados, se demonstram alguma reação.
Desde a declaração de Balfour em 1918, as potências imperialistas do Ocidente desejam possuir e controlar as vastas reservas de petróleo existentes no território árabe e para fazer isso, tentam subjugar direta ou indiretamente os povos árabes, impondo-lhes fronteiras nacionais arbitrárias e governos títeres.
O imperialismo cometeu milhares de ataques agressivos e brutais, invasões, atrocidades e manipulações dos povos árabes, culminando com a invasão ilegal do Iraque em 2003. As crianças nas escolas do Ocidente aprendem a história da segunda guerra mundial, mas não a história do Oriente Médio; a maior parte da classe operária do Ocidente não tem idéia das boas razões para a fúria dos povos árabes.
Não é surpreendente que os povos árabes tentem revidar em certas ocasiões, usando os meios de que dispõem. Como não possuem o sofisticado armamento dos imperialistas, alguns, na sua dor, raiva ou frustração, têm lançado mão do terrorismo e dos homens-bombas suicidas. E quando agem assim, a mídia ocidental os descreve como muçulmanos fanáticos que, por razões inexplicáveis, desprezam os “valores democráticos ocidentais” e engendram uma guerra para impor a lei muçulmana ao mundo inteiro.
E, logicamente, no amplo espectro da cultura muçulmana, há alguns fanáticos de extrema direita que desejam impor a lei muçulmana no mundo. Politicamente essa camada do islamismo foi reforçada e promovida secretamente pela CIA – o braço oculto do governo norte-americano – nos anos 1970 e 1980 como força contrária à esquerda e ás tendências socialistas no Oriente Médio, especialmente no Afeganistão, para desestabilizar o governo pró-soviético lá existente.
Assim a mídia ocidental pode produzir exemplo de muçulmanos que são fanáticos da extrema direita para aterrorizar a população e fazê-la apoiar as leis “antiterroristas” que impedem as liberdades democráticas para todos. Por esta razão, o imperialismo ocidental vê com bons olhos esta versão fanática da extrema-direita do islamismo.
Entretanto, com respeito ao uso do véu e os direitos das mulheres; quando as revistas de moda ou os programas de TV do tipo O que não usar nos dizem o que deve ou não ser usado, devemos prestar atenção nas nossas escolhas. Mas, quando um ministro do governo começa a nos dizer o que devemos ou não usar, já se torna algo sinistro.
Straw sabia perfeitamente bem que os tablóides de direita iriam levantar ao assunto e acrescentar as implicações que ele não deixara claro – que os códigos da vestimenta muçulmana estão associados ao fanatismo dos perigosos estrangeiros que estão fora de seus países para destruir a civilização ocidental. Não demorou muito para que as mulheres muçulmanas fossem atacadas nas ruas, tendo seus véus rasgados, arrancados e estando sujeitas a toda a sorte de abuso racista, xenófobo e sexista.
Sob estas circunstâncias, muitas garotas muçulmanas de espírito e coragem começaram a usar os véus como um ato de desafio e de solidariedade à sua comunidade – e não porque seus homens ordenassem que elas os usassem.
Nos, comunistas, vemos todas as religiões como um pensamento retrógrado e equivocado, o que não significa que não respeitemos as pessoas que guardam pontos de vista religiosos. Novamente, para nós é uma questão de classe; apoiamos e nos aliamos às forças progressistas que lutam pela libertação da classe operária internacionalista da opressão imperialista; e lutamos contra aqueles cujas palavras e atos promovem o poder imperialista.
Procuramos promover a unidade entre os trabalhadores e combater as divisões artificiais baseadas em gênero, orientação sexual, raça, credo etc. Para as classes trabalhadoras, a divisão por um detalhe da vestimenta é absolutamente absurda. Somos contra leis, ou pressão cultural para impor um código particular de vestimenta para quaisquer trabalhadores.
Defendemos o direito da mulher muçulmana de escolher se quer ou não usar o véu, de acordo com suas inclinações, livre de pressões de ministros de governo ou de quem quer que seja. A maioria das mulheres muçulmanas na Grã-Bretanha prefere não usar o véu – não é um acessório prático, mas não é menos prático do que a gravata tão comum usada pelos homens burgueses – é uma escolha delas.
A demonização dos muçulmanos é uma prática sinistra. A questão talvez ficasse mais clara se o governo tivesse condenado os judeus por usarem o acessório tradicional associado à sua religião.
Certamente não vamos influenciar pontos de vista de religiosos muçulmanos na Grã-Bretanha, homens ou mulheres, emitindo opiniões sobre sua vestimenta. Quando as comunidades estão sendo atacadas, elas se unem e ultrapassam as diferenças entre elas existentes.
A classe operária não abandonará o pensamento religioso e as armadilhas culturais que vêm com ele, simplesmente porque receberam ordem de agir assim. Ela o fará se sua própria experiência lhe mostrar que é a solidariedade da classe operária e a revolução socialista que a livrará – e às suas famílias – da opressão e da exploração, enquanto a religião os prende e fortalece a opressão.
Enquanto isso, devemos lutar para construir uma classe operária unida e fazer oposição àqueles que nos dividem, estabelecendo uma classe operária feminina contra uma classe operária masculina ou vice-versa Devemos reconhecer que enquanto um gênero enfrenta oposição, discriminação e injustiça, o outro não poderá der livre. O prejuízo de um é o prejuízo de todos.
Tradução livre por Maria Helena D’Eugenio, membra da União Brasileira de Mulheres