Cássio Borges: Integração do São Francisco

Sempre defendi a tese que o confronto entre os que são a favor ou contra o Projeto de Integração do Rio São Francisco deveria ser no campo das idéias, no pro

Mas alguns se acham com o direito de opinar sobre questões hídricas do semi-árido, sem que tenham um conhecimento da complexa e cruel realidade nordestina. Quando estive em Brasília, em meado de março último, a convite do deputado Chico Lopes, para participar de uma Audiência Pública, na Câmara dos Deputados, em favor do Projeto de Integração, ao tomar conhecimento de que, no dia seguinte, também, ia haver uma Audiência Pública dos contrários a esse empreendimento, não tive outro pensamento, senão o de permanecer mais um dia naquela cidade, para me fazer presente a esse evento.


 


Anonimamente, coloquei-me no meio do auditório. A referida audiência, realizada no dia 15 de março, na Câmara dos Deputados, foi presidida pelo deputado Iran Barbosa, de Sergipe. Ouvi os três expositores: João Suassuna, da Fundação Joaquim Nabuco, professor João Abner, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e a Procuradora Luciana Khoury, da Bahia. Pessoalmente, entreguei ao deputado Iran Barbosa um papel contendo meu nome e minhas credenciais como ex-membro da Comitê de Estudos Integrados do Vale do Rio São Francisco solicitando minha inscrição como debatedor do tema.


 


Depois de um breve entendimento entre os componentes da mesa, o deputado Iran Barbosa disse que, ´de acordo com as normas daquele tipo de audiência, só quem pode falar é deputado´. Indignado, fiz um veemente protesto dizendo que aquela atitude era um ato antidemocrático. Falei que eu queria mostrar para os Senhores ´que tanto o Dr. João Suassuna, como o professor João Abner, em suas palestras, denotaram desconhecer as reais características do semi-árido nordestino. Isto, eu quero demonstrar para os Senhores…´ . Como o clima não me estava sendo favorável, disse que iria me retirar do recinto. Foi quando o deputado Jaques Barreira, solicitou-me que permanecesse.


 


Depois de terem falado seis deputados, um velho pescador do Rio São Francisco e mais trinta outros que representavam as 600 pessoas que estavam acampadas, em Brasília, para protestar contra o Projeto de Integração, veio mais para frente e começou a falar. Disse que ´antigamente nós tínhamos no prato do dia o peixe e o arroz, hoje nós não temos mais nem um e nem o outro´.


 


Depois que o pescador falou, o próprio deputado Iran Barbosa, de Sergipe, que estava presidindo a reunião, reconsiderou o seu posicionamento de que ´só deputado podia falar´ naquela Audiência e concedeu-me a palavra.


 


Iniciei dizendo que os opositores desse Projeto ganharam força quando o eminente geólogo Aldo Cunha Rebouças, cearense, há anos radicado em São Paulo, escreveu um trabalho no livro ´Águas Doces no Brasil´, editado em 1999. Nesse artigo, ele cometeu um lamentável engano ao considerar como ´água disponível´ os 15,5 bilhões de metros cúbicos da capacidade de acumulação de todos os açudes do Estado do Ceará e fundamentou o seu trabalho nessa falsa premissa. Ele valeu-se desses 15,5 bilhões de m3, que achava ser ´água disponível´, e dividiu pela população então existente em nosso Estado e encontrou o valor de 2.279 m3/hab/ano que, segundo a classificação das Nações Unidas (1997), se encontra na categoria ´suficiente´, ou seja, que há bastante disponibilidade hídrica nos rios do Estado do Ceará. É nessa conclusão que o pesquisador, João Suassuna apregoa, que o Projeto de Interligação de Bacias é ´chover no molhado´, expressão sua.


 


Quando foi realizado em Fortaleza o 5º Congresso da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência – SBPC, em julho de 2005, numa sessão presidida pelo Dr. Aldo Rebouças, dirigindo-me a ele, disse que era inadmissível considerar-se como ´água disponível´ toda a água armazenável nos açudes da região nordestina, onde a evaporação é da ordem de 2.500 milímetros anuais. Exemplifiquei com o Açude Orós que tendo 2 bilhões de m3 de água, somente 378 milhões de m3 são, realmente, disponíveis. Portanto, menos de 20% de sua capacidade de armazenamento. O Dr. Aldo reconheceu, seu engano e disse, de público, que iria reformular o seu trabalho.


 


Afirmei, ainda, naquele Congresso da SBPC, em Fortaleza, que se eu considerar 20% do total de água armazenável nos açudes do Estado do Ceará, ou seja 15,5 bilhões de m3, vou encontrar 3,1 bilhões de metros cúbicos, que é o volume d`água realmente disponível. Com este valor de 3,1 bilhões de m3, dividindo-se pela população como fez o geólogo Aldo Rebouças, vai resultar em 460 m3/hab/ano, valor este considerado supercrítico nos parâmetros das Nações Unidas, que admite ser de 1.000 m3/hab/ano a disponibilidade hídrica social mínima para a sustentabilidade da vida. Portanto, não tem nenhum embasamento técnico a tese do pesquisador João Suassuna de que esse projeto é ´chover no molhado´.


 


Cássio Borges é engenheiro civil com cursos de especialização em Recursos Hídricos e Barragens pela Escola Nacional de Engenharia