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Terras, impostos, gás… os eixos do autonomismo na Bolívia

Uma análise preliminar do estatuto autonomista aprovado no dia 15 de dezembro em Santa Cruz, somado aos que foram proclamados em Beni e Pando e ao que está sendo redigido em Tarija, antecipa uma primeira conclusão: as direções regionais apostaram em uma

Mais do que uma cisão do país, o que faz prever novas nuvens negras são as competências que a ''Meia-Lua'' da parte sul-oriental do país tenta tirar do governo central. As Cartas departamentais – que devem ser ratificadas em um referendo sem embasamento legal, ainda que com legitimidade nas regiões – deixam claro que os governos locais querem definir a política de terras, cobrar impostos e co-administrar, junto com o Estado nacional, os recursos naturais estratégicos como o gás. Mas tudo isso bate de frente – e é inaceitável – com o projeto nacionalista que lidera Evo Morales, hegemônico no ocidente boliviano, mas com apoio importante no oriente, como revelaram as eleições de 2005 e 2006.

Estrangeirização da propriedade da terra

No terreno tributário, o estatuto de Santa Cruz outorga a um futuro órgão legislativo departamental não apenas o poder de criar novos impostos mas, também, o de arrecadar impostos para o governo nacional, em um sistema de co-participação das regiões e do Estado. Isso não é pouca coisa: Santa Cruz produz 30% do PIB e gera entre 30 e 40% da arrecadação fiscal boliviana.

Também querem ter competência, só que ''partilhada com o governo nacional'', na exploração do gás, o que, como antecipou o prefeito Rubén Costa, permitiria a criação de empresas departamentais de hidrocarburetos e a assinatura de acordos próprios com as transnacionais estabelecidas na Bolívia. Apesar de que mais de 80% do gás está em Tarija, estas empresas têm sua sede em Santa Cruz. Mas onde a direção de Santa Cruz não quer mesmo saber nada do Estado é no controle da terra, em um país no qual se mata e se morre por um punhado de metros quadrados.

Ao adotar ''medidas preventivas'' diante das previsíveis críticas, o estatuto inclui um artigo sobre ''perseguição e luta contra o latifúndio''. Mas o vínculo dos políticos orientais com o agronegócio provoca múltiplas susceptibilidades quanto à cláusula que delega aos futuros governadores a emissão de títulos de propriedade agrários ''irreversíveis'', que não podem ser revisados pelo Estado nacional, assim como o controle do cumprimento da função econômica e social das propriedades rurais. E a mesma coisa acontece com a competência departamental para outorgar concessões florestais que está incluída nos estatutos. As terras mais férteis, que hoje estão divididas fundamentalmente entre o cultivo de soja e a agropecuária, encontram- se no oriente.

O diretor do Centro de Estudos Jurídicos e Pesquisas Sociais (Cejis), Leonardo Tamburini, explica que desde o auge da soja, nos anos 1990, ocorreu um processo de forte estrangeirização da propriedade rural. ''Em 2004, 30% da superfície cultivada com soja estava em mãos de brasileiros e outra parte importante se divide entre menonitas, israelenses, russos e argentinos'', aponta o especialista. Para complicar ainda mais as coisas, a Assembléia Constituinte decidiu promover uma consulta para definir se o limite dos latifúndios será de 5.000 ou de 10.000 hectares, o que muitos especialistas consideram inviável, argumentando que não é possível fixar extensões máximas sem levar em conta a produtividade de cada região, e uma fonte adicional.

Para os grupos agroempresariais a leitura é simples: Evo quer sucatear o país para beneficiar sua gente, ou seja, os camponeses e indígenas do ocidente boliviano. A dúvida é se essa postura cívico-municipal radical vai ser uma carta de negociação com o governo central (ou seja, pedir tudo para conseguir alguma coisa) ou se será uma postura extrema que vai provocar maiores estranhamentos num futuro imediato. É isso que irá determinar os caminhos possíveis para sair do ''empate''.

Fonte: http://www.agenciacartamaior.com.br