O inferno astral do governo Yeda

Pouco a ver com a configuração dos astros e mais com uma opção de discurso e projeto, talvez seja esta a real situação vivida pelo governo Yeda (PSDB) no RS. Muito embora a alusão do ''inferno astral'' da gestão tucana à frente do Piratini sirva como m

O capítulo mais recente das dificuldades enfrentadas pela governadora foi a esmagadora derrota na Assembléia Legislativa do chamado ''pacotaço''. Pelo que fez, e o que tentou fazer, o governo do PSDB no RS já possui algumas características marcantes: prioridade fiscalista ao enfrentar a crise financeira do governo, inabilidade política, forte tendência privatista, precarização das políticas públicas e truculência na relação com a sociedade.


 



''Pacotaço'' derrotado


 



Depois de mais de 40 dias de negociações para buscar a aprovação dos projetos que aumentariam a alíquota do ICMS sobre produtos como gasolina e álcool combustível, refrigerantes, bebidas alcoólicas, energia elétrica e telecomunicações e que repassariam serviços do Estado para órgãos privados, no dia 14 de novembro o governo Yeda sofreu uma derrota fragorosa na Assembléíá: 34 votos a zero. Nem mesmo a tentativa de esvaziar o plenário para forçar a prorrogação do debate funcionou. 13 deputados de partidos da ''base aliada'' ao governo permaneceram e votaram contra os projetos.


 


A governadora, que procura cunhar a imagem de mulher corajosa, que enfrenta com ''realismo'' a crise financeira do Estado, tem sido cobrada por contrariar o discurso de campanha, no qual dizia que não aumentaria impostos. ''Se foi entendido que eu havia prometido que não ia aumentar imposto, faço mea-culpa, não me expressei direito'', disse em entrevista recente.


 



O deputado Raul Carrion (PCdoB) chama a atenção para o que, segundo ele, estava por trás do ''pacotaço'': foi a tentativa do governo de promover o ''desmonte'' do Estado, com o projeto de Lei Estadual de Responsabilidade Fiscal, que significaria um ''congelamento'' dos gastos com pessoal e com a máquina pública e criaria as OSCIPs (Organização Social de Interesse Público) – para as quais o governo repassaria diversas obrigações que seriam dele, na consecução dos serviços públicos. ''E o pior, é fazer esta transferência de responsabilidade sem a mínima transparência, escolhendo os agentes de maneira arbitrária'', disse.


 



Reação: mais arrocho e mais crise


 


 


Logo que ocorreu a derrota, a reação da governadora diante da catástrofe por que passava seu governo e a composição política do Piratini, foi a de reafirmar a estratégia do arrocho – do “doa a quem doer”. Em entrevistas a jornais do centro do país, como Valor (22/11) e Folha de São Paulo (26/11), sinalizou com aumento zero de salários para os funcionários por três anos, corte de benefícios fiscais do setor produtivo e baixo investimento.


 


 


Mesmo dentro do governo começam reações ao sentido fiscalista de gestão. O Secretário de Desenvolvimento e Assuntos Internacionais, Nelson Proença, afirmou em uma palestra para empresários que o governo era “uma fábrica de más notícias”, e que estaria afugentando os investidores. Disse ainda que “ou o Rio Grande do Sul incorpora o discurso do desenvolvimento e abandona o único tema de sua agenda até agora, ou, infelizmente, vai apenas assistir aos investimentos nos Estados de São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Santa Catarina e Rio de Janeiro”.


 


 


A posição do governo estadual tem contrastado com a situação do setor privado gaúcho que, em geral, tem apresentado bons resultados e previsões otimistas. O efeito das secas na economia já está totalmente superado, o campo apresenta crescimento assim como comércio e indústria. A FIERGS comemora bons resultados projeta crescimento para o setor industrial de até 6% em 2008. Outro fator é o de que o Brasil vai bem. Voltou a crescer e se ampliam as exportações, o que ajuda a economia gaúcha. Sem falar nos investimentos realizados pela União, em áreas como a de energia e de infra-estrutura.


 


Enquanto isso, Yeda anuncia que devem continuar os cortes nos orçamentos das secretarias, que somente até agora, foram em média de 30%. Para o economista Davi Fialkow, o governo, a pretexto de equilibrar as contas, promove política de extrema contenção de recursos, o que prejudica o desenvolvimento do Estado e a qualidade dos serviços públicos que devem ser prestados à população, que é quem acaba “pagando o pato''. 


 


Base corroída



Outro problema candente para os tucanos pós-derrota na Assembléia é o político. A governadora terá que reconstruir sua base de apoio na casa, já que os principais responsáveis pela rejeição do pacote na votação foram PP, PMDB e PTB, partidos que integram a base aliada e têm cargos no primeiro escalão. Estes partidos estão rediscutindo a participação no governo tucano. Muitos analistas consideram que faltou, ao governo, capacidade de negociação e sensibilização na relação com os partidos. Yeda chegou a afirmar que, de agora em diante, tratará diretamente com os deputados, deixando os partidos em segundo plano.


 


As denúncias de corrupção no DETRAN são outra pedra no sapato da governadora. A Assembléia deve aprovar a criação de uma CPI. São fatos que tendem a prejudicar a interlocução do governo com os partidos, principalmente os mais envolvidos nos escândalos, todos da base governista.


 



Quem mais sofre


 



A população mais pobre: que terá diminuído os investimentos do Estado nas políticas públicas essenciais, como saúde, educação e segurança.


 


O funcionalismo público: que, além da ameaça de ficar por mais três anos sem reajuste, já enfrenta o problema dos atrasos e parcelamento de salários. Quanto ao décimo terceiro, novamente o governo terá que recorrer ao Banrisul, que financiará os valores para os trabalhadores, de maneira consignada na folha – algo que já ocorrera no governo Rigotto.


 


O setor produtivo: os setores beneficiados por créditos presumidos de ICMS, como as indústrias de carne e leite, terão redução nos descontos que amenizam a carga tributária de alguns produtos.


 


 


Herança neoliberal


 



A oposição credita parte da responsabilidade sobre a crise nas contas públicas gaúchas aos setores que hoje estão no governo, já que estes estiveram a frente na gestão de Antonio Britto  (1995-1999). Na época, o governo estadual, em absoluta sintonia com o governo federal (FHC), implementou reformas neoliberais que fragilizaram o setor público, criando um ambiente recessivo que limitou a capacidade de investimento do Estado.


 


Citam como exemplos a renegociação da dívida com o Estado (1997-1998), que aumentou o comprometimento da receita de 5,4% para 14%; a implementação da Lei Kandir, promovida por FHC com o apoio de Britto e Yeda, que gerou queda de arrecadação para o RS  e prejuízos com compensações de créditos tributários; a guerra fiscal, estimulada por FHC  e adotada por Britto no Estado e as privatizações de empresas sólidas, que hoje poderiam estar colaborando para o financiamento de investimentos públicos.


 


 


Outras alternativas são possíveis


 



Apesar de o governo Yeda apontar um caminho único para resolver a crise financeira, para o deputado Raul Carrion nem o arrocho ou o aumento de impostos seriam as soluções para os problemas do Estado. ''É preciso enfrentar as causas estruturais da crise, e não apenas instituir tarifaço'', afirmou. O deputado apresenta algumas medidas que poderiam ser alternativa para o combate à crise: ''temos que enfrentar a sonegação, estimada em R$ 3 bilhões anuais, recuperar a dívida ativa, que chega a R$ 17 milhões, também é necessário acabar com as anistias fiscais e implementar um sistema eficiente de fiscalização''.


 


Ainda, segundo ele, é necessário um projeto de desenvolvimento para Estado, com incentivo aos micro, pequenos e médios empreendedores, cooperativas e agroindústrias, através de uma política pública de fomento. Desenvolver nova matriz produtiva, com investimento em tecnologia e sintonizar o Estado com o projeto de desenvolvimento do país. “O governo Yeda, infelizemnte, está colocando o Rio Grande na contramão da história”, lamentou. Carrion também defendeu mais disposição do governo para cobrar da União as compensações pela desoneração das exportações, pelo fim da guerra fiscal e redução dos gastos com a dívida.


 



Com os movimentos sociais é “negociar pouco e agir com força”


 



Outra face que tem caracterizado ''o jeito tucano de governar'' no RS é a truculência com que trata os movimentos sociais. Os exemplos são inúmeros. Um dos que mais chamou a atenção foi o comportamento do forte aparato da Brigada Militar  deslocado para acompanhar e reprimir a marcha do MST à Fazenda Guerra, em Coqueiros do Sul. O MST divulgou nota, denunciando os abusos cometidos por policiais. ''A violência da Brigada Militar não é fato isolado ou novo. O Comandante da Brigada Militar tem defendido permanentemente a expulsão das famílias acampadas e a destruição dos acampamentos. A política da Governadora Yeda Crusius para a segurança pública, tem incentivado o autoritarismo e a truculência'', diz o documento.


 



Mais recentemente, no dia 28 de novembro, em uma operação de desocupação de prédio em Porto Alegre, quase cem policiais foram mobilizados para retirar 350 integrantes do Movimento dos Trabalhadores  Desempregados (MTD) do local. A ação contou com apoio do Batalhão de Operações Especiais da Brigada Militar e até mesmo um helicóptero, e policiais a cavalo. Como resultado, seis líderes do movimento foram presos e, o restante do grupo, composto na maioria por jovens, mulheres e crianças, foi em marcha até a delegacia. ''Chegando lá, eles seriam ''autuados por uma série de crimes'', conforme afirmação do sub-comandante geral da Brigada, Paulo Roberto Mendes. O coronel defendeu a ação: ''Estamos cumprindo a lei. Desde 1 de janeiro temos a determinação de negociar pouco e agir com força'', explicou.


 


 


Para onde vai?


 


O que esperar da agenda do governo Yeda em 2008? Segundo o Secretário da Fazenda do Estado, Aod Cunha, depois do aperto virá a bonança, mas será que, para resolver a crise financeira do Estado, o único caminho é implodi-lo?


 



Clomar Porto
Jornalista
Sec. de Comunicação PCdoB RS