Após reunião com Lula, CNBB pede jejeum e oração por Cappio
A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) decidiu apoiar a greve de fome do bispo de Barra (BA), Dom Luiz Flávio Cappio, contra as obras de transposição do rio São Francisco. Em nota divulgada pela entidade, a CNBB convoca as comunidades cristãs
Publicado 14/12/2007 19:06
A CNBB também se manifestou contra a transposição. “Dom Luiz Cappio traz à luz o embate entre dois modelos opostos de desenvolvimento: de um lado, o modelo participativo e sustentável, que valoriza a agricultura familiar e a preservação da natureza; e de outro, o que privilegia o agro e hidronegócio, com sérios prejuízos ambientais e sociais, pois explora o povo e destrói os rios e as florestas”, diz a nota da entidade.
E reitera que a “luta” do bispo tem respaldo em documento da Igreja: “a riqueza natural dos nossos países experimenta hoje uma exploração irracional e vai deixando um rastro de dilapidação, inclusive de morte por toda nossa região. Em todo esse processo, tem enorme responsabilidade o atual modelo econômico que privilegia o desmedido afã pela riqueza, acima da vida das pessoas e dos povos e do respeito racional pela natureza”.
Reunião com Lula
No encontro com Lula desta quarta, o presidente da CNBB, Dom Geraldo Lyrio Rocha, entregou um documento ao presidente no qual a CNBB se coloca à disposição para a retomada do diálogo entre o governo e Dom Cappio.
A CNBB também sugeriu a criação de uma comissão para estudar o projeto do governo e analisar as propostas elaboradas por entidades governamentais, especialistas e movimentos sociais sobre a revitalização e a despoluição do rio São Francisco.
Para a entidade, existem alternativas que podem garantir água para a população do nordeste, como o Projeto Um milhão de Cisternas.
“Por causa da complexidade do projeto de transposição do rio São Francisco, –com suas implicações sociais, econômicas, culturais e ambientais–, julgamos que ainda seria necessário maior discussão, envolvendo as populações ribeirinhas, pescadores, indígenas, quilombolas, cientistas, especialistas e outros setores interessados. O atual Projeto deveria ser mais analisado”, afirmou Dom Geraldo.
“Ceder é perigoso”
Na reunião, o presidente disse que o governo não tem condições de ceder às pressões do bispo. Um dos participantes do encontro relatou que o presidente deixou claro para os bispos que a paralisação das obras para atender a uma demanda “individual” abriria um precedente perigoso. O governo, na avaliação de Lula, não pode parar as obras por causa de uma greve de fome, pois corre o risco de não governar mais.
Após o encontro, Dom Geraldo avaliou que a atitude do bispo não é uma postura “suicida”, mas admitiu que o protesto arranha a imagem da Igreja, especialmente num momento em que a instituição reforça a campanha contra a eutanásia e o aborto.
Sobre a liminar concedida pela Justiça Federal que determinou a suspensão das obras da transposição das águas do rio São Francisco, Cappio comentou que o fato não encerrará sua greve de fome contra o projeto. “Ainda não estamos no fim. Foi um grande sinal de esperança, mas ainda não estamos no final da nossa luta”, afirmou ele, confirmando, pela primeira vez, sentir-se “fisicamente debilitado”. “Fomos presenteados com a chegada da liminar, mas, evidentemente, o governo vai recorrer. Ainda mantenho o meu jejum”, disse.
Visitas
Várias personalidades públicas já prestaram sua solidariedade ao bispo. A deputada federal Luciana Genro (PSOL-RS) e o líder do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) João Pedro Stedile, foram algumas delas.
Luciana Genro disse que buscará ampliar o apoio político ao religioso no Congresso, por meio de articulações e pronunciamentos em plenário. Afirmou também que não vê mais possibilidade de um acordo entre Dom Luiz e o governo.
Já Stedile disse que o MST intensificará ações no país para nacionalizar o debate sobre a transposição. “Aumentaremos nossa voz de denúncia em outras regiões do Brasil, que não são banhadas pelo rio São Francisco e que, aparentemente, não se sentem ligadas ao caso”, afirmou.
“Todo mundo sabe que o projeto da transposição, do jeito que está, é acintoso, atende apenas o interesse do capital”, disse o líder sem-terra.
Família apóia greve
A família do bispo de Barra descartou a possibilidade de interferir pelo fim da greve de fome do religioso contra a transposição das águas do rio São Francisco.
“Se nossa mãe estivesse viva, ela seria a primeira a pegá-lo no colo e deixá-lo morrer”, afirmou o irmão de Dom Luiz, o comerciante aposentado João Franco Cappio, 71. “Quem somos nós para pedir que ele pare?”, perguntou. “Ao contrário, o incentivamos a ir até o fim dos seus propósitos”, disse.
Segundo João, o papel da família no caso é apoiar o bispo. “Se ele precisar descansar o dia inteiro, vai descansar. Se precisar de uma cadeira de rodas, arranjaremos. E se precisarmos transportá-lo em um caixão até a cidade de Barra, onde ele quer ser enterrado, nós o levaremos, porque esse é o seu desejo, e não tem ninguém no mundo que vá dissuadi-lo”, informou.
A família do bispo afirma que, se necessário, passará as festas de fim de ano com o religioso, em vigília com romeiros acampados no local.
“Lula está desejando um feliz Natal a todo o povo brasileiro. Nós vamos ter um feliz Natal, junto com nosso irmão. Só espero que Lula, no Natal, no Ano Novo e pelo resto da sua vida, não tenha que levar na sua consciência a culpa pela morte de um bispo da Igreja Católica”, disse o irmão de d. Luiz.
O Vaticano
Se a obra for mantida, o irmão de Dom Luiz disse acreditar que apenas o papa Bento 16 poderá determinar o fim do jejum. “Mas o papa não fará isso, porque respeita as decisões de um bispo da Igreja Católica Apostólica Romana”, argumenta.
O Vaticano já vem acompanhando o caso, segundo disse o senador Eduardo Suplicy (PT-SP). O congressista visitou Dom Luiz nesta quinta-feira (13) e lhe disse que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva telefonou anteontem para o Estado-sede da Igreja Católica. O senador não revelou o teor da suposta conversa.
“O Vaticano e a CNBB [Conferência Nacional dos Bispos do Brasil] estão em um esforço de diálogo com o governo”, afirmou. “Tanto é que Dom Luiz e eu consideramos muito bem formulada a carta que a direção da CNBB divulgou sobre o encontro com o presidente”, disse.
O bispo reafirmou que manterá o jejum. Nos últimos dias, ele reduziu o tempo de convívio com visitantes e aumentou os períodos de descanso. Diz que sente fraqueza, “cabeça pesada” e “vontade de sentar, deitar e dormir”. Continua lúcido e corado, mas demonstra impaciência.
Leia abaixo a íntegra da nota da CNBB:
“Senhor, concede a vida do meu povo pelo qual te peço” (cf. Ester 7, 3).
O jejum e a oração de Dom Luiz Flávio Cappio, bispo da diocese de Barra-BA, são motivados por seu espírito de pastor que ama seu povo. Dom Luiz expressa seu constante compromisso em defesa do Rio São Francisco e da vida das populações ribeirinhas – agricultores, quilombolas, povos indígenas – e de outras áreas. Sua atitude revela respeito à dignidade da pessoa e da criação e sua convicção de que o ser humano é capaz de conviver em harmonia e respeito com o meio-ambiente.
Assim, Dom Luiz Cappio traz à luz o embate entre dois modelos opostos de desenvolvimento: de um lado, o modelo participativo e sustentável, que valoriza a agricultura familiar e a preservação da natureza; e de outro, o que privilegia o agro e hidro negócios, com sérios prejuízos ambientais e sociais, pois explora o povo e destrói os rios e as florestas. Sua luta em defesa do Rio São Francisco é respaldada pelo que diz o documento de Aparecida: “A riqueza natural dos nossos países experimenta hoje uma exploração irracional e vai deixando um rastro de dilapidação, inclusive de morte por toda nossa região. Em todo esse processo, tem enorme responsabilidade o atual modelo econômico, que privilegia o desmedido afã pela riqueza, acima da vida das pessoas e dos povos e do respeito racional pela natureza” (DA 473).
A CNBB tem afirmado, junto ao governo e à sociedade, a necessidade de dar continuidade a um amplo diálogo sobre o projeto de transposição das águas do Rio São Francisco. Tem sinalizado também a importância da revitalização do Rio e a garantia de toda população ao acesso à água de boa qualidade como um direito humano e um bem público. O Governo democrático tem a responsabilidade de interpretar as aspirações da sociedade civil, em vista do bem comum, de oferecer aos cidadãos a possibilidade efetiva de participar nas decisões, de acatar e de respeitar as determinações judiciais, em clima pacífico.
Julgamos necessário considerar outras propostas alternativas, socialmente adequadas e eficazes, apresentadas por entidades governamentais, especialistas e movimentos sociais, a custos menores e com possibilidade de atingir maior número de pessoas e municípios. Entre essas, destacamos as apresentadas pela ANA (Agência Nacional das Águas), através do Atlas Nordeste, e pela ASA (Articulação do Semi-Árido brasileiro) com a construção de um milhão de cisternas.
Neste tempo de Advento, vivenciando a esperança, convidamos as comunidades cristãs e pessoas de boa vontade a se unirem em jejum e oração a Dom Luiz Cappio, por sua vida, sua saúde e em solidariedade à causa por ele defendida. A esperança não decepciona (Rm 5,5).
Brasília, 12 de dezembro de 2007.
Festa de Nossa Senhora de Guadalupe.
Dom Geraldo Lyrio Rocha
Arcebispo de Mariana
Presidente da CNBB
Dom Luis Soares Vieira
Arcebispo de Manaus
Vice-presidente da CNBB
Dom Dimas Lara Barbosa
Bispo Auxiliar do Rio de Janeiro
Secretário Geral da CNBB