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Alda Lara: Testamento

*

À prostituta mais nova
do bairro mais velho e escuro,
deixo os meus brincos, lavrados
em cristal, límpido e puro…


 


E àquela virgem esquecida
rapariga sem ternura,
sonhando algures uma lenda,
deixo o meu vestido branco,
o meu vestido de noiva,
todo tecido de renda…


 


Este meu rosário antigo
ofereço-o àquele amigo
que não acredita em Deus…


 


E os livros, rosários meus
das contas de outro sofrer,
são para os homens humildes,
que nunca souberam ler.


 


Quanto aos meus poemas loucos,
esses, que são de dor
sincera e desordenada…
esses, que são de esperança,
desesperada mas firme,
deixo-os a ti, meu amor…


 


Para que, na paz da hora,
em que a minha alma venha
beijar de longe os teus olhos,


 


vás por essa noite fora…
com passos feitos de lua,
oferecê-los às crianças
que encontrares em cada rua…


 


Poesia Africana de Língua Portuguesa (Antologia)
Maria Alexandre Dáskalos, Livia Apa, Arlindo Barbeitos
Lacerda Editores – edição 2003