Desempenho de Lula em entrevista coletiva foi bem avaliado
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva concedeu ontem (15) a primeira entrevista coletiva desde que assumiu o segundo mandato . Esta é também a primeira entrevista do presidente sob a assessoria do ministro da Comunicação Social, Franklin Martins. A av
Publicado 16/05/2007 16:18
Ontem, Lula abriu a entrevista dizendo que aquele encontro com os jornalistas fazia parte do compromisso, assumido no ano passado, de melhorar a relação com a imprensa. Ao término da entrevista, que durou cerca de duas horas, o presidente reconheceu que vale a pena fazer essas entrevistas e que pretende ampliar esse canal, que foi pouco utilizado no primeiro mandato. “Eu estou muito mais flexível no segundo mandato. Aproveitem”, disse Lula aos jornalistas.
Leia abaixo a opinião da jornalista Rosângela Bittar, chefe da Redação, em Brasília, do jornal Valor Econômico.
“Uma mudança, sem dúvida”
O presidente Lula cumpriu uma marcação em muitos pontos perfeita, registrando grande diferença com relação a si próprio, na entrevista coletiva de ontem, a primeira sob a orientação do novo ministro da Comunicação, Franklin Martins. Foi também a primeira do segundo mandato, a segunda como presidente da República, enfim, classificações que se perdem um pouco na prática igualmente salutar que vinha adotando de responder imediatamente a questões de interesse da população, no calor dos acontecimentos, em salões ou portarias do segundo governo.
Lula mostrou-se mais seguro, mas houve também uma mudança de conteúdo. Foram muitas as informações novas sobre o governo e sobre seu pensamento em questões polêmicas transmitidas pelo presidente à sociedade, por intermédio dos repórteres.
Nunca ficou tão clara, por exemplo, a decisão do presidente Lula de endurecer as normas sobre greves, instrumentos de luta política que utilizou em toda a sua vida adulta que o governo quer agora regulamentar com uma lei específica, cujos traços iniciais são contestados pelos antigos colegas de paralisação do agora chefe do governo.
Igualmente controvertido, o aborto, ainda mais agora depois de reavivada a restrição da Igreja católica à prática, mereceu do presidente corajosa definição de princípios, com indicações sobre os caminhos legais que seu governo deverá tomar no caso. Ficou claro que, para Lula, a atual lei que permite o aborto em casos de estupro é insuficiente, não serve ao princípio de que o aborto é caso de saúde pública e portanto responsabilidade do Estado.
Lula revelou, finalmente, com grande naturalidade, também o que o professor de Harvard, Mangabeira Unger, vem fazer no governo do PT, assumindo cargo de ministro de uma secretaria especialmente criada para ele, a Sealopra (ações de longo prazo). Ele está encarregado de formular uma “Constituinte de Obras” para o Brasil até 2022, que Lula pretende mandar ao Congresso, certamente antes do término deste seu mandato. O que vem a ser exatamente esta Constituinte ainda carece de informações e explicações, que devem vir um dia, mas o fato de existir um projeto, com nome e talvez indicações de caminhos, sobre o qual Unger deve se debruçar, já é algo que não se imaginava.
Sucessão
Foram muitas as informações objetivas dadas pelo presidente Lula a respeito de decisões que já tomou com relação à sua sucessão. Ele vai se envolver totalmente na campanha, apresentará um candidato, a ser escolhido entre os partidos que formam sua coalizão de governo, e não lhe parece difícil, ao contrário do que se vem falando entre os políticos aliados, fazer esta escolha. O próprio Lula ressaltou a ajuda que a ciência vem dando às campanhas eleitorais, em que da escolha do candidato de vitória mais viável, ao discurso que o eleitorado quer ouvir, tudo pode ser definido com base em pesquisas. “Hoje só erra quem quer”, constatou o presidente que teve várias candidaturas mal sucedidas. O figurino de candidato da base para 2010, porém, sempre cabe melhor nele mesmo, Lula, como o candidato mais viável da coalizão, mas na entrevista de ontem o presidente foi tão veemente na negação de uma terceira candidatura consecutiva em 2010 que é preciso acreditar nisto, pelo menos por enquanto. Compromisso que Lula não assumiu tão claramente com relação a 2014. Esta possibilidade ficou totalmente em aberto.
Os comentários de Lula sobre a política econômica e monetária que seu governo vem executando foram inéditos em seu discurso, e assumiu posições em dia de desequilíbrio nos mercados.
Ao contrário do habitual, Lula criticou, sem exageros, a oposição; atribuiu pouco de seus insucessos aos adversários; evitou o recorrente discurso de culpar a mídia por todos os males de seu governo; não recorreu à ironia nervosa – que soa meio falsa, devem ter lhe dito os que o treinaram para o encontro com a imprensa – sempre que confrontado com assuntos mais difíceis.
Mas deixou, ainda desta vez, em um ato preparado para caracterizar uma mudança, lacunas significativas. Por exemplo: o presidente não deu resposta para a pergunta sobre a crise aérea, deflagrada há oito meses, sem qualquer sinal de solução até hoje para os usuários desses serviços. Tergiversou, enrolou, ficou vagando entre o acidente da Gol e as dificuldades da desmilitarização, utilizando, na sua resposta, 1.204 palavras para nada.
Não foi também convincente sobre o banho que o Brasil está levando da Bolívia, com a ajuda contundente da Venezuela. Lula ensaiou leve restrição a Evo Morales, ao falar que não admite quebra de contrato, mas para Hugo Chaves sobraram apenas juras. A política externa, por sinal, sempre considerada no governo a jóia da coroa, foi destaque pelo G20, criado no distante ano de 2003.
Páreo para a crise aérea foi a abordagem que o presidente fez a respeito do gravíssimo problema da segurança. Aqui, onde nada avançou, Lula praticamente lavou as mãos.