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Fim da CPMF: cortes  afetarão investimentos e programas

O governo perdeu a batalha da CPMF. A derrota no Senado revelou o inconformismo da oposição com a situação do país. A retirada de R$ 40 bilhões do orçamento de 2008 cria a necessidade de promover cortes nos diversos programas de governo e atrasos em ob

Foi a resposta da oposição ao cenário que se consolidava com o crescimento da economia, criação de postos formais de trabalho, o aumento do consumo interno, melhorias na distribuição de renda, as novas descobertas da Petrobras e outros pontos positivos que podiam ser observados e confrontados com os resultados dos governos tucanos (ressaltem-se os preços alcançados para a produção energética no Rio Madeira e para os pedágios das rodovias, que demonstram a pirataria que envolveu o modelo de privatização no período FHC).
Havia uma deliberação de criar embaraços
Analisar os processos de discussão e negociação da CPMF ainda pode ser prematuro. Mas é possível perceber como é ilusório o desejo de diversos setores do governo de construir bases de governança com o PSDB. As propostas de diminuição gradual da alíquota, aumento da compensação da CPMF nas alíquotas da previdência social, ampliação dos recursos para a saúde, todas demonstraram-se insuficientes. Parece certo afirmar que o PSDB saiu dividido nessa questão, mas prevaleceu a disputa com o governo federal, não o interesse da sociedade.



Não houve debate sobre a CPMF. Havia uma deliberação de criar embaraços para o governo, fabricar um ano difícil, diminuir a a capacidade do Executivo para melhorar a prestação dos serviços públicos e apresentar resultados para a infra-estrutura do país.



Meias verdades na imprensa



Hoje, diversos setores da imprensa buscam minimizar o efeito dos cortes, propagandeando a necessidade do governo alterar e melhorar a estrutura dos seus gastos. Escondem ser impossível realizar ganhos operacionais em volume suficiente para compensar a perda da CPMF.



Alegam que não haverá diminuição dos recursos para a saúde ou para o fundo da pobreza, porque essas são “despesas protegidas”.



Meia verdade. O que está determinado em lei são recursos mínimos a serem aplicados. Com o aval do governo, a Câmara dos Deputados já havia aprovado o aumento dos recursos para a saúde: somente em 2008, seriam R$ 4 bilhões extras. Esses aportes estão vinculados à arrecadação da CPMF (10,1788%, 11,619%, 12,707% e 17,372%, da receita dessa Contribuição, respectivamente para cada exercício de 2008 a 2011, totalizando R$ 24 bilhões acima dos valores mínimos). A Bolsa Família não deve acabar mas, nesse cenário, dificilmente teremos ampliação dos seus valores ou das demais programações do Fome Zero.



Ginástica orçamentária não será fácil



Durante todo o debate, pouco foi discutido sobre a natureza das programações orçamentárias que estão a ela vinculadas. A tabela ao lado apresenta os dados da CPMF demonstrando o uso desses recursos. Do total de quase R$ 40 bilhões previstos, mais de R$ 33 bilhões estão associados a despesas obrigatórias, por definições constitucionais e legais. A não aprovação da CPMF significa que outras fontes de recursos deverão ser alocadas para suprir total ou parcialmente esses R$ 33 bilhões, por meio de cortes em outras programações.



Promover tamanha alteração na proposta orçamentária não é uma tarefa fácil. Depois de aprovado, o Orçamento deveria conter R$ 95 bilhões em despesas chamadas discricionárias, para as quais há alguma liberdade de alocação. Mesmo assim, somente R$ 35 bilhões deles se referem a investimentos. E, não é possível congelar todas as outras demandas. Muito embora essas sempre sejam as despesas que mais sofrem com  medidas fiscais, o país não pode parar o seu crescimento por problemas de infra-estrutura, como ocorreu em 2001, com a crise energética, ou, por exemplo, por precariedade nos transportes.



Perdeu-se uma arma anti-sonegação



Aguarda-se ainda para dezembro a primeira resposta do governo: um conjunto de medidas para recuperar, pelo menos em parte, as receitas pedidas. A expectativa é que seja imediatamente modificada a legislação sobre impostos variados como o IPI, IOF, Imposto de Importação e de Exportação; parte disso pode ser operado por meio de decretos e portarias, mas também serão necessários projetos de leis ou Medidas Provisórias. Cogita-se mudanças em contribuições sociais, nas parcelas incidentes sobre produtos importados e nas típicas do setor financeiro – as contribuições sobre o lucro, faturamento e do PIS/Pasep são diferenciadas para esse setor.



Tão importante quanto a redefinição das receitas é construir um novo instrumento de combate à sonegação fiscal. A CPMF, além de ser um tributo de difícil sonegação, contribuía para o combate à elisão fiscal, pois permitia comparar a renda declarada pelas pessoas e empresas com a sua respectiva movimentação financeira. Muitos crimes puderam ser mapeados pelas informações da CPMF. Para que se tenha uma idéia desse poder, todo o aumento real concedido para o salário mínimo em 2001 foi custeado com o aumento da arrecadação de outros tributos propiciado pelo uso das informações da CPMF por parte da Receita.
Cortes, infelizmente, virão



É muito provável que essas mudanças não consigam recompor de todo as receitas orçamentárias.


 


Primeiro, porque o volume da CPMF era substancial; mudanças emergenciais dessa magnitude poderiam produzir desequilíbrios variados na cadeia produtiva e distorcer ainda mais o sistema tributário nacional.


 


Segundo, porque nem todas as alterações tributárias produzem efeitos financeiros imediatos. Não há tempo hábil para alterar a legislação sobre Imposto de Renda, por exemplo, que precisa estar convertida em lei até o final deste ano para permitir arrecadação em 2008. Impostos como o IOF e o sobre Importação e Exportação, cujas modificações que não se vinculam a essa anterioridade, arrecadam relativamente pouco (previsão de R$ 22 bilhões para 2008). Mesmo no IPI, as parcelas relativas a produtos supérfluos (fumo, bebidas e automóveis) são diminutas e totalizam apenas R$ 12 bilhões. São valores pequenos perto dos R$ 40 bilhões da CPMF. Leis que modificam as contribuições sociais também não produzem efeitos financeiros imediatamente, devem aguardar noventa dias depois de publicadas (se as mudanças forem produzidas por MP, além da chamada noventena é preciso a conversão em lei).



Se é pouco provável a recuperação dos 40 bilhões perdidos, é possível diminuir a necessidade dos cortes, que infelizmente acabarão sendo feitos. A começar pelas despesas de custeio e de investimento dos órgãos. Assim, parcela crescente de recursos próprios de entidades e agências deverão ser esterilizados para contribuir com o ajuste. Também estão em risco o aumento dos recursos da saúde (R$ 24 bilhões), as contratações e negociações salariais do funcionalismo (havia previsão de R$ 3,5 bilhões para essa despesa em valores anualizados) e a programação de investimentos do PAC. Deverão ser adiadas medidas já em estado avançado de elaboração como as de desoneração da folha de salários e as de incentivo ao setor industrial, que envolvem renúncia de receita.



2008 começará sem orçamento



Com tantas mudanças, a tramitação do orçamento de 2008 deve ser interrompida para retornar em fevereiro, quando se espera poder estimar o efeito das novas medidas de recuperação de receitas e aquilatar a demanda por cortes nos diversos programas de governo.


 


Ainda antes do recesso (que se inicia em 22 de dezembro), devem ser votados todos os relatórios setoriais. Caberá ao relator geral – deputado José Pimentel (PT-CE) –  propor os ajustes necessários para a aprovação da lei orçamentária. Começar 2008 sem orçamento aprovado é outra conseqüência perversa do fim da CPMF. Sem orçamento, despesas de investimento não poderão ser executadas, já que a Lei de Diretrizes Orçamentárias permite tão somente que sejam efetuadas as despesas obrigatórias. Como a lei eleitoral determina que os convênios com municípios devam ser publicados até o final de junho, o ano será muito curto para essa execução orçamentária. 



Meta de superávit em xeque



Por maior que seja a resistência, os partidos que integram a base política do governo e os diversos setores organizados do movimento social deverão reivindicar que a meta de superávit seja imediatamente revista. O primeiro passo pode até ser a ampliação dos investimentos do PAC que são descontados da meta de superávit, hoje limitados em R$ 13,8 bilhões. Mas, é preciso diminuir a meta de superávit e determinar a queda das taxas de juros.



É inadmissível que o país continue pagando uma das maiores taxas de juros do mundo, um desequilíbrio que desestabiliza a moeda nacional e transfere uma parcela expressiva de patrimônio público para os rentistas (até outubro já foram R$ 135 bilhões, 6,5% do PIB). É exatamente essa enorme conta de juros que exige tanto sacrifício nas contas públicas.



A diminuição das taxas de juros, além de diminuir encargos financeiros, amplia a capacidade de crescimento econômico. Menos juros e mais crescimento são o caminho mais rápido para a redução dos encargos da dívida pública e para direcionar mais recursos públicos e privados para a expansão da produção e do emprego.
Sem essa pressão, crescerão do lado de lá as vozes a exigir mais e mais cortes nas programações orçamentárias. Para manter intocável as garantias do capital financeiro, não faltará até quem defenda retroceder no aumento das verbas para a saúde ou recuar no aumento do salário mínimo (que foi aprovado pela Câmara, mas ainda em está em tramitação no Senado, um aumento real equivalente ao crescimento econômico de 2006).



A cobrança da CPMF acabou. Esses efeitos serão imediatamente sentidos por aqueles que fazem milionárias movimentações financeiras. É preciso evitar agora que, para a imensa maioria da sociedade, o fim da CPMF signifique tão somente a precarização dos serviços públicos, a postergação dos investimentos de infra-estrutura indispensáveis para que o país continue crescendo. Vale lembrar que muito se falou no efeito em cascata da CPMF sobre os diversos preços, mas é bem provável que nenhum preço caia com o fim da Contribuição, o povo deve continuar pagando esses encargos agora direcionados, não para a saúde, o fundo da pobreza ou para a previdência, mas para engrossar o lucro dos grandes conglomerados.



* Assessor técnico da Liderança do PCdoB na Câmara dos Deputados.