Araguaia: PF ajudará na busca por corpos dos guerrilheiros

O governo deu sinal verde para a retomada das investigações sobre a localização dos corpos dos 58 guerrilheiros mortos e desaparecidos na Guerrilha do Araguaia. Informado do conteúdo do relatório da comissão interministerial que trabalhou nos últimos q

O ministro Paulo Vanucchi, da Secretaria Especial de Direitos Humanos, referiu-se aos policiais federais com um comentário elogioso e um desafio: se são capazes de executar operações como a Furacão, podem também localizar os corpos de desaparecidos. A Polícia Federal aceita o desafio.


 


– Nossa missão é procurar e encontrar mortos ou vivos. Se for provocada, a polícia vai agir – diz Renato Porciúncula, diretor de Inteligência da Polícia Federal.


 


Porciúncula lembra ser necessário que o ministro da Justiça, a quem o órgão é subordinado, requisite a participação da Polícia Federal na força-tarefa que a Secretaria Especial de Direitos Humanos pretende levar à região. Será a quinta expedição em busca dos corpos dos militantes do PCdoB desaparecidos entre 1972 e 1975. O objetivo é localizar restos mortais em cemitérios clandestinos usados pelos militares para enterrar os cadáveres dos ativistas.


 


Alguns deles foram presos e executados por grupos que estavam à época sob o comando do ex-deputado e atual prefeito de Curionópolis (PA), Sebastião Rodrigues de Moura, conhecido por Major Curió. O delegado Porciúncula diz que a ação da polícia não pode ter caráter político. Acrescenta que o foco de investigação mais eficiente para elucidar de vez a questão passa pela tomada de depoimento de militares que estiveram na região cumprindo missão oficial.


 


– A melhor fonte de informações são as pessoas que participaram do conflito. Não acredito que haja mais problemas ideológicos ou políticos. É um caso que requer informação, tecnologia e sorte, mas estamos preparados para o desafio – declara Porciúncula. – A nova expedição e a força-tarefa dependem apenas de uma ordem do presidente Lula.


 


A trilha de investigação mais segura, segundo o próprio relatório encaminhado ao presidente, é ouvir os relatos de cerca de 50 oficiais que atuaram na repressão à guerrilha pelo Exército, Marinha e Aeronáutica e que ainda estão vivos. Só eles poderiam esclarecer, definitivamente, se os corpos foram queimados para apagar vestígios ou apontar os locais onde ainda estariam enterradas ossadas de guerrilheiros. Nos casos de sumiço completo de vestígios, a Polícia Federal poderia usar depoimentos de militares para presumir a morte do ativista desaparecido.


 


Além de colher depoimentos que identifiquem quem foi enterrado em determinado local, a Polícia Federal pode requisitar o exame de DNA de ossadas encontradas. A Secretaria Especial de Direitos Humanos já tem um banco de DNA com dezenas de amostras de sangue colhidas de familiares de presos políticos desaparecidos. Um laboratório americano privado, o Genomic Engenharia Molecular, com filial em São Paulo, foi contratado pelo governo para fazer os exames.


 


– Não há de nossa parte nenhum sentimento de revanchismo. Nosso desejo é resolver uma demanda do presente para projetar o futuro, atendendo a um direito fundamental dos familiares, que é enterrar dignamente aqueles que morreram – diz o presidente da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos, Marco Antônio Barbosa, que trabalhou na elaboração do relatório. – Precisamos colocar um ponto final nessa história. Essa é uma ferida ainda aberta.


 


Barbosa afirma que a Polícia Federal tem estrutura para ajudar a elucidar a ''questão Araguaia''. Sugere a criação de uma ''agenda de Estado'' para tratar do assunto.


 



Expedição partirá entre junho e julho



 


A nova expedição em busca de ossadas de guerrilheiros desaparecidos terá início entre o fim de junho e início de julho, quando começa a temporada de seca na região. No ano passado, na chamada Operação Canastra, peritos do Instituto Nacional de Criminalística da Polícia Federal passaram vários dias procurando vestígios de restos mortais na Serra das Andorinhas e numa localidade conhecida por Dois Coqueiros, em São Geraldo do Araguaia (PA).


 



A investigação não surtiu efeito devido a um detalhe elementar: era época de chuvas, o que tornou impossível, mesmo com o uso de equipamentos sofisticados de rastreamento, se chegar a um resultado. As áreas vistoriadas haviam virado charco, e as informações e coordenadas geográficas passadas à Polícia Federal eram inadequadas.


 



– Ficamos uma semana na região. Foi só uma investigação pontual, para atender a um pedido – diz Renato Porciúncula, diretor de Inteligência da Polícia Federal.


 



Havia indicações de que em Dois Coqueiros poderia estar enterrada a guerrilheira Helenira Resende de Souza Nazareth, a Fátima, ex-estudante de letras da USP, morta por uma rajada de metralhadora no dia 29 de setembro de 1972, num confronto ocorrido na localidade conhecida por Oito Barracas. Na Serra das Andorinhas, a Polícia Federal procurou vestígios de cerca de 45 corpos que, segundo o ex-coronel aviador Pedro Cabral, teriam sido desenterrados de cemitérios ou covas clandestinas e destruídos em 1975 como ''queima de arquivo''.


 



O objetivo, segundo Cabral, foi apagar vestígios da guerrilha e evitar que o regime militar tivesse de se explicar às cortes internacionais sobre a execução de guerrilheiros.


 



Pendência histórica


 


Para movimentos de esquerda, o esclarecimento de violências cometidas durante o regime militar é a mais séria pendência histórica brasileira dos últimos 43 anos – um desafio ao presidente Lula e a integrantes do governo que pegaram em armas para combater a ditadura. Entre os confrontos ocorridos na área rural e em centros urbanos como Rio e São Paulo, estão desaparecidos cerca de 150 ativistas de esquerda.


 


Nos grandes centros, o regime militar envolveu as máquinas policiais estaduais para fortalecer a repressão. Já no Araguaia, a operação teve caráter de campanha militar, com o uso de grupos do Exército, Marinha e Aeronáutica.



Fonte: Jornal do Brasil
 


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