Mãe leva garota ao tribunal por roubar talão de cheques
Uma garota de 14 anos está intimada a comparecer nesta quinta-feira (9) diante do Juizado de Menores de Thionville (cidade do departamento francês de Moselle, perto da Alemanha), acusada de “roubo” e “falsificação de cheques”. Nada mais banal. Exceto porq
Publicado 08/08/2007 17:22
Em 22 de junho passado, a colegial saiu de casa com uma colega de classe, levando o talão de cheques da mãe. As duas fujonas usaram o talão várias vezes durante sua escapada, que a levou, de trem, até Marselha (na outra ponta da França). Depois de se instalarem em um hotel, as adolescentes pintaram e bordaram, entre banhos de shopping e sessões de cabelereiro. A farra durou apenas alguns dias, mas custou a bagatela de 250 euros (R$ 6.500). “Bem mais que um mês de salário da mãe, uma faxineira que cria seus filhos sozinha”, alega o vice-procurador de Thionville encarregado da Vara de Menores.
Graças ao rastro que os cheques roubados deixaram, a polícia logo pôde localizar as duas “desaparecidas”. “A mãe de minha cliente de fato deu queixa contra sua filha, embora me pedisse para assumir sua defesa”, diz Catherine Le Menn-Meyer, a advogada da garota. “Ela estava morta de inquietação. Acho que foi a raiva.”
Depois de uma noite detidas, as duas colegiais foram postas em liberdade, munidas de uma intimação para comparecer perante o juiz de menores. O tribunal deveria julgar o caso em setembro. Nenhuma punição educativa foi adotada, mas, depois de voltar a Moselle, a principal acusada deixou a casa da mãe e mora com sua irmã mais velha.
“Contra o espírito da lei”
Fiel a uma tradição cujas origens remontam ao direito romano, a lei rejeita, em nome da “coesão das famílias”, a aplicação de uma pena contra alguém que roube um familiar seu. “Não existe roubo entre esposos”, ensina a doutrina jurídica, mas na verdade a regra se estende a todos os parentes próximos: ascendentes, descendentes e cônjuges.
“A força dos laços familiares pareceu ao legislador poderosa o bastante para legitimar a existência de imunidades (penais) especiais”, comentam Roger Merle e André Vitu, no seu Tratado de direito criminal. O roubo, quando o autor é o marido, ou o pai, ou a filha, pode se verificar mas a imunidade familiar fica assegurada, “para evitar o escândalo” (René Garaud) de uma perseguição considerada “contra a natureza”. O antigo código criminal francês limitava o princípio ao delito de roubo; desde 1944, a regra se aplica expressamente a outros delitos, como fraude e abuso de confiança.
Mas então qual foi a base do judiciário de Thionville para dar seqüência ao processo? A lei de 4 de abril de 2006, que reforça a repressão e prevenção de violências conjugais, faz exceção ao princípio da imunidade familiar quando o roubo “incide sobre objetos ou documentos indispensáveis à vida cotidiana da vítima, tais como documentos de identidade (…) ou meios de pagamento”. “Em vista das somas desviadas, e com base nesta nova disposição, julgamos oportuno dar seqüIencia à queixa da mãe”, pronunciou-se o tribunal de Thionville.
A advogada da garota considera a decisão “contrária ao espírito da lei”. “A lei visa evitar que um marido violento exerça uma coação moral sobre sua esposa, por exemplo roubando seus papéis. Estamos longe de um caso assim. Aliás, se minha cliente tivesse roubado jóias seria beneficiada pela imunidade familiar”, sublinha Catherine Le Menn-Meyer.
De qualquer maneira, a aplicação do texto coloca a mãe em uma situação delicada. Embora seja a querelante e a vítima, ela permanece como a “responsável civil” pelos atos de sua filha menor.
Fonte: Le Monde